Há dias, o Bispo da Guarda
referiu que a «Crise deve ser paga pelos ricos e pelos Bancos».
Não posso estar mais de acordo
com sua Iminência!
Também como se vê, pelas medidas
anunciadas para o Orçamento do Estado de 2014, o governo ouviu as preces do
Reverendíssimo Bispo, pois vai mesmo pôr os ricos, que ganham 600,00 € por mês,
a pagar a crise...
Ainda voltando à afirmação do
Bispo da Guarda, não obstante todo o respeito que me merece e a bondade
colocada na afirmação, entendo que o Bispo apenas está a olhar para o governo
através da espiritualidade, pois materialmente o actual governo de Portugal
mais não é que um cobrador do fraque, que carrega sobre os trabalhadores, os
desempregados, os doentes, os reformados e os pensionistas.
Mas deixando de fora a força do
espírito e assentando os pés na terra, jamais no nosso País os ricos (aqueles
que sua Iminência o Bispo da Guarda, e eu também, considera como ricos, e não os
dos 600,00€ que o governo considera) pagarão o que quer que seja desta crise,
antes pelo contrário, segundo os números, os ricos ficaram cada vez mais ricos
desde que a crise se implantou em Portugal.
Dizia eu que esses tais ricos e
os Bancos nunca pagarão o que quer que seja, porque:
1.º - A crise surgiu para salvar
os Bancos, que com a voracidade do lucro, numa espiral de capitalismo selvagem,
entraram em derrocada, e foi o dinheiro dos contribuintes que pagou a falência
dos Bancos. Eles continuam cheios, bem gordinhos e a fumar o seu charuto... haverá
alguém com eles no sítio para os obrigar
a pagar, nem vê-los.
Os Bancos não pagam IMI, pois os
seus prédios estão todos incluídos em fundos imobiliários que os subservientes
políticos fizeram o favor de aprovar leis que isentam do pagamento deste
imposto estas organizações, que são proprietárias de sumptuosos imóveis. Só o
pobre do Zé paga o couro e o cabelo pelo IMI da sua casinha, para os outros
andarem a gastar em jantares, passeios e terços - sem maldade, mas só porque me
estou a basear nas palavras do Bispo da Guarda.
2.º - Quanto aos ricos,
verdadeiros, esses também nada pagarão, antes pelo contrário, ainda recebem
cada vez mais: a redução do IRC às empresas apenas serve, em Portugal, para as
grandes empresas distribuírem mais dividendos pelos accionistas e não criam
mais nenhum posto de trabalho, isso é certo.
Os ricos têm as suas contas
recheadas nos paraísos fiscais: pagar impostos, nem vê-los; as suas mansões,
iates, automóveis de luxo, etc., estão em nome de empresas sediadas em
offshores, pelo que pagar impostos, nicles; os que usufruem de grandes
rendimentos são pagos por empresas com sede em países de zona franca, portanto,
pagar impostos é um oásis.
Perante este quadro, sei que as
palavras bem-intencionadas do Bispo tinham o propósito de abanar consciências,
não almejo o que quer que seja sobre quem verdadeiramente vai continuar a pagar
a crise.
No domingo, o "Primeiro-ministro"
Portas veio, mais uma vez, mentir ao País. Utilizou a semântica para ludibriar
um povo que está paralisado de medo. Um povo que já não reage, tal os sedativos
que lhes são aplicados, desde o desemprego até ao corte nos rendimentos. Temos
um povo petrificado. Um povo que prefere continuar a alimentar-se da mentira, à
espera do milagre prometido pelo profeta. Um povo que gosta de ser
achincalhado, pois está à espera que o poder lhe ofereça um empreguinho, a tal
migalha que cai da mesa farta desta gente sem escrúpulos.
Para além de tudo isto, temos um
povo que não se insurge, não se revolta, não diz basta. Por que será? Muito
simples: muito deste povo ainda vive da economia paralela, que corresponde a
25% do PIB português, pelo que para muitos a crise ainda não chegou; também vive muito na base da solidariedade familiar e dos vizinhos, pelo que vai passando pela crise sem grandes mossas. Depois não
se revolta porque é submisso, não tem espírito crítico, aceita as medidas
impostas como uma necessidade salvífica, daquelas anunciadas pelo Messias,
aceitando a culpa daquilo que o acusaram: ter andado a viver acima das suas
possibilidades.
Depois o povo português não se
preocupa com o saber, por isso os governos, especialmente de direita, quando
têm de cortar cortam na cultura. Quando não se lê, não se vê teatro, não se vai
ao cinema, não se assiste a palestras, a debates e a conferências, fica-se
apenas pelo que se ouve e vê na televisão, torna-se prisioneiro do pensamento
único, daquele que os governantes e os comentadores do regime debitam diariamente
nas televisões: viveram acima das possibilidades; não há outro caminho; não há
alternativa à austeridade; não há dinheiro para salários e reformas; não
podemos assustar os credores; temos de ser bons pagadores, pagar o que devemos;
temos de cumprir os contratos das PPP’s; os contratos das Swap’s são sagrados,
temos de os pagar. Por isso temos de empobrecer. Esta é a retórica que é
vendida, que é imposta a um povo que não está habituado, nem é ensinado e
incentivado, a questionar. Aceita, come e cala!
Só um povo amorfo e estupidamente
enraizado na doutrina individualista é que não reage a todas as manigâncias que
lhes são acometidas por este governo. Como pode o povo aceitar que se lhes diga
que os contratos com os credores são sagrados, por isso para cumprir, e que ao
mesmo tempo aceite que o mesmo governo que lhes fala da sacralidade dos
contratos com os credores lhes viola e não cumpre com os contratos que o Estado
tem com esse mesmo povo, que é o do pagamento das reformas, do acesso à saúde e
à educação? Como é possível?
Também me causa espécie que este
povo não se indigne com a afirmação de Passos Coelho, proferida mais uma vez
naquela simulação aberrante de entrevista na RTP1, o país pergunta, onde Coelho
afirma: se eu falhar é o país que falha.
Só um ignorante pode proferir tal
dislate. Só alguém completamente à deriva se pode arvorar em profeta salvador
da desgraça. Por esta afirmação vê-se que Coelho está dessincronizado da
realidade. Se Coelho fosse intelectualmente honesto, teria dito e reconhecido
que já falhou, pois pelo que se viu nos últimos dois anos o País cumpriu com
tudo o que Coelho lhe pediu e exigiu. Coelho aumentou os impostos em 2011,
tendo rapado parte do subsídio de natal a todos os trabalhadores, afirmando que
era só nessa altura, pois 2012 seria o ano da retoma; em 2012 aumentou
novamente os impostos, dizendo que 2013 era o ano da retoma; em 2013 já vai a
caminho do terceiro orçamento e para 2014 há mais cortes nos salários e nas
pensões.
O País acolheu isto tudo. Se há
falhas apenas é a de Passos Coelho e do seu governo. Alguém com um pingo de
vergonha na cara já se teria demitido. Mas como este é um governo sem vergonha,
continua alegremente na sua campanha.
Esta tirada de Passos Coelho
seria cómica se não estivesse ligada a uma parecida que Hitler proferiu quando
sentiu que tinha perdido a guerra: o povo alemão é que não lutou o suficiente
para ganhar a guerra, eu fiz tudo.
Acorda povo, antes que seja
tarde!