sábado, 27 de dezembro de 2014

O VALOR DAS PESSOAS



Um dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no facto
de serem os estúpidos os que têm a certeza, enquanto os que
possuem imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões”.
Bertrand Russell


Permita-me, Caro leitor, iniciar a minha crónica desta semana com uma citação de Bertrand Russell. Este pensamento foi o mote para me permitir abordar alguma verborreia expelida, recentemente, por Pedro Passos Coelho. E o que ele disse parece ser o retrato fiel de como Passos Coelho despreza as pessoas, despreza os portugueses. Principalmente aqueles que mais dificuldades passam na vida.
Que o cidadão comum diga que “quem se lixa é o mexilhão”, é um jargão aceitável. Agora, o que é intolerável é que o Primeiro-ministro afirme que «Ao contrário do que era o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão, de que são sempre os mesmos (...), desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dúvida», segundo noticiou o DN, de 7 de Dezembro.
Só que eu não tenho a mesma certeza de Passos Coelho! Eu tenho dúvidas de que não tenha mesmo sido o “mexilhão” a pagar a crise. As certezas de Coelho estão consubstanciadas numa mentira, pois é tempo de mudar a agulha, dado que do "que se lixem as eleições”, Passos Coelho passou para o que lhe interessa são as eleições.
Estribado num discurso populista e demagógico, a ultrapassar as raias do mero eleitoralismo, Passos Coelho debita estas frases conscientemente. Só que o que ele afirma não é verdade!
Esta crise foi maléfica para os portugueses mais desprotegidos e para a Classe Média, ao contrário do que afirma Coelho. Foram os trabalhadores as principais vítimas das medidas tomadas por este governo, principalmente no que concerne à receita dos impostos, onde o tributo sobre o valor do trabalho foi agravado de forma substancial, conforme se comprova pelos valores cobrados pelo Estado em sede de IRS.
Mas não foi só através da receita cobrada de IRS que o tal “mexilhão” foi penalizado. Não! Penalizados também foram os portugueses que tiveram de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde, onde a saúde se tornou mais cara e os cuidados médicos foram-se tornando cada vez mais insuficientes – desde o corte na compra de medicamentos até ao corte na compra de materiais e pomadas para se fazer curativos. Foi o “mexilhão” que viu penalizada a Escola Pública. Foi o “mexilhão” que viu as taxas de IRS serem agravadas exponencialmente, enquanto a taxa sobre os rendimentos de capitais – aqueles que têm dinheiro depositado nos Bancos – se fixa nuns míseros 28%. Foi o “mexilhão” que teve de entregar a sua casa ao Banco, porque não tinha dinheiro para pagar as prestações. Foram milhares as famílias remediadas que pediram insolvência, fruto dos cortes cegos nos salários e da safra dos despedimentos impulsionado pelas medidas tomadas pelo governo chefiado por Coelho. Foi o “mexilhão” que viu cortados os apoios sociais – no abono de família, no RSI e no complemento solidário para os idosos.
Mas também foi o “mexilhão” que viu a revista “Forbes” anunciar, em 2013, que Belmiro de Azevedo e Américo Amorim estão ainda mais ricos. O que pagaram estes para suprimir a crise? Pouco ou nada, pois os rendimentos deles parece não serem tributados em Portugal, pelo menos o maior quinhão?
O “mexilhão” também sabe que o Tribunal de Contas falou em “omissão”, por parte do governo, na concessão de Benefícios Fiscais em sede de IRC, um claro benefício para as grandes empresas.
Não bastava a verbosidade acima do Primeiro-ministro, Passos Coelho, que ele, para fazer o pleno no mesmo dia, não se coibiu de falar sobre o país e o fim dos “donos de Portugal”. Coelho, dirigindo-se aos militantes do seu partido, afirmou que a economia «estava aprisionada por grupos económicos que eram incentivados pelo Estado a aplicar os seus recursos em obras públicas que não eram sustentáveis», frisando, «isso está a acabar» e «Os donos do país estão a desaparecer. Os donos do país são os portugueses». Nada mais falso que estas declarações de Passos Coelho!
É fácil fazer insinuações da realização de obras insustentáveis, não dizendo concretamente quais foram essas obras e onde. É simples aludir que a economia estava aprisionada por grupos económicos, sem dizer quais os grupos económicos e que tipo de economia. Seria a de mercado aberto ou a de monopólio? Seria óptimo que Coelho especificasse as suas acusações e não ficasse pelo abstracto. Sem denunciar como e quem obteve essas sinecuras do Estado. Mas isto parece ser o que interessa ao mundo político, falar no abstracto e não assumir quem são os beneficiados. É típico de um Portugal tacanho, subjugado ao poder e conivente com os interesses dos poderosos.
No entanto, Passos Coelho destilou mais uma intrujice do tamanho do Cosmos, pois se os donos do país estão a desaparecer, não passaram a ser os Portugueses os donos do País. Nada disso, e nada mais falso.
Com Passos Coelho no governo os donos do País passaram a ser chineses, franceses, angolanos, brasileiros, russos, alemães, pois o governo de Coelho vendeu tudo o que era dos portugueses (REFER, PT, ANA-Aeroportos, EDP, a Seguradora Fidelidade, CP-Carga, etc) a todos os atrás referenciados. Falta saber de que nacionalidade será quem vai comprar a TAP, bem como o Novo Banco, tal é a pressa deste governo em se desfazer destas duas empresas de interesse estratégico para Portugal.
As pessoas têm de ser tratadas como tal, não como meros números. O valor das pessoas ultrapassa o quantificável materialmente. Todas as pessoas são livres e iguais e não pode haver distinção. Mas não parece que assim seja! Passos Coelho demonstrou-o, tal como o demonstram muitos outros que se engodam na política e à volta dela, que também pensam que as pessoas são meros adereços e que não podem ser elucidadas.
Como refere a nossa citação, os estúpidos pensam que têm certezas; julgam-se à margem do escrutínio; arvoram-se em “benfeitores” ou em “virgens ofendidas”. Movimentam tudo e todos, e manietam as fontes para que façam dos outros os estúpidos. Pelo contrário, eu estou carregado de incertezas e de dúvidas!
Por fim, deixem-me apenas fazer um exercício sobre o valor das pessoas para este governo. Na tão famigerada “reforma do IRS”, que de reforma não tem nada, são apenas alterações, foi anunciada, com pompa e circunstância, pelo Núncio do CDS e seus acólitos, a defesa da família com filhos, com a atribuição percentual, de 0,3, por cada filho a deduzir aos rendimentos do casal em sede de IRS.
Para este governo, os filhos daqueles que mais ganham valem mais do que os filhos daqueles que menos rendimentos têm. Um exemplo: uma família com 2.000 euros brutos que tenha um filho, poupa cerca de 200 euros no IRS. A mesma tipologia com 5.000 euros por mês, já poupa 600 euros. Outro exemplo: Uma família com dois filhos e 2.000 euros brutos por mês poupa 294 euros por filho. A mesma família com 5.000 euros brutos já poupa 625 euros por filho
Quando se aplica um valor percentual, está a considerar-se melhor o filho daquele que mais rendimento tem. Não será isto continuar a discriminar aqueles que menos rendimentos auferem? Ou será preciso fazer um desenho?