sábado, 28 de março de 2015

COFRES CHEIOS – RATING “LIXO”*

É difícil entender os cofres cheios e
o Rating da República em “lixo”.

Há dias, a Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, numa acção partidária, anunciou que Portugal tinha os «cofres cheios». Adiantou a ministra de que essa almofada serviria para que Portugal pudesse resistir por alguns meses sem ir aos mercados caso surgisse uma crise financeira internacional. Passos Coelho e todos os acólitos opinadores ratificaram a versão ministerial e aplaudiram, em ululantes intervenções, a lógica dos cofres cheios.
Só que não quiseram referir que esse enchimento dos cofres foi feito à custa de mais dívida; à custa de pedir mais dinheiro emprestado, originando mais despesa com o pagamento de juros.
Estas declarações da ministra causaram polémica, tendo em conta o passado do País, mormente nos 48 anos da ditadura de Salazar, onde este se orgulhava de ter os cofres cheios de ouro. Só que, em contrapartida, os portugueses passavam fome, tinham de emigrar para melhorar a sua condição de vida, não havia escola pública, a saúde pública não existia, a mortalidade infantil era elevadíssima, praticamente não existiam infraestruturas básicas (água e saneamento) fora dos grandes centros. Os cofres estavam cheios, mas os portugueses estavam cheios de fome e miséria!
Não sei se por ignorância da ministra; se por não medir as consequências de tal frase; ou se o fez mesmo propositadamente e consciente do que dizia e das consequências que daí poderiam advir, o certo é que não me cabe aqui curar a concupiscência da ministra no exacto momento em que teceu loas ao facto de ter conseguido encher os cofres em quase quatro anos.
O que me importa cuidar e analisar é se o estoicismo aplicado pelo governo nos últimos quatro anos, e, ao que parece, muita satisfação lhe está a dar, e à maioria que o suporta, foi a razão que, graças às medidas governativas, tornou possível encher os cofres.
Todavia, e contrariamente ao que o governo pretende fazer crer, a circunstância de encher os cofres não pode ser apodada de excelência e mérito na arte da governação, pois, não obstante os «cofres cheios», a situação do País não mudou, e muito menos a dos portugueses.
Portanto, traçando uma linha condutora de análise factual e objectiva, importa reflectir sobre a forma e o conteúdo dos “cofres cheios”. Será que os cofres se encheram graças às medidas aplicadas pelo governo na sua acção? Será que o corte nas despesas foram a pedra angular que transformou Portugal num País de bancarrota num país com excedente financeiro? Será que foram os cortes na Educação, na Saúde e na Segurança Social que encheram os cofres? Não me parece que tenha sido alguma destas medidas que fez com que o País melhorasse e passasse de bancarrota a “podre” de rico.
Não! Não foi qualquer medida que nos últimos quatro anos destruíram o tecido económico; mandaram para a emigração quase 400 mil portugueses e portuguesas; aumentaram descomunalmente o desemprego; reduziram os serviços prestados na Saúde Pública; provocaram o caos na Educação; causaram um descalabro na Justiça; que fizeram com que o dinheiro fosse depositado nos cofres. Nada disso! Os cofres encheram à custa de mais dívida! Essa é a realidade! Portugal, aproveitando a queda dos juros, endividou-se ainda mais nos últimos quatro anos. Quando este governo tomou posse a dívida pública era de 94% do PIB; hoje a dívida pública está em 130% do PIB. Devemos mais dinheiro e estamos mais pobres. Essa é a verdade!
Quem não se lembra de em 2010/2011 termos diariamente notícias sobre as agências de Rating que cortavam a cotação da República Portuguesa? Naquela altura as agências de notação financeira eram o oráculo dos partidos da oposição (PSD, CDS/PP, PCP e BE), dos comentadores económicos e políticos que enxameiam as televisões e que gritavam a plenos pulmões: a Standard & Poor’s reduziu o rating de Portugal para bbb-; a Fitch reduziu para ccc-; a Moody’s reduziu o rating para “lixo”. No dia seguinte, a mesma vozearia vinha lamentar-se de que todas as agências passaram o Rating de Portugal para “lixo”, que era tempo do governo pedir ajuda externa, bla´, blá, bla´. Foi assim meses a fio!
Nos últimos quatro anos a conjuntura internacional alterou-se por completo. O Banco Central Europeu (BCE) assumiu a responsabilidade pela dívida soberana dos países. Foi o sinal adequado para que os juros da dívida caíssem de forma descomunal. A própria Comissão Europeia passou a olhar de outra forma a crise, pois já tinha cumprido o papel a que se propôs no início da difícil conjuntura: salvar os bancos alemães, franceses, ingleses e norte americanos que estavam expostos à crise das dívidas soberanas dos países do Sul, por isso o dinheiro da troika veio para resgatar esses bancos. Feita essa salvação, só restava às instituições europeias espartilhar os povos dos países sob resgate e esmifrar todos os direitos conquistados ao longo de anos de luta: corte na Educação, na Saúde, na Justiça e nos Apoios Sociais.  
Para cumprir tal desiderato só necessitavam de ter um governo que fosse submisso a todas as artes de sodomizar o seu povo. Em Portugal a troika encontrou um governo à altura e disposto a prestar esse papel.
Contrariamente ao que anunciam os governantes e acólitos, o País está bem pior que há quatro anos! Mas o país está diferente? Sim, está muito diferente!
A diferença nota-se nas privatizações que este governo fez. Vendeu tudo o que dava lucro aos chineses, aos franceses, aos angolanos, aos alemães e aos brasileiros. O governo arrecadou com as privatizações cerca de nove mil milhões de euros. Cortou nos apoios sociais – Fundo de Desemprego, RSI e Complemento Solidário para Idosos -; cortou na Educação; cortou desmesuradamente na Saúde Pública – portugueses morrem numa maca nas urgências à espera de assistência médica -; encareceu e provocou o caos na Justiça; terminou o investimento público.
Contudo, não obstante todos estes cortes em matérias essenciais para o povo português e o desmesurado, enorme, segundo as palavras de Victor Gaspar, aumento de impostos o País não melhorou. Ou melhor dizendo: o País não saiu do “lixo”!
O que se torna caricato é que nos últimos quatro anos deixou de se ouvir falar das agências de notação financeira em Portugal. O certo é que a Standard & Poor’s, a Fitch e a Moody’s saíram do léxico político do governo e da comunicação social. Deixou de haver interesse em Portugal sobre o que diziam tais agências sobre o Rating da República Portuguesa. Nada, ninguém quis ou se interessa por saber!
No entanto, apesar de todos os encómios lançados sobre a governação pelos “papagaios” a soldo do governo e por uma comunicação social submissa e facciosa, ninguém hoje fala sobre o Rating da República Portuguesa.
Pois bem, apesar de toda a fantasia em redor dos cofres cheios e da política governativa, o certo é que o Rating da República Portuguesa continua a ser considerado “lixo” por todas as agências de notação financeira.
Como o governo, erradamente, gosta muito de comparar a gestão das finanças públicas à gestão financeira de uma família, apenas posso dizer que Portugal com os cofres cheios está exactamente da mesma forma que aquela família que tem os cofres cheios e chove dentro de casa porque tem buracos no telhado.
É assim que Portugal está: cofres cheios, mas cheio de buracos!

*Artigo publicado no Jornal Notícias de Esposende, Ano IV, n.º 12/2015 – 28/Março a 3/Abril