Do alto do monte tenho o
privilégio de observar a paisagem, a cidade, o mar e os campos. É um regalo
para os olhos contemplar o azul do mar e o verde dos campos; o mar revolto e os
campos com a sua terra revirada, pronta a receber a próxima sementeira. Lá ao
fundo, minusculamente, falta-me um binóculo para aconchegar à retina a visão
aproximada, há um movimento parecido com pessoas. Mas são poucas! Vemos uma
cidade sem gente. Os campos sem camponeses. A praia deserta, pois o dia e a
época não convida a banhos de Sol. Deste lugar privilegiado, posso concluir
que, lá ao fundo, a cidade não mexe, não regurgita de gente. Parece que a gente
fugiu! Triste planície que se encontra tão vazia de pessoas, o único ser que dá
alma às ruas, às lojas, ao comércio em si. Tudo isto, observado cá do alto do
monte, torna-se triste, vazio, sem vontade de descer à cidade, à urbe, ao
mundo. Sem gente, não há vida! Sem pessoas, não há movimento. Sem políticas
sérias, não há desenvolvimento, não há cultura de passagem pela cidade.
Durante o dia encontram-se no
interior dos edifícios a trabalhar. Terminada a hora da jorna, é vê-los cada um
para seu lado, em direcção às suas terras, às suas casas. Afinal o que fica
agora que terminou o horário de expediente das repartições, dos bancos, do
comércio? Nada! Ficam uns poucos que vão “vagabundeando” em busca de alguém com
quem falar. Até os bancos do largo ficaram vazios. Os seus ocupantes,
reformados por natureza, também acabaram o seu dia de trabalho: contar os
carros que passam na rua, falar de futebol e, talvez, da crise, isto para além
dos passeios a Fátima e das festas populares. Alguns aproveitam a solidão para
irem contando umas contas do tercinho. Se a crise continuar, é preparar a
oferta de rosários, para ver se a coisa melhora com a ajuda divina. Já que a
ajuda terrena só desgraça, só traz miséria.
Tirando o mês de Agosto, a cidade
só se apinha de gente quando há festa, quando há “pão e circo”. Conforme
relatou, no Século I,
Júlio Juvenal, a propósito do modelo de sustentação político criado por Roma
para a manutenção da ordem social do Império. Na prática esse modelo
correspondia à garantia da existência de comida e diversão para o povo, com o
objectivo de apaziguar eventuais movimentos de insatisfação social contra os
governantes e as suas políticas. A leitura de Juvenal corresponde a uma das
primeiras e mais profundas críticas que se conhecem acerca do funcionamento do
sistema político, nomeadamente das estratégias que este vai encontrando para se
perpetuar, suportado pela massa amorfa que constitui o povo. E por cá esta
estratégia vai funcionando. Pois chama-se o povo para assistir a descerrar placas
de arranjos de ruas e passeios, de cantinhos que pouco uso vai ter. O povo vai
em hordas! Corre para ver, mas principalmente para ser visto, pois importa que
o poder saiba que ele esteve lá. Aplaudiu e apoiou. Ouve os discursos
panegíricos de circunstâncias. O povo solta o aplauso repenicado, não vá os capatazes
entenderem como sinal de fraqueza o baixo silvo dos aplausos.
Porém, e contrariamente ao que
possa pensar-se, a culpa deste estado de coisas não está no povo. A culpa, se
existe, tem sido da responsabilidade das sucessivas elites políticas que, pelas
mais variadas razões e um pouco por todo o lado, se têm abstido de implementar
políticas vocacionadas à preparação de cidadãos mais interessados, preocupados,
com espírito objectivamente crítico e participativos das grandes decisões
relativas à sociedade de que fazem parte.
Estamos em crer que a elevação
destes índices de esclarecimento junto do povo teria como resultado directo o
incremento da qualidade dos políticos, dos seus projectos e das políticas que
colocariam em prática. Doutra forma, continuaremos a correr o sério risco de a
crise ser, aos olhos de grande parte dos cidadãos, algo que serve apenas para
alimentar discursos e debates políticos, mas sem qualquer correspondência com a
realidade da vida de cada um de nós.
