Conhecidos os números do
Orçamento do Estado para 2015 (OE15), todos ficamos a perceber que estamos
perante um documento que em vez de servir, como deveria de ser, de principal instrumento
da política económica do governo é um autêntico instrumento panfletário eleitoralista
do governo, ou não estivéssemos em ano de eleições.
Como verdadeiro documento de
trabalho do governo para a implementação de uma política económica amiga dos
cidadãos e das empresas, o governo mais não fez que transformar o OE15 num
documento de fluxos de caixa. Quem paga e quem recebe. Não mais que isto.
Este OE15 não é definidor das
políticas públicas, apenas se comporta como uma folha de caixa. Ao deixar de
fora deste Orçamento a reforma do IRS e a fiscalidade verde, o governo confirma
a sua incompetência na estruturação de políticas públicas credíveis. Se assim
não fosse o governo não optava por discutir fora do OE15 a reforma do IRS e a
fiscalidade verde.
Tão mau é este documento
orçamental, que o governo optou por fazer uma campanha eleitoral ao redor da
reforma do IRS e da fiscalidade verde em simultâneo e propositadamente para
retirar da discussão pública o OE15. Só como prova temos o sem número de
presenças do ministro do Ambiente e do Secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais nas televisões a falar-nos das virtualidades destas duas medidas. Os
últimos dois dias têm sido um fartar vilanagem de membros do governo a falar de
tudo, menos do OE15. Porque será? Porque, de facto, o OE15 é um documento que
apenas se baseia na arte da cobrança de impostos, pois o que ali se define é o
só cobrar, cobrar e cobrar. Mais nada!
Quando Passos Coelho anuncia que
o OE15 não é eleitoralista mais não faz do que esconder, de facto, o verdadeiro
eleitoralismo deste Orçamento. O OE15 é objectivamente um documento
eleitoralista! Basta para isso se verificar que, à primeira vista, não se
identificam neste Orçamento normas que possam ser consideradas
inconstitucionais. Finalmente! Ao fim de 12 Orçamentos não há normas inconstitucionais?
Que é isto senão eleitoralismo? Só o simples facto das famílias com filhos e os
funcionários públicos ganhar poder de compra, os pensionistas vão receber mais
um bocado e as empresas vão pagar menos impostos sobre os seus lucros. Se isto
não é eleitoralismo, o que é?
Para além disto, assistimos ao
anúncio do aumento do salário mínimo, aumentará o número de contribuintes com
isenção de IMI – mas finda a cláusula de salvaguarda muitos vão pagar muito
mais de IMI - e as rendas ganharão mais
tempo para não subirem em conformidade com a Leis das Rendas em vigor.
Que mais é senão eleitoralismo o
facto do défice de 2015 em lugar dos 2,5% negociados com Bruxelas passou a ser
de 2,7%? É ou não eleitoralismo as palavras de Passos Coelho quando afirma que
o governo assim desafia Bruxelas e não pode ser acusado pelo PS de “fanatismo”?
Mas há algo neste OE15 que me
deixa perplexo e que se impõe questionar: então se este Orçamento é assim tão
bom como anunciam os “evangélicos” governamentais, se há tanta melhoria para
muita gente, como é possível reduzir o défice dos 4% para os 2,7%? Pois! Mas
neste campo estamos mesmo perante um comportamento esotérico por parte do
governo. Só com uma elevada crença no esoterismo é que se acredita que é
possível o crescimento económico plasmado pelo governo no OE15. Só com muita fé
é que o governo pode acreditar que consegue cobrar os valores previstos com a
caça à fraude e evasão fiscal, o salvador da execução orçamental de 2014. O
governo pretende manter a mesma toada para 2015. Desta vez oferecendo uns
rebuçados aos contribuintes. Já não bastava os automóveis no sorteio, o governo
agora lança o isco aos contribuintes, acenando-lhe com a possibilidade de verem
devolvida a totalidade, ou uma parte, da sobretaxa de 3,5% de IRS que é cobrada
aos contribuintes. Para que possam usufruir dessa benesse em 2016, o governo
transforma os contribuintes em pides, dizendo-lhes peçam facturas electrónicas
e assim denunciam os comerciantes que pretendem fugir ao fisco. É apenas
baseado na crença de que pode ainda cobrar mais impostos no OE15 que o governo
promete aos contribuintes dar-lhes um crédito fiscal. Só mesmo saído da cabeça
do “irmão” Núncio? Portanto, cobrar mais impostos não serve para descer as
taxas, serve isso sim para pagar mais despesa. Mas, atenção, não é despesa com
a Educação, Saúde e Segurança Social, nada disso.
Como todos sabemos, este governo
chegou ao poder anunciando a sua saga contra as gorduras do Estado. Clamou que
bastava cortar nas gorduras do Estado e as contas públicas ficavam
equilibradas. Será que foi isto que o governo fez em três anos? Nada disso,
antes pelo contrário. Nem gorduras nem formosuras foram cortadas. Foi, isso
sim, desmantelado tudo o que é público e que dava dinheiro e funciona em regime
de monopólio: EDP, ANA, REFER, CTT e muito mais. Isto sim, foram as formosuras
retiradas ao Estado. Tanto que foi que a ANA já aumentou, desde que foi
entregue aos franceses há pouco mais de um ano, em 30% as taxas aeroportuárias,
aumento que tem penalizado as contas da TAP, que é a companhia aérea que mais
utiliza os aeroportos portugueses. Este é só um exemplo, para não falar da EDP
aos chineses, que a partir de 1 de Janeiro do próximo ano aumentará a tarifa
eléctrica em 3%. Este sim tem sido o corte nas gorduras do Estado perpetrado
por este governo.
No entanto, a Comissão Europeia
veio dizer que era necessário substituir os cortes temporários por definitivos
entre 1,5 e 2 mil milhões de euros. O OE15 apenas nos diz que vão ser cortados
na Educação mais 740 milhões de euros. No fim como ficará a escola pública? Na
Saúde pública continuarão os cortes. A Segurança Social terá mais cortes e
haverá um tecto máximo para as prestações sociais. Cá está o tal corte nas
gorduras do Estado. Cortar nas despesas sociais é o que este governo pretende.
No entanto, o INE anuncia que 1
em cada 4 portugueses estão em risco de pobreza e quem recebe o Salário Mínimo
Nacional ganha menos que em 1974. Também diz o INE que 29,3% da população
infantil no ano passado se encontrava em privação material. O risco de pobreza de
famílias com crianças dependentes tem-se vindo a agravar, tal como se tem
agravado a taxa de intensidade de pobreza. Também tem sofrido um agravamento a
diferença entre Portugal e a média da União Europeia e o número de pobres vai
aumentando em Portugal, enquanto na União Europeia tem tendência para se manter
estável. E no OE15 não se vê nada que possa contrariar estes números, antes
pelo contrário. Não obstante tudo isto, Portugal está mais pobre que em 1974,
mas tem mais ricos.
Este OE15 é mais do mesmo no que
diz respeito à austeridade. Não traz quaisquer benefícios aos contribuintes, excepto
para as empresas que vêem a redução da taxa de IRC sobre os seus lucros. Este é
um OE15 feito e sustentado na variável da fé no crescimento económico, à laia
da santa da ladeira. Mas os números indicam que as economias, mesmo a da
Alemanha, estão em estagnação, pelo que não é crível o crescimento da nossa
economia em 1,5% conforme diz o governo no OE15.