sábado, 28 de março de 2015

COFRES CHEIOS – RATING “LIXO”*

É difícil entender os cofres cheios e
o Rating da República em “lixo”.

Há dias, a Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, numa acção partidária, anunciou que Portugal tinha os «cofres cheios». Adiantou a ministra de que essa almofada serviria para que Portugal pudesse resistir por alguns meses sem ir aos mercados caso surgisse uma crise financeira internacional. Passos Coelho e todos os acólitos opinadores ratificaram a versão ministerial e aplaudiram, em ululantes intervenções, a lógica dos cofres cheios.
Só que não quiseram referir que esse enchimento dos cofres foi feito à custa de mais dívida; à custa de pedir mais dinheiro emprestado, originando mais despesa com o pagamento de juros.
Estas declarações da ministra causaram polémica, tendo em conta o passado do País, mormente nos 48 anos da ditadura de Salazar, onde este se orgulhava de ter os cofres cheios de ouro. Só que, em contrapartida, os portugueses passavam fome, tinham de emigrar para melhorar a sua condição de vida, não havia escola pública, a saúde pública não existia, a mortalidade infantil era elevadíssima, praticamente não existiam infraestruturas básicas (água e saneamento) fora dos grandes centros. Os cofres estavam cheios, mas os portugueses estavam cheios de fome e miséria!
Não sei se por ignorância da ministra; se por não medir as consequências de tal frase; ou se o fez mesmo propositadamente e consciente do que dizia e das consequências que daí poderiam advir, o certo é que não me cabe aqui curar a concupiscência da ministra no exacto momento em que teceu loas ao facto de ter conseguido encher os cofres em quase quatro anos.
O que me importa cuidar e analisar é se o estoicismo aplicado pelo governo nos últimos quatro anos, e, ao que parece, muita satisfação lhe está a dar, e à maioria que o suporta, foi a razão que, graças às medidas governativas, tornou possível encher os cofres.
Todavia, e contrariamente ao que o governo pretende fazer crer, a circunstância de encher os cofres não pode ser apodada de excelência e mérito na arte da governação, pois, não obstante os «cofres cheios», a situação do País não mudou, e muito menos a dos portugueses.
Portanto, traçando uma linha condutora de análise factual e objectiva, importa reflectir sobre a forma e o conteúdo dos “cofres cheios”. Será que os cofres se encheram graças às medidas aplicadas pelo governo na sua acção? Será que o corte nas despesas foram a pedra angular que transformou Portugal num País de bancarrota num país com excedente financeiro? Será que foram os cortes na Educação, na Saúde e na Segurança Social que encheram os cofres? Não me parece que tenha sido alguma destas medidas que fez com que o País melhorasse e passasse de bancarrota a “podre” de rico.
Não! Não foi qualquer medida que nos últimos quatro anos destruíram o tecido económico; mandaram para a emigração quase 400 mil portugueses e portuguesas; aumentaram descomunalmente o desemprego; reduziram os serviços prestados na Saúde Pública; provocaram o caos na Educação; causaram um descalabro na Justiça; que fizeram com que o dinheiro fosse depositado nos cofres. Nada disso! Os cofres encheram à custa de mais dívida! Essa é a realidade! Portugal, aproveitando a queda dos juros, endividou-se ainda mais nos últimos quatro anos. Quando este governo tomou posse a dívida pública era de 94% do PIB; hoje a dívida pública está em 130% do PIB. Devemos mais dinheiro e estamos mais pobres. Essa é a verdade!
