As últimas semanas têm trazido à
tona casos que, eventualmente, mostra que a fusão da política com os negócios
se pode tornar numa mistura explosiva, que a qualquer altura poderá fazer
implodir os alicerces das instituições democráticas.
Não sou daqueles que clama que
está em perigo a Democracia, só pelo facto de surgirem casos mediáticos de
mistura de política e negócios! Penso, até, que estes casos – mas têm de estar
devidamente fundamentados; documentados com provas claras e irrefutáveis, que
não deixem uma pequena réstia de dúvida – poderão servir de exemplo para tornar
o cidadão comum mais atento a tudo o que o rodeia no que concerne à
promiscuidade entre políticos e empresários, e, mesmo, até, do envolvimento de
outros elementos que, eventualmente, pululam no interior dos centros de decisão,
apenas para obterem informação privilegiada e depois fazerem uso dela em
proveito próprio, ou de alguém que lhe paga? Que sirva para que todos aqueles
que se envolvem na política, ou colocam na política elementos que serão os seus
“testa-de-ferro” na defesa dos seus interesses particulares; ou mesmo os que,
de forma escondida, se encostam aos partidos políticos, com ajuda ao
financiamento destes, para, no futuro, quiçá, utilizarem este facto para
exigirem contrapartidas nas decisões políticas, saibam que o cidadão está
atento ao que se anda a fazer e que interesses – e de quem - são defendidos e
preservados nas decisões políticas, e em alterações legislativas e de planos.
A moralização da política tem,
obrigatoriamente, de, primeiro, sair do interior dos partidos! Que, quer se
queira, quer não, são os pilares de sustentação da Democracia. Dessa forma, os
partidos terão de ser transparentes! Quem os dirige deverá evitar envolver-se
com os negócios! Mas isto também é claro para aqueles que desempenham cargos na
administração pública, nas autarquias, no governo, em tudo aquilo onde o
interesse colectivo deve prevalecer sobre o interesse individual. Quem anda no
mundo dos negócios e se envolve na política, raramente o faz sem o fito de daí
poder retirar lucros privados? Ou quem anda na política e se mete nos negócios,
também pretende obter ganhos para si? Os negócios visam sempre a obtenção de um
lucro. É disso que se trata! Nada mais do que o interesse da obtenção de
mais-valias. Para isso, utilizam os partidos e os políticos – quando não são os
próprios políticos que decidem em causa própria? - para, porventura, terem
acesso a informação privilegiada e, talvez, ao tráfico de influências? Como
todos sabemos, isto é crime.
É por isso que as forças
políticas têm, obrigatoriamente, de estar limpas – e o mais afastado possível –
dos interesses dos negócios. Na campanha para as eleições primárias do
candidato a Primeiro-ministro do PS, António José Seguro afirmou que queria
separar a política dos negócios. Não tendo sido apoiante de António José
Seguro, garanto que esta era uma das medidas com que eu concordo plenamente. E
que procuro pôr em prática no exercício das funções políticas que neste momento
desempenho. Não quero política e negócios em concubinato. A política deve
servir, e ser feita, para a defesa do interesse público. O que contraria, no
todo, os interesses dos negócios, que apenas visa o interesse individual.
Dessa forma, política e negócios
têm de ter, obrigatoriamente, interesses opostos. Por isso, os partidos
políticos não podem, por omissão, deixar de apontar aquilo que, na discussão
política, se entende podermos estar, eventualmente, perante decisões que
beneficiam uma determinada parte. Isso deverá, sem qualquer pudor ou interesse
eleitoralista, ser exposto, questionando-se, até, os motivos que possam levar a
que ali, naquele local, e só ali, se decide que se podem alterar as regras que
até àquele momento estavam em vigor? Esse também é o papel dos partidos
políticos! A missão de quem anda na política tem de ter sempre em conta o
especial interesse do bem colectivo; zelar pelo cumprimento das regras de
defesa do interesse público. Essa é a génese da política!
Portanto, cabe a todos, e
especialmente aos partidos políticos, escrutinarem, com rigor e objectividade,
tudo aquilo que possa ser feito, através da decisão política, em benefício de
eventuais interesses individuais, e questionar o motivo pelo qual são propostas
determinadas alterações legislativas e, mesmo, de planos.
Dessa forma, os visados no
escrutínio político de análise às tomadas de decisão não têm de ficar ofendidos
se o seu nome for tornado público como, eventual, beneficiado nesta ou naquela
decisão.
