sexta-feira, 20 de março de 2015

O IMI

O IMI é um imposto sobre o património e tem como fim
a contribuição para o beneficio, só que essa não é a realidade.

Nas últimas semanas têm sido dadas à estampa notícias sobre o exponencial aumento do valor do IMI a pagar pelos proprietários devido ao fim da cláusula de salvaguarda.
Não podemos deixar de levar em linha de conta que o IMI é um imposto patrimonial e por isso, digamos assim, lhe é retirado algum protagonismo quando comparado com o IRS, o IRC e o IVA.
No entanto, não será despiciendo que os contribuintes tenham em atenção o valor do IMI a pagar, pois o mesmo tornou-se um imposto gravoso para o rendimento das famílias, se atentarmos na exorbitância dos valores que são cobrados.
Além deste ser um imposto sobre o património, não deixa de ser verdade que o pagamento exigido pela autoridade tributária tem de sair do rendimento das famílias, pois o imóvel não dá rendimento, é apenas a casa de habitação.
E só o facto de se cobrar o imposto sobre o património, cuja despesa recai sobre o rendimento do trabalho, que já por si já foi devidamente taxado (IRS e IRC), é, sem dúvida, uma injustiça.
Contudo, não poderemos olvidar que os primórdios da tributação já advêm dos tempos de Cristo, pois o Velho Testamento e o Novo Testamento já falavam no pagamento do dízimo, que nessa altura incidia sobre o rendimento das terras e propriedades. É que esse dízimo é tirado ao rendimento não à propriedade, contrariamente ao IMI.
Também convém frisar que nos finais dos anos 80 início dos anos 90 do século passado o governo de Margaret Thatcher (a Dama de Ferro), em Inglaterra, foi derrubado devido à introdução de um imposto sobre o património. É certo que ao longo dos tempos nem sempre foi consensual a tributação, e esta foi sempre sido adaptada consoante as necessidade de receita.
Até se chegar ao actual IMI, criado em 2003, um caminho foi percorrido. No século XIII cobrava-se o imposto como uma forma de “ajuda” para as necessidades do beneficiário e do poder real. Desta concepção, passou-se para a ideia de solidariedade social. O imposto passa a ter um carácter político, ao invés do financeiro.
Em Portugal, até à reforma de 1958, que instituiu a chamada décima, os impostos tinham como objecto de incidência a divisão em impostos sobre o rendimento da propriedade rústica e urbana denominada de Contribuição Predial, que com as reformas de 1899 e 1911 a Contribuição Predial passa a recair sobre o rendimento dos prédios. Isto era, nem mais nem menos, um imposto sobre o rendimento que os proprietários retiravam dos seus prédios rústicos e urbanos.
Com a reforma de 1988/89, quando foi criada a Contribuição Autárquica, há uma alteração substantiva no carácter deste imposto, que deixa de ser tributado sobre os rendimentos prediais (Contribuição Predial) e passa a incidir sobre o valor dos prédios (o seu valor patrimonial).
É a partir desta reforma que os contribuintes passam a ser tributados, não apenas pelo seu rendimento, também pelo seu património. É comummente aceite que a Contribuição Autárquica foi criada para contrabalançar a perda de receitas fiscais no âmbito das autarquias locais, sendo certo que este imposto reverte para os cofres municipais na sua totalidade.
Em 2003/2004, é criado o IMI. A Contribuição Autárquica ambicionava ser um imposto com base no princípio do benefício. Epíteto concedido também ao IMI, pois os legisladores entendem que são os Municípios e o Estado a facultar e gerir os serviços urbanos, as redes de infraestruturas, seja de modo gratuito ou a preços tabelados. Levando em linha de conta este desiderato oferecido pelo Município e pelo Estado, seria entendível a existência de um imposto assente no princípio do benefício.
Todavia, hoje parece não ser esta a realidade, pois uma grande parte das redes urbanas acabou por ser concessionada a particulares ou a empresas supramunicipais que trabalham com vista ao lucro. Conforme se constata pela variedade de preços diferentes que se alcançam. Isto origina que a propriedade imobiliária, dependente dos serviços prestados por estas redes, acaba por ter de lidar com estes monopólios. Portanto, é imperioso que se pondere na necessidade de se reflectir sobre as questões políticas, económicas e jurídicas quando se invocam os benefícios que é ao sector público que compete assegurar.