Quem não se lembra de em 2010/2011 termos diariamente notícias sobre as agências de Rating que cortavam a cotação da República Portuguesa? Naquela altura as agências de notação financeira eram o oráculo dos partidos da oposição (PSD, CDS/PP, PCP e BE), dos comentadores económicos e políticos que enxameiam as televisões e que gritavam a plenos pulmões: a Standard & Poor’s reduziu o rating de Portugal para bbb-; a Fitch reduziu para ccc-; a Moody’s reduziu o rating para “lixo”. No dia seguinte, a mesma vozearia vinha lamentar-se de que todas as agências passaram o Rating de Portugal para “lixo”, que era tempo do governo pedir ajuda externa, bla´, blá, bla´. Foi assim meses a fio!
Nos últimos quatro anos a conjuntura internacional alterou-se por completo. O Banco Central Europeu (BCE) assumiu a responsabilidade pela dívida soberana dos países. Foi o sinal adequado para que os juros da dívida caíssem de forma descomunal. A própria Comissão Europeia passou a olhar de outra forma a crise, pois já tinha cumprido o papel a que se propôs no início da difícil conjuntura: salvar os bancos alemães, franceses, ingleses e norte americanos que estavam expostos à crise das dívidas soberanas dos países do Sul, por isso o dinheiro da troika veio para resgatar esses bancos. Feita essa salvação, só restava às instituições europeias espartilhar os povos dos países sob resgate e esmifrar todos os direitos conquistados ao longo de anos de luta: corte na Educação, na Saúde, na Justiça e nos Apoios Sociais.  
Para cumprir tal desiderato só necessitavam de ter um governo que fosse submisso a todas as artes de sodomizar o seu povo. Em Portugal a troika encontrou um governo à altura e disposto a prestar esse papel.
Contrariamente ao que anunciam os governantes e acólitos, o País está bem pior que há quatro anos! Mas o país está diferente? Sim, está muito diferente!
A diferença nota-se nas privatizações que este governo fez. Vendeu tudo o que dava lucro aos chineses, aos franceses, aos angolanos, aos alemães e aos brasileiros. O governo arrecadou com as privatizações cerca de nove mil milhões de euros. Cortou nos apoios sociais – Fundo de Desemprego, RSI e Complemento Solidário para Idosos -; cortou na Educação; cortou desmesuradamente na Saúde Pública – portugueses morrem numa maca nas urgências à espera de assistência médica -; encareceu e provocou o caos na Justiça; terminou o investimento público.
Contudo, não obstante todos estes cortes em matérias essenciais para o povo português e o desmesurado, enorme, segundo as palavras de Victor Gaspar, aumento de impostos o País não melhorou. Ou melhor dizendo: o País não saiu do “lixo”!
O que se torna caricato é que nos últimos quatro anos deixou de se ouvir falar das agências de notação financeira em Portugal. O certo é que a Standard & Poor’s, a Fitch e a Moody’s saíram do léxico político do governo e da comunicação social. Deixou de haver interesse em Portugal sobre o que diziam tais agências sobre o Rating da República Portuguesa. Nada, ninguém quis ou se interessa por saber!
No entanto, apesar de todos os encómios lançados sobre a governação pelos “papagaios” a soldo do governo e por uma comunicação social submissa e facciosa, ninguém hoje fala sobre o Rating da República Portuguesa.
Pois bem, apesar de toda a fantasia em redor dos cofres cheios e da política governativa, o certo é que o Rating da República Portuguesa continua a ser considerado “lixo” por todas as agências de notação financeira.
Como o governo, erradamente, gosta muito de comparar a gestão das finanças públicas à gestão financeira de uma família, apenas posso dizer que Portugal com os cofres cheios está exactamente da mesma forma que aquela família que tem os cofres cheios e chove dentro de casa porque tem buracos no telhado.
É assim que Portugal está: cofres cheios, mas cheio de buracos!

