quarta-feira, 5 de março de 2014

O PAÍS ESTÁ MELHOR PARA QUEM?



Por vezes ouvimos palavras tão frias como a ponta de uma espada que perfura e trespassa o coração das pessoas. Quando essas palavras são conjugadas numa frase, tornam-se no estilete que nos esventra e nos rouba as entranhas. Tal qual as palavras proferidas por responsáveis do governo e deputados do PSD, quando afirmaram que «o país está melhor, mas as pessoas estão pior». Quando se fazem afirmações com esta frieza, temos de sentir que estamos perante gente que não tem um mínimo de sensibilidade social. Falta o sentimento humanitário que deve existir em quem governa e naqueles que os apoiam.
Um país é composto por pessoas, que são os seus habitantes. Portanto, um país só pode estar bem, estar melhor, se as pessoas que lá vivem estiverem bem, estiverem melhor. Destrinçar as pessoas do país é demonstrativo de que a insensibilidade social toca a perigosíssima linha ténue que separa uma democracia de uma autocracia.   
É incompreensível que não se consiga entender que um país é apenas um espaço de terreno delimitado por linhas que indicam o território, o espaço físico. Portanto, sendo o País um espaço de terreno, o que faz esse país são as pessoas. E só em mentes desequilibradas é que se pode desprezar as pessoas. Só gente imbuída de um espírito autocrático, a roçar a tirania, é que poderá lançar a tónica do desprezo pela vida das pessoas.
Um país só estará bem quando as pessoas também estiverem bem! A não ser que esse país apenas se preocupe em que pessoas como os Amorins, os Soares dos Santos e os Belmiros estejam bem, tal qual o anúncio da revista “Forbes”, que diz que estes três indivíduos aumentaram a sua fortuna, em 2013, em 2 mil milhões de euros, conforme anuncia a capa do jornal “Diário de Notícias”, de terça-feira, 4 de Março deste ano. Em contrapartida ao aumento da fortuna destes senhores, a grande maioria das pessoas deste país vive cada vez pior. Os pais, já reformados, vêem entrar pelas portas adentro os filhos e os netos, que passam a ter de abrigar debaixo de telha e sustentar, pois o desemprego abateu-se sobre os seus filhos, passando a parca reforma que recebem a ser o único sustento de uma família que aumentou. São muitos os exemplos que a política austeritária de cortes cegos lançou na miséria, na pobreza.  
No mesmo jornal, na mesma capa, há uma chamada, no lado direito das fotografias dos três mais ricos de Portugal: «Falta de agulhas atrasa quatro meses exame de cancro». De facto, que interessa às pessoas o país estar melhor se faltam agulhas para se fazer um exame de cancro. Que adianta ao cidadão comum que o país esteja melhor, mas tem de esperar dois anos para uma consulta para realizar um exame para despiste de um cancro, e quando a consulta chega já é tarde, pois o cancro lançou-se inexoravelmente a contaminar o corpo do doente. O que importa o país estar melhor se as pessoas andam de hospital em hospital, e nesta viagem de porta em porta acabar por morrer. O que vale o país estar melhor se um cidadão com um traumatismo crânio-encefálico vê as portas dos hospitais a não se abrirem para o receber e ter de, entre a vida e a morte, fazer uma viagem de mais de 400 quilómetros numa ambulância. Ou será que com os cortes orçamentais para a destruição do Serviço Nacional de Saúde os hospitais não terão desmantelado camas dos cuidados intensivos? Tendo em conta os altos custos deste serviço. Alguém já procurou saber o motivo pelo qual a maioria dos hospitais centrais está com os serviços de cuidados intensivos esgotados? Afinal que país é este que está melhor?
Também o Eurostat diz que Portugal é o país europeu com mais rendimento concentrado nos mais ricos. É para estes que o país está melhor? É para eles que o governo promove o enorme aumento de impostos sobre uma classe média cada vez mais esmifrada e destruída. Diz o Eurostat que «em 2011, os 10 por cento mais ricos reuniam 27,3% do rendimento global das famílias portuguesas num ano». Na prática, o que se comprova é que um décimo das famílias portuguesas concentra 27,3% do rendimento global amealhado por todas durante um ano. E não tenhamos dúvidas de que essa percentagem tem vindo a aumentar e era, em 2011, últimos dados disponíveis, a mais elevada da União Europeia, ficando 3,4 pontos percentuais acima da média comunitária. Certamente, hoje os valores estão mais desequilibrados, sempre em favor dos mais ricos, como anuncia a “Forbes”.
Surge uma luz ténue, um lusco-fusco, e logo é anunciado ao som das trinetas de que estamos perante um «milagre da economia portuguesa». Tal anúncio deve fazer vacilar até os mais crentes nos milagres imputados aos seus Santos de devoção, pois tal comparação milagreira tem o condão de desvalorizar os milagres escritos e defendidos pela Santa Madre Igreja.
São estas palavras frias e desprovidas de respeito para com as pessoas, que ferem, que mortificam, a alma da gente, que mata um povo que é tragado pela dimensão da onda do fisco na cobrança dos rendimentos sobre o trabalho, e das políticas de cortes cegos na Educação Pública, na Saúde Pública e nos Apoios Sociais.