quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

FIGURAS E FACTOS DE 2014

É comum fazer-se um balanço do ano que termina. Agora que estamos no final de 2014, importa fazer um exercício sobre as figuras e os factos que marcaram o ano que hoje finda.
Sendo este um exercício subjectivo, mas eivado, em alguns dos acontecimentos, de objectividade em muitos acontecimentos e figuras marcantes deste ano, limito-me a olhar com subjectividade para 2014.
Em termos positivos, o ano que hoje termina, coloco o Papa Francisco como a figura mais marcante de 2014. Não só pelo facto de ter dado um abanão e sacudido o cotão das bafientas instituições da Igreja Católica, que se fecharam em si mesmas, criando um antro de secretismo à volta de casos que envergonham a Igreja, mas pelo facto de não ter mordaças para acusar os regimes políticos que enaltecem o poder financeiro e económico – o poder que mata – em detrimento das pessoas.
Por tudo o que disse e fez, o Papa Francisco é, sem dúvida, a figura mais marcante de 2014, até porque é citado por todos, dos Católicos aos agnósticos, passando pelos ateus e professos de outras religiões.
Também não posso deixar de referir, como figuras marcantes deste ano, todos aqueles, desde médicos a enfermeiros e pessoal auxiliar, que se voluntariaram para ir para África combater a epidemia do Ébola. Merece, sem dúvida, destaque o altruísmo destes voluntários que sem holofotes à sua volta foram ajudar aqueles que mais precisavam.
Olhando para 2014, dificilmente encontraremos algo mais que possamos considerar positivo, para além dos acima versados. No entanto, podemos, com alguma boa vontade, considerar, também, como positivo a saída da troika de Portugal. Contudo, esta saída não foi tão limpa quanto nos querem fazer crer, pelo que também se pode considerar de negativa a forma como foi anunciada, pois muito foi escondido aos portugueses sobre a tal saída limpa.
Portanto, a saída da troika não foi o êxito anunciado pelo governo, mas apenas serviu para que as instituições europeias procurassem sair “limpas” deste programa mal desenhado e que cedo se provou ser um erro. A tal de “saída limpa” apenas serviu para a tentativa das instituições europeias salvar a face e o governo montar uma cena circense.
Como positivo também poderemos considerar a aproximação dos EUA e Cuba. Se for em frente esta intenção dos dois países de pacificarem as suas relações e terminar o embargo económico a Cuba, é de enaltecer esta decisão. Mas vamos aguardar os próximos desenvolvimentos.
Já no que toca a factores negativos, não podemos deixar de dizer que é difícil conseguirmos listar uma lista, pois tantos são os factos negativos que será difícil, neste espaço, podermos listar toda a panóplia de causas que marcaram este ano.
Assim, como negativo poderemos apresentar a pouca vergonha que foi a descoberta das falcatruas fiscais no Luxemburgo com as multinacionais, isto com o consentimento do primeiro-ministro, Juncker, hoje presidente da Comissão Europeia. Também o desmoronamento do BES/GES é marcante.
Negativo também é a forma como a Europa está a lidar com as centenas de milhar de emigrantes africanos que fogem dos seus países em guerra e procuram a Europa, atravessando o Mediterrâneo em condições desumanas, mas onde milhares perdem a vida.
Pelo nosso País, a negritude da Nação está expressa na negatividade da acção de um governo que apenas procura impor uma cartilha ideológica nociva para as pessoas, liderado por um Primeiro-ministro que pretende ficar na história como aquele que vendeu as jóias e os dedos de Portugal. Também o Presidente da República, pela sua completa inacção, é uma figura pela negativa.
Negativo é o que se passa nos hospitais públicos. Doentes a aguardar 23 horas por uma consulta na urgência é inadmissível! O que este final de ano trouxe à colação foi a confirmação da política de saúde que tem sido implementada em Portugal. Assistimos ao desmantelamento dos recursos humanos nos hospitais públicos, orientando o governo o apoio para os privados. É a degradação total dos serviços públicos de saúde. O governo decidiu entregar a empresas de contratação de trabalho temporário a contratação de médicos e enfermeiros. É uma vergonha os nossos hospitais ter ao seu serviços médicos, enfermeiros e auxiliares a trabalhar à tarefa. É tempo de acabar com esta política que destrói um serviço público de saúde que está constitucionalmente garantido.