*Artigo publicado no Jornal Notícias de Esposende, Ano IV, n.º 12/2015 – 28/Março a 3/Abril 

sexta-feira, 20 de março de 2015

O IMI

O IMI é um imposto sobre o património e tem como fim
a contribuição para o beneficio, só que essa não é a realidade.

Nas últimas semanas têm sido dadas à estampa notícias sobre o exponencial aumento do valor do IMI a pagar pelos proprietários devido ao fim da cláusula de salvaguarda.
Não podemos deixar de levar em linha de conta que o IMI é um imposto patrimonial e por isso, digamos assim, lhe é retirado algum protagonismo quando comparado com o IRS, o IRC e o IVA.
No entanto, não será despiciendo que os contribuintes tenham em atenção o valor do IMI a pagar, pois o mesmo tornou-se um imposto gravoso para o rendimento das famílias, se atentarmos na exorbitância dos valores que são cobrados.
Além deste ser um imposto sobre o património, não deixa de ser verdade que o pagamento exigido pela autoridade tributária tem de sair do rendimento das famílias, pois o imóvel não dá rendimento, é apenas a casa de habitação.
E só o facto de se cobrar o imposto sobre o património, cuja despesa recai sobre o rendimento do trabalho, que já por si já foi devidamente taxado (IRS e IRC), é, sem dúvida, uma injustiça.
Contudo, não poderemos olvidar que os primórdios da tributação já advêm dos tempos de Cristo, pois o Velho Testamento e o Novo Testamento já falavam no pagamento do dízimo, que nessa altura incidia sobre o rendimento das terras e propriedades. É que esse dízimo é tirado ao rendimento não à propriedade, contrariamente ao IMI.
Também convém frisar que nos finais dos anos 80 início dos anos 90 do século passado o governo de Margaret Thatcher (a Dama de Ferro), em Inglaterra, foi derrubado devido à introdução de um imposto sobre o património. É certo que ao longo dos tempos nem sempre foi consensual a tributação, e esta foi sempre sido adaptada consoante as necessidade de receita.
Até se chegar ao actual IMI, criado em 2003, um caminho foi percorrido. No século XIII cobrava-se o imposto como uma forma de “ajuda” para as necessidades do beneficiário e do poder real. Desta concepção, passou-se para a ideia de solidariedade social. O imposto passa a ter um carácter político, ao invés do financeiro.
Em Portugal, até à reforma de 1958, que instituiu a chamada décima, os impostos tinham como objecto de incidência a divisão em impostos sobre o rendimento da propriedade rústica e urbana denominada de Contribuição Predial, que com as reformas de 1899 e 1911 a Contribuição Predial passa a recair sobre o rendimento dos prédios. Isto era, nem mais nem menos, um imposto sobre o rendimento que os proprietários retiravam dos seus prédios rústicos e urbanos.
Com a reforma de 1988/89, quando foi criada a Contribuição Autárquica, há uma alteração substantiva no carácter deste imposto, que deixa de ser tributado sobre os rendimentos prediais (Contribuição Predial) e passa a incidir sobre o valor dos prédios (o seu valor patrimonial).
É a partir desta reforma que os contribuintes passam a ser tributados, não apenas pelo seu rendimento, também pelo seu património. É comummente aceite que a Contribuição Autárquica foi criada para contrabalançar a perda de receitas fiscais no âmbito das autarquias locais, sendo certo que este imposto reverte para os cofres municipais na sua totalidade.
Em 2003/2004, é criado o IMI. A Contribuição Autárquica ambicionava ser um imposto com base no princípio do benefício. Epíteto concedido também ao IMI, pois os legisladores entendem que são os Municípios e o Estado a facultar e gerir os serviços urbanos, as redes de infraestruturas, seja de modo gratuito ou a preços tabelados. Levando em linha de conta este desiderato oferecido pelo Município e pelo Estado, seria entendível a existência de um imposto assente no princípio do benefício.
