Quando se exige
trabalho em troca de uma valor monetário,
não é legítimo falar
em ajuda ou apoio social.
Há dias, a Câmara Municipal de
Esposende anunciou, aliás como é seu hábito, com pompa e circunstância, de que
iria promover a concessão de 40 Bolsas de Estudo aos estudantes do Ensino
Superior, residentes no concelho e de nacionalidade portuguesa, que comprovem
estar inseridos em famílias com carências socioeconómicas, cujo valor total
gasto pela autarquia ascende a 24 mil euros.
Esta medida, já aprovada em
reunião de Câmara, aumentou em dez o número de bolsas a atribuir, pois repõe o
número concedido em 2013 (ano de eleições autárquicas), que foram de 40 bolsas,
em 2014 a Câmara concedeu 30 bolsas. Este aumento para 40 bolsas em 2015 não
terá nada a ver com o facto de estarmos em ano de eleições Legislativas?
Anuncia a autarquia, através do
seu gabinete de imprensa, que esta medida visa contribuir para ajudar os alunos
de famílias carenciadas a prosseguirem os seus estudos no ensino superior,
sendo o valor anual a atribuir de 600,00 euros a cada aluno. Os alunos
candidatos a estes apoios terão de cumprir regras impostas pela autarquia, tal
como consta no anúncio público de candidatura. E essas regras exigem que os
alunos tenham aproveitamento escolar no ano anterior; obrigam a entregar toda a
documentação e declarações comprovativas dos rendimentos; declarações da propriedade
ou não de bens móveis e imóveis; apresentar extractos de contas bancárias, etc.
Portanto, os candidatos a este
apoio municipal terão de expor, obrigatoriamente, toda a sua vida. Tais
exigências têm contornos humilhantes para aqueles que, efectiva e
verdadeiramente, necessitam de apoio, por insuficiência económica da família,
para a prossecução dos seus estudos e poderem alcandorar a um escalonamento
superior na ascensão social.
No entanto, não deixa de ser algo
intrigante que a Câmara Municipal exija todos os comprovativos de rendimentos a
estes candidatos, inclusive as declarações de IRS, e o presidente da Câmara,
Benjamim Pereira, para defender a decisão de ser o Município a oferecer os
manuais escolares a todos os alunos, tenham ou não insuficiências económicas,
do 1.º Ciclo, tenha argumentado que tomou a decisão de oferecer a todos os
alunos os manuais em virtude de, por vezes, as declarações de IRS não serem o
melhor exemplo para comprovar a situação económica.
Não obstante estar de acordo com
a lógica de Benjamim Pereira, de que, de facto, muitas das vezes as declarações
de IRS não espelham a realidade socioeconómica de muitas famílias, não entendo
o motivo pelo qual, então, contrariando o que defende para o apoio aos manuais
do 1.º Ciclo, a Câmara exige aos candidatos às bolsas do Ensino Superior a apresentação
das declarações de rendimentos, pois será através dessas que os candidatos
serão escolhidos.
Contudo, pretendemos levar em linha de conta, na parte respeitante à
concessão de apoios aos estudantes economicamente mais desfavorecidos, é o
facto de se chamar a este apoio como de acção social, quando na realidade os
estudantes que tiverem direito a receber esta verba terão de trabalhar para a
Câmara Municipal por um período de 22 dias úteis/154 horas de trabalho, no
período de férias lectivas.
Assim, é insultuoso, para aqueles que obtêm o direito de receber os 600
euros por ano, anunciarem, em clima de festa, que os privilegiados estão a
usufruir de um apoio social prestado pela Câmara Municipal, quando o que na
realidade assistimos é que a Câmara está a “comprar” ao aluno trabalho
compulsivo. Nada mais que isso!
Hoje está muito em voga
adulterarem-se as semânticas. E neste caso em concreto a sematologia está a ser
completamente pervertida propositadamente para, dessa forma, condicionar o
aluno na sua liberdade, pois este ficará, aos olhos de todos, como um daqueles
que recebeu da Câmara um apoio social à custa dos dinheiros dos impostos pagos
por todos.
Utilizar este esquema não é
ajudar os mais necessitados! É, isso sim, humilhar aqueles que mais
necessidades passam! Isto é um acto de humilhação, pois a utilização dos termos
como bolsa de estudo, ajuda aos estudantes mais necessitados, é o que perpassa na
comunicação, e é o que chega a todos. Já as obrigações a que estão sujeitos os
estudantes que recebem a ajuda não são devidamente divulgadas, pois deveriam
ser relevadas as informações de que os estudantes com direito a esse valor estão
obrigados a estudar no duro para ter aproveitamento escolar, e têm a obrigação
de abdicar de um mês das suas férias escolares para desenvolver trabalhos de
índole social, ambiental, administrativa, cultural e/ou desportiva na
Autarquia.
Como não podia deixar de ser, eu
concordo, no todo, que as autarquias locais promovam a ajuda àqueles que têm
capacidades e vontade de estudar e tirar um curso superior e que estejam
condicionados pelas carências económicas. Isso não deve acabar e, até, entendo
que deveria ser alargado a mais alunos.
Porém, discordo com a forma como
estas iniciativas são apresentadas e divulgadas, pois o aluno que recebe este
apoio é obrigado a devolvê-lo com o seu trabalho. Portanto, é à custa do
trabalho do aluno, em tempo de férias escolares, que o valor dito de “apoio” é
pago.
Enquanto os colegas destes alunos
que vivem mais desafogados se divertem e descansam nas férias escolares, tenham
tido, ou não, aproveitamento escolar, os alunos mais carenciados têm de
trabalhar durante todo o período de férias para ganhar mais algum dinheiro para
prover as despesas anuais e ainda terão de cumprir o trabalho imposto pela
Câmara Municipal.
A sociedade é composta de
necessitados, remediados e ricos. Dessa forma, os mais necessitados são sempre
os mais penalizados. Para sobreviver têm de trabalhar. Os alunos de origem mais
necessitada têm de trabalhar para obter uns ganhos para os gastos anuais quando
deveriam estar a descansar nas férias escolares, pois durante um ano estudaram
no duro.
Por isso, não posso aceitar que
haja entorses sobre o conceito de acção social! Já basta aos mais carenciados a
humilhação de mendigar um suposto apoio, que é pago com o seu trabalho, e
verem-se expostos ao resto da sociedade de que são beneficiários de um valor
pago à custa dos impostos dos outros.
Portanto, chamem a este apoio concedido aos estudantes mais carenciados
tudo o que entenderem, menos apoio social ou bolsa de estudo. Por favor
respeitem a dignidade das pessoas, essencialmente daqueles que precisam de
ajuda.
A Câmara Municipal de Esposende, contrariamente ao que anuncia, não
promove acção social ou oferece bolsas de estudo aos alunos mais carenciados, o
que faz é “comprar” trabalho compulsivo.
Já agora, o direito ao acesso a Bolsas de Estudo por parte dos
estudantes apenas os obriga a terem aproveitamento escolar, é esta a única
exigência imposta: trabalhar no estudo para passar de ano lectivo; esse é o
trabalho de um estudante!
*Artigo publicado no Jornal
Notícias de Esposende, n.º 14/2015 de 11 a 17 de Abril.