Negativo e vergonhoso foi o que aconteceu na Educação com a colocação de professores. Negativo e vergonhoso foi o que aconteceu com a alteração da Justiça, onde o sistema esteve parado mais de um mês e ainda se assiste a processos amontoados no chão de uma arrecadação, tribunais a trabalhar em condições degradáveis.
Negativo e vergonhoso, neste 2014, é a forma como o governo trata os pobres e os mais desprotegidos. Assim como cuida dos despedimentos em massa na função pública, bem como do “assalto” aos bolsos dos portugueses através da cobrança de impostos e taxas – só o fisco contratou mais mil funcionários.
Negativo também é a forma como o governo manipula e trata os desempregados. É um governo sem qualquer sensibilidade social e que entende que as pessoas são um estorvo para a prossecução dos objectivos que tem determinado, e que se prende com o facto de destruir tudo o que é público e que esteja ao serviço dos portugueses; da destruição da formação e qualificação dos portugueses, não só acabando com o acesso à melhoria das qualificações como mandando emigrar os mais qualificados. O governo não quer no país os mais instruídos e mais qualificados.
Muito haveria a apontar como negativo, mas apontarei mais um caso, que é a prisão de José Sócrates. Este acontecimento será, certamente, um assunto que marcará o futuro, pois ou a justiça que o mandou prender apresenta provas irrefutáveis da sua culpa, ou, então, estaremos perante o ruir do edifício da justiça, que é imprescindível num país que seja um garante da confiança do povo. Quando o povo deixar de acreditar na justiça, o país ficará à disposição das máfias.
Enquanto alguns andam na azáfama da festa de logo à noite, estando os locais mais caros já esgotados, outros, porém, ainda procuram algo que possam comer.
Enfim, o fim de 2014 e o início de 2015 marcarão, como sempre, a distinção entre os que podem e gastam, e os que não podem e não gastam. Há de um lado uma fartura, que até estragam, e do outro há insuficiência, que nem chega para tapar o buraco da falta de um dente.

Este ano termina com os números que nos dizem que uma em cada três crianças vive na pobreza. Será este o País que pretendemos em 2015?  

sábado, 27 de dezembro de 2014

O VALOR DAS PESSOAS



Um dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no facto
de serem os estúpidos os que têm a certeza, enquanto os que
possuem imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões”.
Bertrand Russell


Permita-me, Caro leitor, iniciar a minha crónica desta semana com uma citação de Bertrand Russell. Este pensamento foi o mote para me permitir abordar alguma verborreia expelida, recentemente, por Pedro Passos Coelho. E o que ele disse parece ser o retrato fiel de como Passos Coelho despreza as pessoas, despreza os portugueses. Principalmente aqueles que mais dificuldades passam na vida.
Que o cidadão comum diga que “quem se lixa é o mexilhão”, é um jargão aceitável. Agora, o que é intolerável é que o Primeiro-ministro afirme que «Ao contrário do que era o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão, de que são sempre os mesmos (...), desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dúvida», segundo noticiou o DN, de 7 de Dezembro.
Só que eu não tenho a mesma certeza de Passos Coelho! Eu tenho dúvidas de que não tenha mesmo sido o “mexilhão” a pagar a crise. As certezas de Coelho estão consubstanciadas numa mentira, pois é tempo de mudar a agulha, dado que do "que se lixem as eleições”, Passos Coelho passou para o que lhe interessa são as eleições.
Estribado num discurso populista e demagógico, a ultrapassar as raias do mero eleitoralismo, Passos Coelho debita estas frases conscientemente. Só que o que ele afirma não é verdade!
Esta crise foi maléfica para os portugueses mais desprotegidos e para a Classe Média, ao contrário do que afirma Coelho. Foram os trabalhadores as principais vítimas das medidas tomadas por este governo, principalmente no que concerne à receita dos impostos, onde o tributo sobre o valor do trabalho foi agravado de forma substancial, conforme se comprova pelos valores cobrados pelo Estado em sede de IRS.