Todavia, hoje parece não ser esta a realidade, pois uma grande parte das redes urbanas acabou por ser concessionada a particulares ou a empresas supramunicipais que trabalham com vista ao lucro. Conforme se constata pela variedade de preços diferentes que se alcançam. Isto origina que a propriedade imobiliária, dependente dos serviços prestados por estas redes, acaba por ter de lidar com estes monopólios. Portanto, é imperioso que se pondere na necessidade de se reflectir sobre as questões políticas, económicas e jurídicas quando se invocam os benefícios que é ao sector público que compete assegurar.
Dentro destas redes é imperioso levar em consideração a construção das redes de infraestruturas em espaço urbano ou em espaço rústico, tomando em linha de conta que os encargos públicos com as infraestruturas em meios rústicos se inserem no orçamento como quase que a fundo perdido; em contrapartida, no espaço urbano esses investimentos podem consubstanciar um retorno financeiro positivo.
É por isso que entendo que o IMI é um imposto cobrado injustamente aos proprietários dos prédios urbanos e rústicos, pois os mesmos não retiram deles qualquer rendimento, servindo apenas da sua habitação e da família. Para além dos proprietários já serem tributados pelo seu rendimento, também o são pelo património, de onde não retiram quaisquer benefícios que não os de estarem a coberto de telha.
A lógica defendida anteriormente, como a prática do benefício servir de base de sustentação para a cobrança do imposto sobre o património, cai por terra quando hoje todos sabemos que os proprietários pagam tudo, desde a ligação da água e do saneamento, como as mais variadas taxas e licenças de construção. Hoje as entidades políticas centrais e locais não fazem nada sem obrigarem o contribuinte a pagar. Cai por terra esta lógica quando a exploração das infraestruturas são entregues a entidades privadas e intermunicipais que gerem o objecto com base na maximização do lucro, obrigando o proprietário a pagar um preço fixo tabelado, usufrua ou não da prestação do serviço. Para além do mais, as entidades gestoras procuram obter cada vez mais receita da cobrança do IMI e, ao mesmo tempo, vão cortando benefícios aos proprietários, como comprova a ideia peregrina de desligar a luz pública. Uma das razões para a cobrança do IMI era a de ajudar a pagar estas infraestruturas. Mas nada disso acontece, porque as autarquias locais desviam as receitas deste imposto para outros fins. Aliás como acontece com o Imposto Único Automóvel.
No Código do IMI há uma série de entidades proprietárias de imóveis que estão isentas desse pagamento, mesmo usufruindo de todas as infraestruturas.
Havendo a consciência política que o fim da cláusula de salvaguarda iria agravar exponencialmente o valor a pagar pelos proprietários, o governo, de forma eleitoralista, aumentou o valor dos rendimentos, no Orçamento do Estado para 2015, que davam direito às famílias a pedirem a isenção do pagamento do IMI, verba essa que se substancia nos 15 295,00€ de rendimento anual e o valor do imóvel não poderá ultrapassar os 41 922,00 €. Com esta medida, passaram a usufruir desta isenção cerca de 350 mil famílias, sendo que anteriormente este benefício chegava a 300 mil famílias.
Só que, contrariamente ao que pode parecer, com esta medida de aumentar o número de proprietários isentos do pagamento do IMI, os Municípios não perderão receita em 2015, pois o aumento do valor a pagar pelos outros ultrapassa de longe o que deixa de receber com o aumento dos isentos.
Por fim, tendo em atenção que a isenção é atribuída em função do rendimento e do valor da propriedade, não se entende como se poderá acudir à ideia de diminuir a taxa de IMI às famílias numerosas.
O IMI é um imposto que nada tem a ver com o ter muitos ou poucos dependentes. É tributado conforme o valor do imóvel em causa. Procurar contornar isto, julgo que juridicamente não tem ponto de estribo. Até porque uma família com um ou dois dependentes poderá ter mais dificuldade em pagar do que uma família com quatro ou cinco dependentes, que até piscina têm e outros confortos. 

