“Um
dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no facto
de
serem os estúpidos os que têm a certeza, enquanto os que
possuem
imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões”.
Bertrand Russell
Permita-me, Caro leitor, iniciar
a minha crónica desta semana com uma citação de Bertrand Russell. Este
pensamento foi o mote para me permitir abordar alguma verborreia expelida,
recentemente, por Pedro Passos Coelho. E o que ele disse parece ser o retrato
fiel de como Passos Coelho despreza as pessoas, despreza os portugueses. Principalmente
aqueles que mais dificuldades passam na vida.
Que o cidadão comum diga que
“quem se lixa é o mexilhão”, é um jargão aceitável. Agora, o que é intolerável
é que o Primeiro-ministro afirme que «Ao contrário do que era o jargão popular
de que quem se lixa é o mexilhão, de que são sempre os mesmos (...), desta vez
todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dúvida»,
segundo noticiou o DN, de 7 de Dezembro.
Só que eu não tenho a mesma
certeza de Passos Coelho! Eu tenho dúvidas de que não tenha mesmo sido o
“mexilhão” a pagar a crise. As certezas de Coelho estão consubstanciadas numa
mentira, pois é tempo de mudar a agulha, dado que do "que se lixem as
eleições”, Passos Coelho passou para o que lhe interessa são as eleições.
Estribado num discurso populista
e demagógico, a ultrapassar as raias do mero eleitoralismo, Passos Coelho
debita estas frases conscientemente. Só que o que ele afirma não é verdade!
Esta crise foi maléfica para os
portugueses mais desprotegidos e para a Classe Média, ao contrário do que
afirma Coelho. Foram os trabalhadores as principais vítimas das medidas tomadas
por este governo, principalmente no que concerne à receita dos impostos, onde o
tributo sobre o valor do trabalho foi agravado de forma substancial, conforme
se comprova pelos valores cobrados pelo Estado em sede de IRS.
Mas não foi só através da receita
cobrada de IRS que o tal “mexilhão” foi penalizado. Não! Penalizados também
foram os portugueses que tiveram de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde, onde
a saúde se tornou mais cara e os cuidados médicos foram-se tornando cada vez
mais insuficientes – desde o corte na compra de medicamentos até ao corte na
compra de materiais e pomadas para se fazer curativos. Foi o “mexilhão” que viu
penalizada a Escola Pública. Foi o “mexilhão” que viu as taxas de IRS serem
agravadas exponencialmente, enquanto a taxa sobre os rendimentos de capitais –
aqueles que têm dinheiro depositado nos Bancos – se fixa nuns míseros 28%. Foi
o “mexilhão” que teve de entregar a sua casa ao Banco, porque não tinha
dinheiro para pagar as prestações. Foram milhares as famílias remediadas que
pediram insolvência, fruto dos cortes cegos nos salários e da safra dos
despedimentos impulsionado pelas medidas tomadas pelo governo chefiado por
Coelho. Foi o “mexilhão” que viu cortados os apoios sociais – no abono de
família, no RSI e no complemento solidário para os idosos.
Mas também foi o “mexilhão” que
viu a revista “Forbes” anunciar, em 2013, que Belmiro de Azevedo e Américo
Amorim estão ainda mais ricos. O que pagaram estes para suprimir a crise? Pouco
ou nada, pois os rendimentos deles parece não serem tributados em Portugal,
pelo menos o maior quinhão?
O “mexilhão” também sabe que o
Tribunal de Contas falou em “omissão”, por parte do governo, na concessão de Benefícios
Fiscais em sede de IRC, um claro benefício para as grandes empresas.
Não bastava a verbosidade acima
do Primeiro-ministro, Passos Coelho, que ele, para fazer o pleno no mesmo dia,
não se coibiu de falar sobre o país e o fim dos “donos de Portugal”. Coelho,
dirigindo-se aos militantes do seu partido, afirmou que a economia «estava
aprisionada por grupos económicos que eram incentivados pelo Estado a aplicar
os seus recursos em obras públicas que não eram sustentáveis», frisando, «isso
está a acabar» e «Os donos do país estão a desaparecer. Os donos do país são os
portugueses». Nada mais falso que estas declarações de Passos Coelho!
É fácil fazer insinuações da
realização de obras insustentáveis, não dizendo concretamente quais foram essas
obras e onde. É simples aludir que a economia estava aprisionada por grupos
económicos, sem dizer quais os grupos económicos e que tipo de economia. Seria
a de mercado aberto ou a de monopólio? Seria óptimo que Coelho especificasse as
suas acusações e não ficasse pelo abstracto. Sem denunciar como e quem obteve
essas sinecuras do Estado. Mas isto parece ser o que interessa ao mundo
político, falar no abstracto e não assumir quem são os beneficiados. É típico
de um Portugal tacanho, subjugado ao poder e conivente com os interesses dos
poderosos.
No entanto, Passos Coelho destilou
mais uma intrujice do tamanho do Cosmos, pois se os donos do país estão a
desaparecer, não passaram a ser os Portugueses os donos do País. Nada disso, e
nada mais falso.
Com Passos Coelho no governo os
donos do País passaram a ser chineses, franceses, angolanos, brasileiros,
russos, alemães, pois o governo de Coelho vendeu tudo o que era dos portugueses
(REFER, PT, ANA-Aeroportos, EDP, a Seguradora Fidelidade, CP-Carga, etc) a
todos os atrás referenciados. Falta saber de que nacionalidade será quem vai comprar
a TAP, bem como o Novo Banco, tal é a pressa deste governo em se desfazer
destas duas empresas de interesse estratégico para Portugal.
As pessoas têm de ser tratadas
como tal, não como meros números. O valor das pessoas ultrapassa o
quantificável materialmente. Todas as pessoas são livres e iguais e não pode
haver distinção. Mas não parece que assim seja! Passos Coelho demonstrou-o, tal
como o demonstram muitos outros que se engodam na política e à volta dela, que
também pensam que as pessoas são meros adereços e que não podem ser elucidadas.
Como refere a nossa citação, os
estúpidos pensam que têm certezas; julgam-se à margem do escrutínio; arvoram-se
em “benfeitores” ou em “virgens ofendidas”. Movimentam tudo e todos, e manietam
as fontes para que façam dos outros os estúpidos. Pelo contrário, eu estou
carregado de incertezas e de dúvidas!
Por fim, deixem-me apenas fazer
um exercício sobre o valor das pessoas para este governo. Na tão famigerada
“reforma do IRS”, que de reforma não tem nada, são apenas alterações, foi anunciada,
com pompa e circunstância, pelo Núncio do CDS e seus acólitos, a defesa da
família com filhos, com a atribuição percentual, de 0,3, por cada filho a
deduzir aos rendimentos do casal em sede de IRS.
Para este governo, os filhos
daqueles que mais ganham valem mais do que os filhos daqueles que menos
rendimentos têm. Um exemplo: uma família com 2.000 euros brutos que tenha um
filho, poupa cerca de 200 euros no IRS. A mesma tipologia com 5.000 euros por
mês, já poupa 600 euros. Outro exemplo: Uma família com dois filhos e 2.000
euros brutos por mês poupa 294 euros por filho. A mesma família com 5.000 euros
brutos já poupa 625 euros por filho
Quando se aplica um valor
percentual, está a considerar-se melhor o filho daquele que mais rendimento
tem. Não será isto continuar a discriminar aqueles que menos rendimentos
auferem? Ou será preciso fazer um desenho?