Mas não foi só através da receita cobrada de IRS que o tal “mexilhão” foi penalizado. Não! Penalizados também foram os portugueses que tiveram de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde, onde a saúde se tornou mais cara e os cuidados médicos foram-se tornando cada vez mais insuficientes – desde o corte na compra de medicamentos até ao corte na compra de materiais e pomadas para se fazer curativos. Foi o “mexilhão” que viu penalizada a Escola Pública. Foi o “mexilhão” que viu as taxas de IRS serem agravadas exponencialmente, enquanto a taxa sobre os rendimentos de capitais – aqueles que têm dinheiro depositado nos Bancos – se fixa nuns míseros 28%. Foi o “mexilhão” que teve de entregar a sua casa ao Banco, porque não tinha dinheiro para pagar as prestações. Foram milhares as famílias remediadas que pediram insolvência, fruto dos cortes cegos nos salários e da safra dos despedimentos impulsionado pelas medidas tomadas pelo governo chefiado por Coelho. Foi o “mexilhão” que viu cortados os apoios sociais – no abono de família, no RSI e no complemento solidário para os idosos.
Mas também foi o “mexilhão” que viu a revista “Forbes” anunciar, em 2013, que Belmiro de Azevedo e Américo Amorim estão ainda mais ricos. O que pagaram estes para suprimir a crise? Pouco ou nada, pois os rendimentos deles parece não serem tributados em Portugal, pelo menos o maior quinhão?
O “mexilhão” também sabe que o Tribunal de Contas falou em “omissão”, por parte do governo, na concessão de Benefícios Fiscais em sede de IRC, um claro benefício para as grandes empresas.
Não bastava a verbosidade acima do Primeiro-ministro, Passos Coelho, que ele, para fazer o pleno no mesmo dia, não se coibiu de falar sobre o país e o fim dos “donos de Portugal”. Coelho, dirigindo-se aos militantes do seu partido, afirmou que a economia «estava aprisionada por grupos económicos que eram incentivados pelo Estado a aplicar os seus recursos em obras públicas que não eram sustentáveis», frisando, «isso está a acabar» e «Os donos do país estão a desaparecer. Os donos do país são os portugueses». Nada mais falso que estas declarações de Passos Coelho!
É fácil fazer insinuações da realização de obras insustentáveis, não dizendo concretamente quais foram essas obras e onde. É simples aludir que a economia estava aprisionada por grupos económicos, sem dizer quais os grupos económicos e que tipo de economia. Seria a de mercado aberto ou a de monopólio? Seria óptimo que Coelho especificasse as suas acusações e não ficasse pelo abstracto. Sem denunciar como e quem obteve essas sinecuras do Estado. Mas isto parece ser o que interessa ao mundo político, falar no abstracto e não assumir quem são os beneficiados. É típico de um Portugal tacanho, subjugado ao poder e conivente com os interesses dos poderosos.
No entanto, Passos Coelho destilou mais uma intrujice do tamanho do Cosmos, pois se os donos do país estão a desaparecer, não passaram a ser os Portugueses os donos do País. Nada disso, e nada mais falso.
Com Passos Coelho no governo os donos do País passaram a ser chineses, franceses, angolanos, brasileiros, russos, alemães, pois o governo de Coelho vendeu tudo o que era dos portugueses (REFER, PT, ANA-Aeroportos, EDP, a Seguradora Fidelidade, CP-Carga, etc) a todos os atrás referenciados. Falta saber de que nacionalidade será quem vai comprar a TAP, bem como o Novo Banco, tal é a pressa deste governo em se desfazer destas duas empresas de interesse estratégico para Portugal.
As pessoas têm de ser tratadas como tal, não como meros números. O valor das pessoas ultrapassa o quantificável materialmente. Todas as pessoas são livres e iguais e não pode haver distinção. Mas não parece que assim seja! Passos Coelho demonstrou-o, tal como o demonstram muitos outros que se engodam na política e à volta dela, que também pensam que as pessoas são meros adereços e que não podem ser elucidadas.