O que se deveria lutar era por abolir um imposto injusto como o IMI, pois é um imposto sobre a propriedade e cujo proprietário, quando é de habitação própria e principal, não retira quaisquer outros benefícios que não seja o de ter uma habitação. E tendo de pagar todos os serviços de que usufrui com as infraestruturas, mais razões há para que este imposto seja abolido.

sexta-feira, 13 de março de 2015

VEM EMIGRANTE

O saudoso Graciano Saga criou uma canção que pedia ao emigrante para vir devagar. É uma letra cheia de dor e tristeza.
Hoje o governo de Portugal também clama o "vem emigrante". Parece que estamos no perdoa-me!
Quando se perde a vergonha e a noção do ridículo, não podemos esperar o que quer que seja.
Um governo que em 2011 vergastou os desempregados e os jovens; um governo que os envergonhou; um governo que humilhou os desempregados; um governo que os acusou de estarem comodamente na sua zona de conforto a receber subsídios; um governo que os mandou sair da zona de conforto e emigrar; um governo que lhes chamou piegas por querem emprego em Portugal; vem agora clamar o seu regresso.
O governo português perdeu a noção da realidade e do burlesco, mas não é só de agora, isto já vem desde que chegaram ao poder. Portanto, não nos devemos admirar, pois o grotesco é a imagem de marca deste governo.
Tanto que perdeu a noção da realidade que agora aprovou uma Norma que versa o pedido de regresso dos emigrantes que o próprio governo não se cansou de humilhar.   
Sei que é ano de eleições legislativas e o governo procura a todo o custo a indulgência do povo português para com todos os pecados que cometeram atentando contra as famílias portuguesas.
E assim o governo pede o regresso dos emigrantes, cientes de que poderão recuperar uns milhares de votos, pois os emigrantes regressaram às suas famílias e convencem-se que o agradecimento dos “retornados” se compagina com o voto nas próximas eleições.
E que faz o governo para convencer o regresso dos emigrantes? Nada mais nada menos que lhe oferecendo uma “cenoura”. Ou seja, oferece dinheiro aos emigrantes para montarem a sua empresa, o tal empreendedorismo tão do agrado da direita neoliberal. Como se todos tivessem queda para terem a sua empresa.
Portanto, o “perdoa-me” do governo com o programa do “Vem emigrante”, mais não é que uma forma de comprar o voto do emigrante regressado e da sua família.
Esta ideia do governo é tipicamente aquela que expressa os “donos”, a de que fazendo a caridadezinha os destinatários lhes ficam gratos para o resto da vida.

