A IDA A MERCADOS
Todo este júbilo, o toque das
trombetas da alegria e os cânticos de loas no regresso aos mercados que têm perpassado
todo o universo da comunicação social no nosso País, tem-me deixado algo desconfiado,
porque dá-me a sensação, como dizia a minha avó, que me estão a “indrominar”.
Quando era petiz, por vezes ia com
a minha avó ao mercado vender as suas produções hortícolas e de animais de
capoeira. Não faltavam vendedores que procuravam engendrar formas de enganar o “zé
povo” que pretendia comprar os produtos que não tinham.
Certo dia, acompanhei a minha avó
ao mercado para vender os produtos hortícolas colhidos na véspera na horta,
mais umas aves de capoeira que criava, assim como uma cesta de ovos – é um
facto que naquele tempo a minha avó não tinha “à perna” a directiva da Comissão
Europeia que se preocupa com o espaço do local onde a galinha põe os ovos, caso
contrário seria o bom e o bonito -, que eu quando a visitava sempre corria a
procurar no galinheiro e nos sítios onde as galináceas descarregavam o ovo. Nesse
dia, após a venda, a minha avó ia aproveitar para comprar um porquinho, pois
tinha há umas semanas matado o porco que criara e já se encontrava na salga
para se ir comendo nos meses seguintes.
Como sempre o fazia quando tinha
de ir ao mercado, a minha avó levantou-se ainda o Sol dormia o primeiro sono,
eu estremunhado lá me levantei e ainda os galos não tinham cantado. Carregou
para a cabeça um grande molho com as couves, as pencas, os grelos, os corações;
numa mão levava a cesta com os ovos, onde também juntou umas cabeças de alho;
na outra mão levava outra cesta, com um galo, com cebolas e com batatas. Carregou,
ao todo, mais de trinta quilos. E tínhamos de fazer 10 quilómetros a pé para
chegar ao mercado (feira era o que se dizia).
Lá chegada colocou ordenamento as
suas produções no chão e depressa começaram as mercadoras a se aproximar e a “marralhar”
o preço pedido pela minha avó. Só que a minha avó sabia muito bem do negócio,
apesar de não saber ler nem escrever, e não abdicava do preço que impunha. Ela
mandava, pois sabia o que vendia. As clientes, muitas delas assíduas, sabiam o
que compravam, pois confiavam perfeitamente na qualidade dos produtos da D.
Maria, e depressa acediam ao preço imposto pela sábia vendedora, a senhora
minha avó, e compravam, pois sabiam que se virassem costas logo atrás estava
outra para comprar.
Depressa, e bem cedo, a minha avó
vendeu toda a sua mercadoria. Recolhidas as cestas e guardado o dinheiro da
venda no seio, a minha avó lá se dirigiu para o local onde se situava a feira
do gado. Lá se vendiam vacas, bois e porcos, eu olhava em redor e via homens
com chapéus e de vara na mão a falarem alto e a vociferarem um rol de palavrões
que corava qualquer um. A minha avó, como boa católica, não gostava de ouvir
(se fosse o relvas dizia: ouvisto…) esse tipo de palavreado e remoía para
dentro, que eu bem ouvia, o Senhor vos castigue por causa dessa língua porca.
A minha avó percorreu a parte da
feira dos animais e deteve-se perante um curral improvisado onde se encontrava
um porquinho. Não teria mais de dois meses. Eu via aquele bacorinho e pensei
para mim que era raquítico, pois tinha assistido à matança do porco em casa da
minha avó, e, segundo os cálculos do meu avô, teria cerca de 10 arrobas. Olhando
para aquilo estranhei.
A minha avó olhou para o
porquinho, senti que este também olhou para ela, e algo ali aconteceu. A minha
avó perguntou ao vendedor quanto queria pelo porco. O vendedor logo começou por
vender mais que “banha da cobra” (frase que eu ouvia muito quando ia à feira) e
logo começou por enaltecer as grandes qualidades do bacorinho, a qualidade da
sua carne, pois a mãe dele era de boa “febra”. Olhe senhora para estes
quadris!? Veja a qualidade desta pá, isto é que vai dar bom presunto!? Por ser
para si são dois contos, que a senhora até parece boa pessoa. A minha avó olhou
para o vendedor, e com uns olhos que eu nunca tinha visto naquela santa
senhora, com uma voz ríspida, desancou no vendedor: Mas você está a querer me “indrominar”?
Então eu não vejo que esse porquinho está raquítico, e o senhor deveria ter
vergonha em vir para cá anunciar as qualidades do pobre bacorinho, pois vê-se
bem que se ele não for bem tratado que não se salva. Que adianta vir ao mercado
se ninguém acredita no que o senhor diz, pois todos vemos e sentimos que esse
animalzinho não vai sobreviver durante muito tempo se não alterar a forma como
o trata! Tenha vergonha na cara. Respeite a minha pessoa e tenha temor aos ditames
do Senhor nosso Deus por estar a querer “indrominar” as pessoas. Dou-lhe 500
escudos pelo porquinho, mas vou criá-lo muito bem, é preciso é saber criar
condições para o pobre “bicho” poder crescer. E com esta “rabecada” que a minha
avó passou ao vendedor este até lhe vendeu o bacorinho pelos 500 escudos.
Lembrei-me desta passagem, agora
que ouço todo o júbilo do regresso aos mercados. Tal como a minha avó, também
digo que me estão a “indrominar”, pois a ida a mercados foi uma acção
concertada com o BCE; teve por trás quatro bancos estrangeiros; o BCE assumiu o
risco do pagamento da dívida em caso de incumprimento por parte dos países; a troika permitiu o alargamento do prazo na
maturidade da dívida. Com tudo isto, os investidores, especuladores, agiotas,
preferem comprar a dívida pública portuguesa, escudada pela garantia de
pagamento em caso de falha por parte do BCE, a 4,9% de juros, do que estarem a pagar à
Alemanha para comprar a sua dívida, sendo que a Alemanha também já está a baixar
o seu crescimento.
Todo este espectáculo não mais é do
que “indrominar” os portugueses, pois esta ida a mercados não resolve nenhum
dos problemas que afectam a nossa anémica economia.
Por isso, os nossos governantes e
todos aqueles que elogiam a ida a mercados – são sempre os mesmos, mesmo quando
era o anterior governo -, deveriam era levar nas trombas com a rabecada que a
minha avó passou ao vendedor do bacorinho por nos estarem a “indrominar”.
Aquela passagem serviu para mim
como uma grande lição de vida que nunca mais esqueci!