Como refere a nossa citação, os estúpidos pensam que têm certezas; julgam-se à margem do escrutínio; arvoram-se em “benfeitores” ou em “virgens ofendidas”. Movimentam tudo e todos, e manietam as fontes para que façam dos outros os estúpidos. Pelo contrário, eu estou carregado de incertezas e de dúvidas!
Por fim, deixem-me apenas fazer um exercício sobre o valor das pessoas para este governo. Na tão famigerada “reforma do IRS”, que de reforma não tem nada, são apenas alterações, foi anunciada, com pompa e circunstância, pelo Núncio do CDS e seus acólitos, a defesa da família com filhos, com a atribuição percentual, de 0,3, por cada filho a deduzir aos rendimentos do casal em sede de IRS.
Para este governo, os filhos daqueles que mais ganham valem mais do que os filhos daqueles que menos rendimentos têm. Um exemplo: uma família com 2.000 euros brutos que tenha um filho, poupa cerca de 200 euros no IRS. A mesma tipologia com 5.000 euros por mês, já poupa 600 euros. Outro exemplo: Uma família com dois filhos e 2.000 euros brutos por mês poupa 294 euros por filho. A mesma família com 5.000 euros brutos já poupa 625 euros por filho
Quando se aplica um valor percentual, está a considerar-se melhor o filho daquele que mais rendimento tem. Não será isto continuar a discriminar aqueles que menos rendimentos auferem? Ou será preciso fazer um desenho?
 


NATAL, SOLIDARIEDADE, HIPOCRISIA



Estamos a comemorar mais um Natal! Outrora, esta festividade era vivida com muita expectativa pelas crianças, principalmente pela espera do Menino Jesus. 
Hoje, o apelo já não é às prendas do Menino Jesus. É o pedido ao pai Natal, aquele que vem do Norte da Europa num trenó puxado pelas renas. O conceito do Menino Jesus não é comparável com aquele que hoje é concedido ao pai Natal. O primeiro era mais genuíno, enquanto o pai Natal, figura criada pela multinacional Coca Cola, não obstante apresentar um ar de ancião com as suas barbas brancas e o fato vermelho – hoje já há de todas as cores, para satisfação de todos –, é uma mera construção do marketing e do apelo ao consumo.
Portanto, temos um Natal antes do aparecimento do pai Natal e outro depois do surgimento dessa figura, que é apresentada às crianças como o exemplo da bondade. Alteraram-se conceitos. Mudou o Natal!
Da festa do nascimento do Menino Deus Salvador, daquele que vinha de noite, em segredo, pela chaminé colocar as prendinhas no sapatinho das crianças, passou-se para a festa do consumo, a alegria do pai Natal ao chegar com o saco das prendas.
Portanto, a época natalícia, que deveria ser de concórdia, de paz e fraternidade, transformou-se num exemplo flagrante de despesismo, de consumo. Independentemente de toda a alteração conceptual respeitante a esta festividade, não poderemos deixar de olvidar que há gente que sobrevive graças ao negócio natalício. Mas se uns equilibram as suas parcas contas; há outros que ganham muito dinheiro graças à exploração comercial do Natal.
Nesta época não faltam apelos à solidariedade. Não falham as mensagens de Boas Festas e desejos de muita felicidade e amor. Enche-se a boca a falar de solidariedade! É a altura em que as empresas se lembram dos seus trabalhadores com o jantar de Natal. Mas durante o ano quantas vezes terão penalizado os seus trabalhadores por terem de ficar em casa a cuidar de um filho doente?
A música nas ruas e os jogos de luzes criam um ambiente propício, mas é um ambiente enganador. Sentimos um ambiente que nos anestesia e nos cria a ilusão de que somos mesmo assim. O que esta época de solidariedade nos traz, nos faz o chamamento, nos envolve num ambiente de ternura e benevolência, é apenas uma sensação, nada mais que isso, de que a sociedade é solidária. Mas é um sentimento enganador!
Basta desmontar o espírito natalício e todos regressam à rotina própria de uma sociedade ávida de inveja, numa procura insistente do seu individualismo, no esquecimento total do outro, mesmo daquele familiar que num catre do hospital ou num casebre insalubre vai definhando até à chegada da hora da partida do mundo terreno, e que só é lembrado no Natal. Mesmo até do pai ou da mãe que espera um telefonema dos filhos para quebrar a solidão, mas ele não chega durante o ano, só no Natal, porque é “chique”.