No entanto, também seria oportuno
que a oposição olhasse doutra forma para o seu comportamento ao pretender ser
alternativa ao poder instalado. O discurso politicamente correcto é sinal de
subserviência, evidência de que pretende que o status quo se mantenha, pois a pobreza de espírito leva a que possa
colher algumas migalhas que caem da mesa farta do poder. E também eles serem
parte integrante da procissão que na tribuna da arena distribui o “pão e circo”
a um povo faminto de ideias, de cultura, de espírito crítico. Gente que procura
aparecer na “fotografia”, pois dessa forma pode ser que um “empreguito” lhe surja,
afinal é do clube, coloca o chapéu, acena a bandeira e acende o isqueiro.
A política é construída por
ideias contrárias, pois só assim há alternativa, há discussão, há pontos de
vista diferentes. Por norma os Partidos políticos têm na sua génese uma
ideologia que os diferencia. Mas hoje em dia a maioria dos que se envolvem nos
partidos políticos não o fazem por ideologia. Hoje envolvem-se na política,
principalmente a partir de baixo, com o pragmatismo próprio de quem apenas está
interessado em concretizar as suas ambições pessoais. Por vezes estas ambições
desmesuradas tolhem o raciocínio, pelo que muitos não olham a meios para
atingir os fins. Esquecem o princípio da solidariedade. Mandam às malvas o
interesse colectivo. O pragmático pensamento individual que sobreleva tudo e
todos e atropela aqueles que nesta vida andam de boa-fé. Muitas vezes, com
vontade de se tornar agradável ao poder, fazem-se afirmações panegíricas sobre
os seus adversários políticos que levam ao ridículo quem as proclamou.
Afirmações que serão aproveitadas no primeiro momento, que servirão de arma de
arremesso contra aqueles que as proferiram.
É tempo da oposição começar a
terçar armas com verdade. A iniciar o seu trajecto de verdadeira alternativa.
De procurar diferenciar-se na forma de fazer política. Mostrar aos olhos do
povo que as suas ideias, o seu comportamento, são credíveis e que podem acreditar
neles. Quando o debate público não existe, quando a comunicação social não
procura o contraditório, quando se impinge o pensamento único, a oposição tem
de se transformar, tem de procurar formas alternativas de passar a mensagem.
Essa é só estando no meio das pessoas. Só mostrando comportamentos de
verdadeira oposição. Diferenciando o seu discurso. Sem se tornar ridículo e
panegírico, pode-se elogiar o poder por algo que possa ter feito, mas logo de
seguida informar que faria de forma diferente e talvez melhor.
Para que as pessoas possam sentir
confiança na oposição, ainda por cima quando os comportamentos dos
intervenientes partidários até se confundem, só se pode chegar ao poder com
muito trabalho, com muita dedicação, com muita credibilidade e sentir o pulsar
das pessoas.
Ouvir as pessoas fora da época da
campanha eleitoral é primordial. Estar lá no momento em que as pessoas têm
necessidade de reivindicar. Promover cultura. Incentivar a participação em
debates, conferências e colóquios. Se o poder utiliza o pão e circo, a oposição
não pode seguir o mesmo rumo, tem de mostrar às pessoas que há alternativas.
Que o medo tem de acabar. A Democracia é feita também com a liberdade de
pensamento, de participação e de entrega à causa pública.
Quando se vive numa letargia
cultural, com o pensamento único arreigado no pensamento das pessoas, compete à
oposição, se algum dia quiser ser poder, abanar as consciências. Esse é o
caminho.
Agora nunca será o caminho certo,
a estrada segura, quando se debitam discursos panegíricos em homenagem aos que
se encontram no poder. É que o povo pode não ver tudo, mas isto percebe. E se
ouve e lê elogios a quem governa, então a opção é a mais fácil: manter tudo
como está!