Por vezes ouvimos palavras tão
frias como a ponta de uma espada que perfura e trespassa o coração das pessoas.
Quando essas palavras são conjugadas numa frase, tornam-se no estilete que nos
esventra e nos rouba as entranhas. Tal qual as palavras proferidas por
responsáveis do governo e deputados do PSD, quando afirmaram que «o país está
melhor, mas as pessoas estão pior». Quando se fazem afirmações com esta frieza,
temos de sentir que estamos perante gente que não tem um mínimo de
sensibilidade social. Falta o sentimento humanitário que deve existir em quem
governa e naqueles que os apoiam.
Um país é composto por pessoas,
que são os seus habitantes. Portanto, um país só pode
estar bem, estar melhor, se as pessoas que lá vivem estiverem bem, estiverem
melhor. Destrinçar as pessoas do país é demonstrativo de que a insensibilidade social
toca a perigosíssima linha ténue que separa uma democracia de uma autocracia.
É incompreensível que não se
consiga entender que um país é apenas um espaço de terreno delimitado por
linhas que indicam o território, o espaço físico. Portanto, sendo o País um
espaço de terreno, o que faz esse país são as pessoas. E só em mentes
desequilibradas é que se pode desprezar as pessoas. Só gente imbuída de um
espírito autocrático, a roçar a tirania, é que poderá lançar a tónica do
desprezo pela vida das pessoas.
Um país só estará bem quando as
pessoas também estiverem bem! A não ser que esse país apenas se preocupe em que
pessoas como os Amorins, os Soares dos Santos e os Belmiros estejam bem, tal
qual o anúncio da revista “Forbes”, que diz que estes três indivíduos
aumentaram a sua fortuna, em 2013, em 2 mil milhões de euros, conforme anuncia
a capa do jornal “Diário de Notícias”, de terça-feira, 4 de Março deste ano. Em
contrapartida ao aumento da fortuna destes senhores, a grande maioria das pessoas
deste país vive cada vez pior. Os pais, já reformados, vêem entrar pelas portas
adentro os filhos e os netos, que passam a ter de abrigar debaixo de telha e
sustentar, pois o desemprego abateu-se sobre os seus filhos, passando a parca
reforma que recebem a ser o único sustento de uma família que aumentou. São
muitos os exemplos que a política austeritária de cortes cegos lançou na
miséria, na pobreza.
No mesmo jornal, na mesma capa,
há uma chamada, no lado direito das fotografias dos três mais ricos de
Portugal: «Falta de agulhas atrasa quatro meses exame de cancro». De facto, que
interessa às pessoas o país estar melhor se faltam agulhas para se fazer um
exame de cancro. Que adianta ao cidadão comum que o país esteja melhor, mas tem
de esperar dois anos para uma consulta para realizar um exame para despiste de
um cancro, e quando a consulta chega já é tarde, pois o cancro lançou-se
inexoravelmente a contaminar o corpo do doente. O que importa o país estar
melhor se as pessoas andam de hospital em hospital, e nesta viagem de porta em
porta acabar por morrer. O que vale o país estar melhor se um cidadão com um
traumatismo crânio-encefálico vê as portas dos hospitais a não se abrirem para o
receber e ter de, entre a vida e a morte, fazer uma viagem de mais de 400
quilómetros numa ambulância. Ou será que com os cortes orçamentais para a
destruição do Serviço Nacional de Saúde os hospitais não terão desmantelado
camas dos cuidados intensivos? Tendo em conta os altos custos deste serviço.
Alguém já procurou saber o motivo pelo qual a maioria dos hospitais centrais
está com os serviços de cuidados intensivos esgotados? Afinal que país é este
que está melhor?
Também o Eurostat diz que
Portugal é o país europeu com mais rendimento concentrado nos mais ricos. É
para estes que o país está melhor? É para eles que o governo promove o enorme
aumento de impostos sobre uma classe média cada vez mais esmifrada e destruída.
Diz o Eurostat que «em 2011, os 10 por cento mais ricos reuniam 27,3% do
rendimento global das famílias portuguesas num ano». Na prática, o que se
comprova é que um décimo das famílias portuguesas concentra 27,3% do rendimento
global amealhado por todas durante um ano. E não tenhamos dúvidas de que essa
percentagem tem vindo a aumentar e era, em 2011, últimos dados disponíveis, a
mais elevada da União Europeia, ficando 3,4 pontos percentuais acima da média
comunitária. Certamente, hoje os valores estão mais desequilibrados, sempre em
favor dos mais ricos, como anuncia a “Forbes”.
Surge uma luz ténue, um
lusco-fusco, e logo é anunciado ao som das trinetas de que estamos perante um
«milagre da economia portuguesa». Tal anúncio deve fazer vacilar até os mais
crentes nos milagres imputados aos seus Santos de devoção, pois tal comparação
milagreira tem o condão de desvalorizar os milagres escritos e defendidos pela
Santa Madre Igreja.
São estas palavras frias e
desprovidas de respeito para com as pessoas, que ferem, que mortificam, a alma
da gente, que mata um povo que é tragado pela dimensão da onda do fisco na
cobrança dos rendimentos sobre o trabalho, e das políticas de cortes cegos na
Educação Pública, na Saúde Pública e nos Apoios Sociais.