A solidariedade não pode ser um acto de ligeireza para com o próximo, apenas uma forma de quem a pratica mostrar ao mundo a sua veia solidária. Não é aceitável que se fale em ser solidário apenas nesta altura do ano, só porque são muitas as atenções que são dadas aos actos de solidariedade praticados por muitos daqueles que apenas pretendem surgir aos olhos da sociedade como gente amiga dos pobres, dos mais necessitados.
A solidariedade, ao contrário do que faz a maioria das pessoas, não se anuncia, pratica-se! Essa é a verdadeira essência do ser solidário. Ser solidário não é chamar os jornais e tirar a fotografia. Ser solidário é praticar o bem ao outro sem que mais ninguém saiba. Ser solidário é uma obrigação diária e não uma prática epocal.    
Se olharmos bem para tudo o que envolve o “negócio” da solidariedade, entendemos perfeitamente que são solidários apenas aqueles anónimos que oferecem um pouco do pouco que têm para ajudar aqueles que menos têm.
Ouvimos as empresas falar em responsabilidade social e solidariedade. Surgem notícias das empresas que colaboraram com actos solidários. Mas será que essas empresas são mesmo solidárias? Como tratam os seus trabalhadores? Tratam-nos com solidariedade? Compreendem as necessidades e as dificuldades na vida que vivem os seus trabalhadores? Ou apenas poderemos recriar um quadro de hipocrisia?
Nos actos de recolha de alimentos nas grandes superfícies para serem entregues aos que mais precisam, assistimos a uma hipocrisia travestida em solidariedade por parte da empresa proprietária de superfície comercial. Senão vejamos: são os voluntários que distribuem os sacos e os recolhem quando o cidadão à saída os entrega. Que faz a superfície comercial? Empresta o espaço à saída da porta. O cidadão faz as compras para doar. Ao fazê-lo está a pagar IVA que reverte a favor do Estado e a aumentar os lucros da empresa, pois o cidadão solidário paga os artigos ao preço normal, com a respectiva margem de lucro a reverter a favor da superfície comercial. Podemos dizer que essa entidade está a praticar solidariedade? Julgo que não!
Outra situação hipócrita que se aproveita da solidariedade para facturar. As empresas que anunciam as ofertas de bens em favor dos mais necessitados incluem esses bens nos custos das empresas, abatendo essas verbas aos seus lucros e, dessa forma, não pagam os impostos devidos. Portanto, não dão nada a ninguém, apenas mudam o destinatário do pagamento.
Por fim, temos as campanhas dos canais televisivos a pedirem os donativos pelo telefone. Acontece, porém, que os custos das chamadas telefónicas são pagas pelo cidadão, revertendo em lucro para as operadoras telefónicas e, por vezes, para os próprios canais televisivos, assim como o Estado cobra o valor do IVA.
Aqui fica exemplificado que mesmo em actos de solidariedade há muito quem lucre com os gestos dos cidadãos, por norma aqueles que já pouco têm, mas que não se coíbem de ajudar aqueles que menos têm.
É este um retrato do mundo em que vivemos. E o Natal traz à colação muitas vezes este tipo de hipocrisias de muitos que não se cansam de anunciar os seus gestos solidários.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

POLÍTICA E NEGÓCIOS – MISTURA EXPLOSIVA?*



As últimas semanas têm trazido à tona casos que, eventualmente, mostra que a fusão da política com os negócios se pode tornar numa mistura explosiva, que a qualquer altura poderá fazer implodir os alicerces das instituições democráticas.
