sexta-feira, 24 de abril de 2015

AS CICLOVIAS E O PLANEAMENTO*

As ciclovias foram criadas para dar mais
conforto aos ciclistas.
A
s ciclovias (espaços próprios para os utilizadores de bicicletas circularem) nasceram, essencialmente, nos países da Europa Central,  em finais do século XIX, fruto da necessidade de criar conforto de circulação aos utilizadores de bicicletas e evitar a mistura da circulação de bicicletas com as carroças e charretes. Foi nas zonas rurais que primeiramente se criaram esses “corredores”, dado que as estradas eram entapetadas com pedra e “cascalho” (as estradas de Macadame) que causava transtornos e desequilíbrios aos ciclistas. Tendo em conta que as bicicletas eram o maior meio de transporte utilizado pelas pessoas, os responsáveis pelo planeamento começaram por criar corredores laterais nas ruas e estradas, com um piso liso, primeiro em terra e depois em cimento, para ser utilizado pelos ciclistas. 
Nos anos 30 do século XX, a criação de ciclovias massificou-se na Alemanha, pois a política do Nacional-Socialismo pretendeu retirar as bicicletas das estradas e ruas para que estas não perturbassem os automóveis, que começavam a ser produzidos em massa, e os impedisse de atingir a velocidade desejada.
Foi da necessidade de criar condições de conforto para os ciclistas que nasceram as ciclovias! Também será de realçar que a construção das ciclovias não invadiram o espaço para circulação de veículos motorizados, nem tampouco ocuparam o espaço para a circulação dos peões.
Com a descoberta de novos materiais para os pisos das ruas e estradas, aliado ao desenvolvimento do automóvel como meio de transporte, houve países que nunca descuraram a questão da circulação das bicicletas, pelo que no planeamento estratégico da rede viária esteve sempre presente a criação do espaço para a circulação de bicicletas, para que estas não criassem embaraços ao trânsito motorizado e aos peões.
É certo que os países não são todos iguais, quer em questão de clima quer de relevo. Com maior facilidade as populações estão disponíveis e abertas à utilização de bicicletas quando os países e as localidades apresentam um relevo plano ou as suas zonas nãos sejam, na maior parte do ano, sujeitas a ventos fortes (aquilo que na nossa zona chamamos de “nortadas”), mas isto também se deve aos estilos de vida. 
Para além deste planeamento concertado entre as vias de trânsito motorizado, os passeios para os peões caminharem sem sobressaltos e as ciclovias ou ciclofaixas, os governos (centrais e locais) incluem no seu planeamento uma forte rede de transportes públicos. E é este tipo de planeamento que apela ao incentivo da bicicleta como transporte urbano no dia-a-dia, pois os autocarros e o metro estão aptos a receber no seu interior as bicicletas transportadas pelos passageiros.
Agora não se pode confundir a utilização da bicicleta ao fim-de-semana, em modos de recreação ou “treino”, como um meio de transporte, e, assim, se inicie a criação de ciclovias sem planeamento. Mais desaconselhável é quando essa criação vai “roubar” espaço necessário para o estacionamento automóvel, ou retira, também, espaço aos peões para poderem caminhar sem sobressaltos e não os obrigar a caminhar sempre com o cuidado de fugirem a uma bicicleta, que circule na via construída nos espaço roubado ao passeio para peões, ou ao esterco de cão que fica depositado no passeio...
Quando o planeamento não é feito de raiz, muitas das vezes os remendos não são a melhor solução! A construção de espaço de circulação de bicicletas não é obrigatório ser criado nos espaços destinados aos peões! Ao mesmo tempo não é bom exemplo de planeamento quando se vai retirar centenas de lugares de estacionamento de automóveis em locais onde eles são necessários, dado o fluxo de gente a esses locais e há inexistência de parques de estacionamento e de uma rede de transportes públicos que desincentive a utilização do veículo automóvel como transporte.
Não posso deixar de aceitar que a sociedade hodierna vive muito de momentos! E os momentos de hoje são as ciclovias e as caminhadas! Ainda bem para todos, pois dessa forma cada um de nós cuida da sua saúde e evita, assim, o possível aparecimento de doenças dos tempos modernos devido à vida sedentária que a maioria de nós tem. Agora, o que não se deve é ir atrás de “modas” onde muitas vezes se aconselha a não o fazer.
Contudo, vários estudos efectuados em diversos países dizem que o simples facto de serem criadas ciclovias não é sinal de aumento da segurança para o ciclista no meio urbano. A lógica apresentada neste estudo prende-se ao facto de o ciclista estar separado do fluxo de veículos e a sua interacção com outros condutores e a sua visibilidade são prejudicados em cruzamentos. Assinalam, também, que no meio urbano a maioria dos acidentes com ciclistas como intervenientes ocorrem nos cruzamentos e que a construção das ciclovias agrava estas circunstâncias.
Os mesmos estudos apontam o facto de que os ciclistas têm mais segurança pedalando nas ruas compartilhando o tráfego com outros veículos, dando como exemplo a cidade de Helsínquia, do que usando os 800 km de ciclovias da cidade. Também em Berlim, cidade em que apenas 10% das vias têm ciclovias, nos anos de 1980, a polícia elaborou um estudo que indica que as ciclovias produzem 75% das mortes e demais acidentes com ciclistas, apontando que as ciclofaixas são menos perigosas do que as ciclovias, pois ao circular nas ciclofaixas os ciclistas estão mais visíveis aos condutores dos veículos automóveis.
Na maioria dos países que têm por hábito a utilização da bicicleta, quando não há a inclusão de uma ciclovia de raiz, os responsáveis, em vez de ocuparem os espaço destinado aos peões e ao estacionamento automóvel, criam na faixa de rodagem, em cada sentido de trânsito, um correr próprio para os ciclistas.
A utilização massiva da bicicleta envolve sempre as características da sociedade e dos seus estilos de vida; assim como o relevo do país, pois num país plano com facilidade se utiliza a bicicleta; para além disso o clima também é convidativo à utilização da bicicleta como principal meio de transporte, dado que é mais agradável, até para a higiene pessoal, pedalar num clima ameno, ou mesmo frio, do que num clima quente, onde o calor origina a transpiração, o que, diga-se em abono da verdade, não é convidativo para quem se desloca de bicicleta para ir trabalhar.
Por muito que nos custe e tentemos alterar os modos de ser e pensar, a sociedade portuguesa não está vocacionada para a utilização prioritária da bicicleta como meio de transporte. O relevo do nosso país não convida à utilização desse transporte e mesmo o clima.
Pelo contrário, países como a Holanda e a Dinamarca dão a prioridade à bicicleta como meio de transporte diário. Na Holanda, por exemplo, metade da população usa a bicicleta como meio de transporte. Já Copenhaga, Dinamarca, considerada a cidade das bicicletas, tem cerca de 350 Km de ciclovia, 55% das pessoas vão trabalhar de bicicleta.
É certo, também, que na maioria dos países da Europa, a passagem à utilização massiva da bicicleta teve como causa a crise do petróleo de 1973. Dado o desmesurado aumento do custo do crude, as populações passaram a optar pela utilização massiva da bicicleta.
Portanto, seria óptimo que os responsáveis pelo planeamento, em Portugal e nas autarquias, começassem por incluir nos novos projectos a inclusão de ciclovias e ciclofaixas para a utilização da bicicleta, mas também criassem uma rede de transportes públicos que facilitasse a deslocação às pessoas.
É esse o desafio, pois só a partir daí se pode alterar as mentalidades!


*Publicado no Jornal Notícias de Esposende n.º 15/2015 – 18 a 24/Abril