Quanto aos que andam na política,
não deverão sentir medo em denunciar os nomes, quando se verifica que,
possivelmente, uns possam ser beneficiados em detrimento de outros. Ou
questionar o porquê de ser aquele e não o do lado. O medo acabou com a queda da
ditadura há 40 anos! Será que ainda ninguém deu por isso? Será que teremos de
continuar vergados à canga dos poderosos, por estes terem dinheiro ou
influência? O tempo de tirar o chapéu e fazer uma vénia à passagem do poderoso
ricaço ou daquele que detém o poder acabou?. Em Democracia todos somos iguais.
Urge alterar esta mentalidade, pois só dessa forma conseguiremos acabar com os
escândalos que têm, nos últimos anos, vindo a público em Portugal. É tempo de deixarmos
de ter medo, medo de perder votos. Ou moralizamos a política, fazendo entender
aos cidadãos que os políticos não são todos iguais, pois uns têm umas ideias e
outros têm outras, ou, então, se continuamos com o medo, não vale a pena andar
na política, pois é melhor escolher outro campo.
Já os cidadãos têm de decidir o
que querem! É fácil, como perora uma maioria dos portugueses, acusar que os
políticos são todos iguais e que os partidos são um antro de oportunistas, por
um lado. Mas, por outro, se surge alguém do interior de um partido a denunciar
que determinados indivíduos possam, possivelmente, estar a ser beneficiados com
determinadas decisões legislativas, esses mesmos passam a acusar de que não
deveriam ser indicados nomes de pessoas. Afinal o que querem e em que ficamos?
A isto chama-se falta de cultura de cidadania!
Havendo algumas questões que suscitem
interrogações sobre a forma e o modo, devem ser indicados os nomes dos
envolvidos, pois isso apenas se conjuga como uma forma de transparência. Os
visados não têm que ficar ofendidos, pois ninguém poderá sentir-se acima da lei
e de qualquer escrutínio público, quando o que está em causa é uma decisão do
poder político em eventual benefício de um interesse individual. Como dizia a
minha avó, que Deus a tenha: quem não quiser, que não se ponha a jeito!
Eu tive um colega de Liceu que
seguiu religiosamente à risca um conselho que lhe deram, de que se comesse alho
todos os dias isso evitava muitas doenças. Como esse meu colega, com um nome
algo patusco, António Cascalheira da Boa Morte, era um perfeito hipocondríaco,
alguém, no gozo, o aconselhou a comer alho todos os dias, numa boa quantidade.
Como é óbvio, e dada a mania que
o envolvia, o Tone Boa Morte, como nós lhe chamávamos, seguiu à risca tal conselho
do curandeiro de ocasião. Por isso, pois o cheiro a alho era tão empestante, ao
longe já sabíamos da chegada do Tone Boa Morte. Para o irritarmos, muitas vezes
o apelidávamos de “Cascalheira, cabeça de alho”. Resta só dizer que o “cabeça
de alho” era um aluno aplicado e inteligente, e era um dos melhores da turma.
Só que a sua hipocondria tornava-o num sujeito alvo de todas as malícias dos
colegas, que aproveitavam sempre para o achincalhar em público.
Um dia encontrei o Tone Boa Morte
muito cabisbaixo, encontrava-se sozinho. Apesar de todo o pivete a alho que à
sua volta se sentia, eu, naquele momento, e olhando para aquele colega de turma
que na sua postura mostrava um ar de sofrimento interno, fui ter com ele. Daí
puxei conversa com o “Cascalheira, cabeça de alho” com o intuito de descobrir a
razão do seu ar deprimido (naquele tempo não se falava de depressão, era de ar
triste). E foi quando ele me disse que se sentia mal, pois toda a gente gozava
com ele e não queriam estar perto dele.
Com tal desabafo, fiquei um pouco
atarantado, quase sem palavras para lhe dizer algo. Questionei-o se sentia algo
de diferente no seu bem-estar físico por comer alho, ou se esta planta, da
tribo liliácea, lhe estava a fazer bem a alguma doença? A resposta foi
negativa. Que não, que não lhe tirava ou ajudava em alguma doença. Então eu
disse-lhe: Tone, como teu amigo, pá, aconselho-te a deixares de comer alho,
pois o teu problema com o resto do pessoal é que cheiras demasiado a alho, e
isso é incomodativo para o pessoal. Convence-te que ninguém te quer mal!
O Tone Boa Morte seguiu o meu
conselho! Deixou de comer alho. Por isso deixou de cheirar a ele, e, a partir
daí, todos deixaram de se afastar do Cascalheira.
Moral da história, se assim o
quiserem, é de quem não quiser ser apontado que não se ponha a jeito, ou de que
quem não quiser cheirar a alho, que não o coma.
* Texto publicado na coluna de opinião no Jornal "Notícias de Esposende", n.º 48/2014, de 29 de Novembro a 5 de Dezembro.