Não sou daqueles que clama que está em perigo a Democracia, só pelo facto de surgirem casos mediáticos de mistura de política e negócios! Penso, até, que estes casos – mas têm de estar devidamente fundamentados; documentados com provas claras e irrefutáveis, que não deixem uma pequena réstia de dúvida – poderão servir de exemplo para tornar o cidadão comum mais atento a tudo o que o rodeia no que concerne à promiscuidade entre políticos e empresários, e, mesmo, até, do envolvimento de outros elementos que, eventualmente, pululam no interior dos centros de decisão, apenas para obterem informação privilegiada e depois fazerem uso dela em proveito próprio, ou de alguém que lhe paga? Que sirva para que todos aqueles que se envolvem na política, ou colocam na política elementos que serão os seus “testa-de-ferro” na defesa dos seus interesses particulares; ou mesmo os que, de forma escondida, se encostam aos partidos políticos, com ajuda ao financiamento destes, para, no futuro, quiçá, utilizarem este facto para exigirem contrapartidas nas decisões políticas, saibam que o cidadão está atento ao que se anda a fazer e que interesses – e de quem - são defendidos e preservados nas decisões políticas, e em alterações legislativas e de planos.
A moralização da política tem, obrigatoriamente, de, primeiro, sair do interior dos partidos! Que, quer se queira, quer não, são os pilares de sustentação da Democracia. Dessa forma, os partidos terão de ser transparentes! Quem os dirige deverá evitar envolver-se com os negócios! Mas isto também é claro para aqueles que desempenham cargos na administração pública, nas autarquias, no governo, em tudo aquilo onde o interesse colectivo deve prevalecer sobre o interesse individual. Quem anda no mundo dos negócios e se envolve na política, raramente o faz sem o fito de daí poder retirar lucros privados? Ou quem anda na política e se mete nos negócios, também pretende obter ganhos para si? Os negócios visam sempre a obtenção de um lucro. É disso que se trata! Nada mais do que o interesse da obtenção de mais-valias. Para isso, utilizam os partidos e os políticos – quando não são os próprios políticos que decidem em causa própria? - para, porventura, terem acesso a informação privilegiada e, talvez, ao tráfico de influências? Como todos sabemos, isto é crime.
É por isso que as forças políticas têm, obrigatoriamente, de estar limpas – e o mais afastado possível – dos interesses dos negócios. Na campanha para as eleições primárias do candidato a Primeiro-ministro do PS, António José Seguro afirmou que queria separar a política dos negócios. Não tendo sido apoiante de António José Seguro, garanto que esta era uma das medidas com que eu concordo plenamente. E que procuro pôr em prática no exercício das funções políticas que neste momento desempenho. Não quero política e negócios em concubinato. A política deve servir, e ser feita, para a defesa do interesse público. O que contraria, no todo, os interesses dos negócios, que apenas visa o interesse individual.
Dessa forma, política e negócios têm de ter, obrigatoriamente, interesses opostos. Por isso, os partidos políticos não podem, por omissão, deixar de apontar aquilo que, na discussão política, se entende podermos estar, eventualmente, perante decisões que beneficiam uma determinada parte. Isso deverá, sem qualquer pudor ou interesse eleitoralista, ser exposto, questionando-se, até, os motivos que possam levar a que ali, naquele local, e só ali, se decide que se podem alterar as regras que até àquele momento estavam em vigor? Esse também é o papel dos partidos políticos! A missão de quem anda na política tem de ter sempre em conta o especial interesse do bem colectivo; zelar pelo cumprimento das regras de defesa do interesse público. Essa é a génese da política!
Portanto, cabe a todos, e especialmente aos partidos políticos, escrutinarem, com rigor e objectividade, tudo aquilo que possa ser feito, através da decisão política, em benefício de eventuais interesses individuais, e questionar o motivo pelo qual são propostas determinadas alterações legislativas e, mesmo, de planos.
Dessa forma, os visados no escrutínio político de análise às tomadas de decisão não têm de ficar ofendidos se o seu nome for tornado público como, eventual, beneficiado nesta ou naquela decisão.
Quanto aos que andam na política, não deverão sentir medo em denunciar os nomes, quando se verifica que, possivelmente, uns possam ser beneficiados em detrimento de outros. Ou questionar o porquê de ser aquele e não o do lado. O medo acabou com a queda da ditadura há 40 anos! Será que ainda ninguém deu por isso? Será que teremos de continuar vergados à canga dos poderosos, por estes terem dinheiro ou influência? O tempo de tirar o chapéu e fazer uma vénia à passagem do poderoso ricaço ou daquele que detém o poder acabou?. Em Democracia todos somos iguais. Urge alterar esta mentalidade, pois só dessa forma conseguiremos acabar com os escândalos que têm, nos últimos anos, vindo a público em Portugal. É tempo de deixarmos de ter medo, medo de perder votos. Ou moralizamos a política, fazendo entender aos cidadãos que os políticos não são todos iguais, pois uns têm umas ideias e outros têm outras, ou, então, se continuamos com o medo, não vale a pena andar na política, pois é melhor escolher outro campo.