Dentro destas redes é imperioso levar em consideração a construção das redes de infraestruturas em espaço urbano ou em espaço rústico, tomando em linha de conta que os encargos públicos com as infraestruturas em meios rústicos se inserem no orçamento como quase que a fundo perdido; em contrapartida, no espaço urbano esses investimentos podem consubstanciar um retorno financeiro positivo.
É por isso que entendo que o IMI é um imposto cobrado injustamente aos proprietários dos prédios urbanos e rústicos, pois os mesmos não retiram deles qualquer rendimento, servindo apenas da sua habitação e da família. Para além dos proprietários já serem tributados pelo seu rendimento, também o são pelo património, de onde não retiram quaisquer benefícios que não os de estarem a coberto de telha.
A lógica defendida anteriormente, como a prática do benefício servir de base de sustentação para a cobrança do imposto sobre o património, cai por terra quando hoje todos sabemos que os proprietários pagam tudo, desde a ligação da água e do saneamento, como as mais variadas taxas e licenças de construção. Hoje as entidades políticas centrais e locais não fazem nada sem obrigarem o contribuinte a pagar. Cai por terra esta lógica quando a exploração das infraestruturas são entregues a entidades privadas e intermunicipais que gerem o objecto com base na maximização do lucro, obrigando o proprietário a pagar um preço fixo tabelado, usufrua ou não da prestação do serviço. Para além do mais, as entidades gestoras procuram obter cada vez mais receita da cobrança do IMI e, ao mesmo tempo, vão cortando benefícios aos proprietários, como comprova a ideia peregrina de desligar a luz pública. Uma das razões para a cobrança do IMI era a de ajudar a pagar estas infraestruturas. Mas nada disso acontece, porque as autarquias locais desviam as receitas deste imposto para outros fins. Aliás como acontece com o Imposto Único Automóvel.
No Código do IMI há uma série de entidades proprietárias de imóveis que estão isentas desse pagamento, mesmo usufruindo de todas as infraestruturas.
Havendo a consciência política que o fim da cláusula de salvaguarda iria agravar exponencialmente o valor a pagar pelos proprietários, o governo, de forma eleitoralista, aumentou o valor dos rendimentos, no Orçamento do Estado para 2015, que davam direito às famílias a pedirem a isenção do pagamento do IMI, verba essa que se substancia nos 15 295,00€ de rendimento anual e o valor do imóvel não poderá ultrapassar os 41 922,00 €. Com esta medida, passaram a usufruir desta isenção cerca de 350 mil famílias, sendo que anteriormente este benefício chegava a 300 mil famílias.
Só que, contrariamente ao que pode parecer, com esta medida de aumentar o número de proprietários isentos do pagamento do IMI, os Municípios não perderão receita em 2015, pois o aumento do valor a pagar pelos outros ultrapassa de longe o que deixa de receber com o aumento dos isentos.
Por fim, tendo em atenção que a isenção é atribuída em função do rendimento e do valor da propriedade, não se entende como se poderá acudir à ideia de diminuir a taxa de IMI às famílias numerosas.
O IMI é um imposto que nada tem a ver com o ter muitos ou poucos dependentes. É tributado conforme o valor do imóvel em causa. Procurar contornar isto, julgo que juridicamente não tem ponto de estribo. Até porque uma família com um ou dois dependentes poderá ter mais dificuldade em pagar do que uma família com quatro ou cinco dependentes, que até piscina têm e outros confortos. 

O que se deveria lutar era por abolir um imposto injusto como o IMI, pois é um imposto sobre a propriedade e cujo proprietário, quando é de habitação própria e principal, não retira quaisquer outros benefícios que não seja o de ter uma habitação. E tendo de pagar todos os serviços de que usufrui com as infraestruturas, mais razões há para que este imposto seja abolido.