Não fosse a desgraça que no
fim-de semana se abateu sobre as zonas algarvias de Albufeira e Quarteira, o
dia de hoje, dedicado ao dia de Todos-os-Santos, seria cómico, tendo em conta a
verve do novel ministro da Administração Interna.
Investido há dias nas novas
funções ministeriais, eis que o Ministro se dirige ao Algarve para, no local,
se inteirar da gravidade da situação e observar a destruição causada pela
intempérie.
Depois de atestar a idoneidade de
Ricardo Salgado, num douto parecer jurídico que serviu de base a Carlos Costa,
o governador do Banco de Portugal, para não destituir o Espírito Santo de líder
do BES, Calvão da Silva sentenciou com o seu punho supremo de que uma choruda
maquia de 14 milhões de euros não era mais do que o reconhecimento da amizade
do construtor civil com o banqueiro, o professor de Direito da Universidade de
Coimbra recebeu o reconhecimento público de Passos Coelho ao nomeá-lo para
ministro da Administração Interna.
Investido das suas novéis funções,
o ministro lá se apresentou em Albufeira para In loco observar a grandeza dos
danos, as dores dos proprietários atingidos e a calamidade dos prejuízos. Ao
observar tão dantesco cenário, o novo ministro, do governo nado morto, logo
puxou da sua grandiloquência para lavrar tão pomposa e dignificante sentença: “a
natureza é demoníaca”. Aqui tem razão S. Exa. o Senhor Ministro, então não é
que o demónio da natureza nem o Domingo respeitou, pior ainda, não venerou o
antigo feriado de 1 de Novembro, o dia dos fiéis defuntos. Pede-se ao
digníssimo Professor que lavre de imediato um douto parecer condenando a
natureza pela sua falta de respeito pelo dia do Senhor, o domingo, dia de
descanso…
Para além dos prejuízos materiais
provocados pelas inundações, também uma pessoa perdeu a vida devido à forte
corrente de água que fez com que o veículo conduzido por um homem com 79 anos
de idade tivesse sido arrastado para um riacho, causando a morte do senhor.
Falando da morte deste cidadão
português, o novo ministro frisou, com eloquente sabedoria e com ar condoído
pela dor, procurando sufragar a dor dos familiares da vítima, “Ele entregou-se
a Deus e Deus, com certeza, que lhe reservou um lugar adequado”. Nem Salazar
nem o Cardeal Cerejeira teria a sensatez de proferir tão brilhante e profunda
frase… Haja já uma condecoração da presidência da República. O Homem merece…
Mas não ficou por aqui, o novo
ministro já veio dar uns ralhetes nos proprietários por serem uns gastadores,
não terem um pé-de-meia para fazerem seguros. Quem não tem seguros aqui no
Algarve, isto «é uma lição de vida», frisou o ministro.
“Cada um tem um pequeno
pé-de-meia. Em vez de o gastar a mais aqui ou além, paga um prémio de seguro.
Não imagina a quantidade de pessoas que falaram que já accionaram o seguro.
Isto é uma lição de vida para todos nós.”
Questionado sobre a situação dos
comerciantes que não têm seguro, Calvão da Silva respondeu. “Quem não tem
seguro, aprende em primeiro lugar que é bom reservar sempre um bocadinho para
no futuro ter seguro. Em segundo, é bom esperar que o levantamento seja feito
pela autarquia, que é a autoridade adequada, e mostrar que os requisitos de
calamidade se verificam”.
Instado a pronunciar-se sobre o
futuro que espera e as dificuldades que vão encontrar aqueles que não têm
seguro, Calvão da Silva insistiu. "Eu sei que há muitas carteiras magras.
Mas está a falar com uma pessoa que nasceu em Trás-os-Montes, que sabe o que é
ser pobre e vir do pobre e tentar ser alguém. A mobilidade social funciona para
todos. E todos temos de ter a nossa responsabilidade no sentido e dizer: 'eu
tenho um negócio, vou fazer o meu seguro para que se o infortúnio me bater à
porta tenha valido a pena pagar o prémio."
Eis senhores, mais um daqueles,
tal qual o de Boliqueime, que se arvora no “pobre coitado” provinciano que
subiu na vida. Com tal ralhete, com o ar paternalista com que foi ao Algarve
chicotear os proprietários, os comerciantes e as pessoas por não terem seguros,
por não cuidarem de poupar para pagar os seguros, o professor de Direito de
Coimbra é um fiel zelador dos cuidados paternalistas com que Salazar e Cavaco
Silva demonstraram ter pelos portugueses.
Não me admira o tal parecer dos
14 milhões, pois tal oferta seria o sinal supremo de que a poupança do
construtor civil serviu para ter o banqueiro como um seguro…