quarta-feira, 9 de outubro de 2013

PORTUGAL E OS PEDIDOS DE AJUDA EXTERNA



Há dias encontrava-me no café a tomar a minha bica (apesar do conselho médico de cortar com esta divinal bebida – para mim, como é óbvio), maldita cafeína, quando na mesa ao lado estavam dois parceiros a conversar.
O teor da conversa, como na maioria dos lugares onde se juntam pessoas (cafés, lojas, salas de espera de centros de saúde, hospitais, consultórios médicos, etc.), era, inevitavelmente, a crise.
Da dita cuja conversa, um dos parceiros afirmava-se apoiante das medidas de austeridade tomadas pelo governo, alegando que o País estava endividado e que era preciso corrigir essa dívida. O parceiro de conversa tentou esboçar uma argumentação diferente, mas logo o outro disparou: então queres que os Socialista venham de novo para o governo? Eles que são os responsáveis por tudo isto? Sempre que passaram pelo governo só endividaram o País? O parceiro tentou novamente debuxar uma frase, começando por dizer que também tinham melhorado muito o País e a vida das pessoas. Mas o outro, embalado na sua narrativa, mais parecia de cassete, disparou: Não gabes os Socialistas, pois foram eles que trouxeram por três vezes o FMI para Portugal.  
Como não me meto em conversas onde não sou chamado, este diálogo apenas vem confirmar a minha tese de que tudo é feito para apagar a memória e a história e fazer prevalecer no nosso País uma retórica falsa.
O facto é que de tanto repetirem este embuste, os mais desatentos e menos informados acabam por aceitar como verdadeira esta narrativa, que mais não passa do que uma forma de alijar as próprias responsabilidades e fazer com que o rumo dado à política económica do País só tem uma alternativa, a do governo, e que acaso os Socialistas regressem ao governo voltará o descontrolo das contas públicas e o aumento da dívida.
Portugal sempre dependeu da ajuda externa ao longo da sua história. O nosso País foi sendo construído sempre com o apoio do exterior. Para não irmos mais longe na história, basta ficarmos pela época dos Descobrimentos. Primeiro vivemos à custa das especiarias que vinham do Oriente; depois seguiu-se o ouro do Brasil; segue-se a venda da alma à Inglaterra, aquando das Invasões Francesas; vivemos à custa das negociatas do volfrâmio com os aliados e com a Alemanha de Hitler; seguiu-se o aproveitamento das colónias ultramarinas para depósito dos nossos excedentes e dos de cá a passar fome; por fim entramos na CEE, hoje União Europeia, onde fomos – e continuamos a ir – buscar milhares de milhões de euros para desenvolver o País, mas cuja maior fatia foi desbaratada por pseudo-elites corruptas que têm desbaratado o nosso País desde 1986 (data em que entramos de facto na CEE), mas engordando os seus pecúlios.
Portanto, e para bem da nossa sanidade mental, importa referir que a primeira entrada do FMI em Portugal foi em 1977, aquando do I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares, onde eram ministros Mota Pinto, Medina Carreira, António Barreto, etc.. Todos sabemos da instabilidade política e social que o País viveu desde 1974 até essa data. Isto para não falar do atraso de 100 anos de desenvolvimento económico e social do nosso País, comparando com o resto da Europa, pelo que era preciso iniciar reformas de vulto para que Portugal pudesse entrar no rol dos países desenvolvidos. Também as despesas suportadas com o regresso dos portugueses que residiam nas antigas colónias, que entretanto se tinham tornado independentes e entrado em guerra civil, foram substancialmente grandes, pelo que os recursos económicos produzidos no nosso País não chegavam para o que era necessário fazer – desenvolver Portugal. Isto foi reconhecido pelo FMI.
A segunda vez que o FMI entra em Portugal é em 1983. Ironia do destino ou não o Primeiro-ministro era novamente Mário Soares. É preciso lembrar que o País estava num caos social e sem dinheiro, em 1983. A AD, liderada por Sá Carneiro, ganhou as eleições, com maioria absoluta, em 2-12-1979, e governou até à morte de Sá Carneiro, em Dezembro de 1980. Em 9 de Janeiro de 1981 tomou posse um novo governo liderado por Mota Pinto e com Basílio Horta, na altura militante do CDS, como vice-Primeiro-ministro. Cavaco Silva, ministro das Finanças de Sá Carneiro, abandonou o governo, sendo então ministro da Finanças Morais Leitão. A 4 de Setembro de 1981 toma posse um novo governo da AD com Pinto Balsemão como Primeiro-ministro e Freitas do Amaral como vice-Primeiro-ministro. O ministro das Finanças era João Salgueiro. Este governo esteve em funções até 9 de Junho de 1983.Na altura, Pinto Balsemão pediu a demissão e o governo caiu, tendo-se realizado eleições no dia 25 de Abril de 1983.
Na sequência das eleições de 25 de Abril de 1983, o Partido Socialista ganhou as eleições sem maioria. Daí resultou a constituição de um governo com acordo de incidência parlamentar entre o PS e o PSD. Desse governo, para além de Mário Soares, fazia parte Mota Pinto e Rui Machete, ambos com o lugar de vice-Primeiro-ministro. O ministro das Finanças era Ernâni Lopes, portanto uma figura insuspeita de ser um perigoso Socialista, como afirmou o homem da conversa acima relatada.
Dada a grave situação económica e social que se vivia no País, o novo governo não teve outro remédio senão solicitar de novo a ajuda ao FMI para poderem equilibrar as contas públicas e melhorar as condições de vida dos Portugueses.
Como vemos, a vinda do FMI em 1977 e, especialmente, em 1983 não advém do facto do Partido Socialista ser governo nos anos anteriores, mas sim por ganhar as eleições e encontrar o País em dificuldades económicas. Que haja seriedade nestes julgamentos. O PS só poderia governar, naquela altura, com o recurso ao apoio externo.
Como é sabido, a entrada da troika, pedida, em 2011, desta vez pelo Socialista José Sócrates, veio na senda do chumbo do PECIV, Plano de Estabilidade que Passos Coelho se recusou a dar o seu apoio e o do PSD, já com o fito da chegada ao governo envolto na mentira, como se veio a concretizar.
Seria bom que se tivesse cuidado nos julgamentos, e mesmo na acusação àqueles que trouxeram a troika para Portugal, pois nós não sabemos se o PECIV, como estava desenhado e com o apoio das instituições internacionais e da Alemanha, resultaria ou não, e daí evitar a vinda da troika e ficarmos sob protectorado, como Portas gosta de dizer. Nunca o chegaremos a saber, pois a sede de chegar ao poder por parte de Passos Coelho e do PSD impede-nos de sabermos se Sócrates e o PS são na realidade os responsáveis pela vinda da troika.