Já os cidadãos têm de decidir o que querem! É fácil, como perora uma maioria dos portugueses, acusar que os políticos são todos iguais e que os partidos são um antro de oportunistas, por um lado. Mas, por outro, se surge alguém do interior de um partido a denunciar que determinados indivíduos possam, possivelmente, estar a ser beneficiados com determinadas decisões legislativas, esses mesmos passam a acusar de que não deveriam ser indicados nomes de pessoas. Afinal o que querem e em que ficamos? A isto chama-se falta de cultura de cidadania!
Havendo algumas questões que suscitem interrogações sobre a forma e o modo, devem ser indicados os nomes dos envolvidos, pois isso apenas se conjuga como uma forma de transparência. Os visados não têm que ficar ofendidos, pois ninguém poderá sentir-se acima da lei e de qualquer escrutínio público, quando o que está em causa é uma decisão do poder político em eventual benefício de um interesse individual. Como dizia a minha avó, que Deus a tenha: quem não quiser, que não se ponha a jeito!
Eu tive um colega de Liceu que seguiu religiosamente à risca um conselho que lhe deram, de que se comesse alho todos os dias isso evitava muitas doenças. Como esse meu colega, com um nome algo patusco, António Cascalheira da Boa Morte, era um perfeito hipocondríaco, alguém, no gozo, o aconselhou a comer alho todos os dias, numa boa quantidade.
Como é óbvio, e dada a mania que o envolvia, o Tone Boa Morte, como nós lhe chamávamos, seguiu à risca tal conselho do curandeiro de ocasião. Por isso, pois o cheiro a alho era tão empestante, ao longe já sabíamos da chegada do Tone Boa Morte. Para o irritarmos, muitas vezes o apelidávamos de “Cascalheira, cabeça de alho”. Resta só dizer que o “cabeça de alho” era um aluno aplicado e inteligente, e era um dos melhores da turma. Só que a sua hipocondria tornava-o num sujeito alvo de todas as malícias dos colegas, que aproveitavam sempre para o achincalhar em público.
Um dia encontrei o Tone Boa Morte muito cabisbaixo, encontrava-se sozinho. Apesar de todo o pivete a alho que à sua volta se sentia, eu, naquele momento, e olhando para aquele colega de turma que na sua postura mostrava um ar de sofrimento interno, fui ter com ele. Daí puxei conversa com o “Cascalheira, cabeça de alho” com o intuito de descobrir a razão do seu ar deprimido (naquele tempo não se falava de depressão, era de ar triste). E foi quando ele me disse que se sentia mal, pois toda a gente gozava com ele e não queriam estar perto dele.
Com tal desabafo, fiquei um pouco atarantado, quase sem palavras para lhe dizer algo. Questionei-o se sentia algo de diferente no seu bem-estar físico por comer alho, ou se esta planta, da tribo liliácea, lhe estava a fazer bem a alguma doença? A resposta foi negativa. Que não, que não lhe tirava ou ajudava em alguma doença. Então eu disse-lhe: Tone, como teu amigo, pá, aconselho-te a deixares de comer alho, pois o teu problema com o resto do pessoal é que cheiras demasiado a alho, e isso é incomodativo para o pessoal. Convence-te que ninguém te quer mal!
O Tone Boa Morte seguiu o meu conselho! Deixou de comer alho. Por isso deixou de cheirar a ele, e, a partir daí, todos deixaram de se afastar do Cascalheira.
Moral da história, se assim o quiserem, é de quem não quiser ser apontado que não se ponha a jeito, ou de que quem não quiser cheirar a alho, que não o coma.

* Texto publicado na coluna de opinião no Jornal "Notícias de Esposende", n.º 48/2014, de 29 de Novembro a 5 de Dezembro.