É a beatice típica de gente sem moral! 

segunda-feira, 9 de março de 2015

“NÃO SABIA, NÃO ME LEMBRO, IGNORAVA”

As palavras que ilustram este título devem ser
consideradas as palavras mais importantes de 2015.

Quatro ilustres maganos de um país que existe apenas na cabeça deles encontram-se algures.
O Primeiro - Olá sua majestade, como está o meu bom amigo, patriarca do meu laranjal, meu seguro de vida? Então as dez mil balas da reforminha já chegam para as despesas?
O Rei - Não sei, tenho de perguntar à Maria, a minha fada do lar.
O Gestor – Ehhh, ehhh. Não sou só eu que não sabia. Ah, Ah, Ah.
O Primeiro – Eu ignorava! É verdade. Sempre pensei que pagar à Segurança Social era opcional. Nunca tive consciência dessa obrigação. E tu, grande Gestor, não sabias dos 900 milhões de balas?
O Gestor – Não me lembro…
O Encarcerado – Então, ó Primeiro, ignoravas, era? Mas tu eras deputado quando votaste a lei de bases da Segurança Social que tornava obrigatório os descontos para a Segurança Social dos trabalhadores a recibos verdes?
O Primeiro – Ai era? Não me lembro. Eu era deputado? Naquela altura eu andava preocupado com a Tecnoforma e com o meu amigo licenciado por equivalências? Se votei, não sabia. Eu só ia à Assembleia marcar o ponto?
O Rei – Não aprendeste nada! Deixaste-te apanhar. Agora pareces um piegas.
O Primeiro – E Vossa Majestade, Eih? Não foi apanhado nas acções do Oliveirinha?
O Rei – Ouuurrrrr. Ouurrrrr….
O Gestor – Majestade, está bem? O que tem?
O Rei – Engasguei-me com uma fatia de bolo-rei…
O Encarcerado – Ainda me acusam de ter amigos que me emprestam dinheiro. Mas sou só eu? Cadê os outros?
O Primeiro – Eh, pá! Vocês não ouviram o lambretas? Eu sou vítima de um erro administrativo?
O Gestor – E eu sou vítima da minha falta de memória… não vi os 900 milhões de balas a ir para a Rioforte.
O Primeiro – Também és um palerma. Então deixaste que aquela esquerdelha da Mortágua te encostasse à parede?
O Gestor – Que querias que eu fizesse? Eu não tenho o laranjal a aplaudir-me e o lambretas para fazer figuras parvas? E tu, não é palerma? Então porque foste para a festa laranja, no dia 21 de Fevereiro de 2014, dizer que «há muitos que deviam pagar os seus impostos e não pagam, porque não declaram as suas actividades», quando já sabias que devias à Segurança Social 5.016,00€?
O Primeiro – Eh, pá, está calado. É uma vergonha estes gajos andarem a meter-se na minha vida privada. Já agora, Majestade! Então a sisa da casa que não existia?
O Rei – E ali vi o sorriso das vacas naquele prado verdejante…
O Encarcerado – E eu tinha culpa no estatuto político administrativo dos Açores?
O Rei – Chiu, Chiu aí, ó, encarcerado. Tu tens de explicar muita coisa. Pelo menos o que vem no Correio da Manhã, no Sol e no “i”?
O Encarcerado – Não digo nada, senão processam-me por dificultar as investigações!
O Primeiro – Ehhh, Ehhhhh. «Não somos todos iguais, não usei o meu cargo para enriquecer».
O Rei – Eu também não! Eu vivo miseravelmente com a minha Maria com as dez mil balas da reforma. Não dá para as despesas. E ainda está para nascer quem seja mais sério do que eu.
(risada geral entre todos os maganos…)
O Gestor – Coitadinho… Eu vou vender a Comenda que me deu e ofereço-lhe a verba….
O Rei – Está calado, pá. Bem me enganaste. Fui atrás da conversa do melhor gestor do mundo…
O Gestor – Alto aí! Sua Majestade é a última pessoa a me poder acusar!
O Rei – Ai, sou? Só para te provar que sou melhor gestor do que tu, vê o que eu ganhei nas acções da SLN? Vê o resultado.
O Primeiro – E então eu? A gerir a coisa? Não paguei Segurança Social, não preenchi na declaração de IRS o campo respeitante ao valor pago à Segurança Social. Ignorava que tinha de pagar. Mas também ninguém me notificou. Mas paguei 11 anos depois e ainda consegui um desconto… Numa terra de cegos quem tem um olho é rei…
O Rei – Essa piada é para mim? Olha que eu não tenho culpa de ter uma casa no Bairro de luxo do BPN? Vê lá se não te demito já. Era o que merecias que te fizesse!
O Encarcerado – Ai, não? Então não ficaste a saber em 2012 que devias à Segurança Social?
O Primeiro – Fiquei a saber. Mas só ia pagar quando me desse jeito, que era nunca. Só que agora apareceu aí um jornalista a chatear e paguei.
O Encarcerado – E aqueles processos todos por falta de entrega das declarações de IRS?
O Primeiro – Eh, pá! A culpa foi do contabilista. Não viste o BES? O contabilista é que foi o culpado. E tu, Encarcerado, não dizes nada?
O Encarcerado – Não! Não quero levar um processo por violação do Segredo de Justiça.
O Rei – Violação do Segredo de Justiça? Ah, ah, deixa-me rir… lê o Correio da Manhã?
O Primeiro – Eu sou sério. «Eu pertenço a uma raça de homens que paga o que deve».
(gargalhada geral)
E assim os quatro maganos seguiram o seu caminho como se nada de anormal estivesse a acontecer.
 (NOTA: NO DIÁLOGO ACIMA TRANSCRITO, QUALQUER SEMELHANÇA COM A REALIDADE É PURA COINCIDÊNCIA).
É por isso que as palavras: Não sabia, não me lembro, ignorava, deverão ser candidatas a palavras do ano de 2015.
O problema do uso de tal palavreado não teria relevância se não tivessem sido proferidas por gente com alta responsabilidade política e empresarial num país amorfo, com um povo servil e vergado à vara dos detentores do mando.
Suponhamos um país assim. O que teria de ser feito de imediato, pois um perigoso vírus atacou de forma drástica o principal responsável pelo governo nesse país, não o imaginário de Tomás Morus, na sua Utopia, mas um país com gente dentro, assim como os seus mais destacados gestores, banqueiros, auditores e governantes?
Obrigatoriamente o principal político desse país, aquele que é suposto ser o defensor dos direitos, liberdades e garantias das pessoas, de zelar pelo bom funcionamento das instituições, teria de chamar a si a resolução do caso e atacar de morte o vírus medonho que acometeu a memória de gente com tamanha responsabilidade e de gestores que receberam comendas da República por serem considerados os melhores gestores do mundo na sua área.
Era isso o que se esperava de quem tem o dever e a obrigação de zelar pelo pedaço de terra com vista para o mar! Mas nada disso tem acontecido ou se tem vislumbrado poder vir a acontecer. Um ser demitido! Ao outro deveriam ser retiradas todas as comendas e condecorações, pois tudo soou a falso!
O que mais intriga é que tal vírus não tenha afectado o cidadão anónimo. Mas esse está imunizado a tal vírus, pois basta passar um dia e as sinetas tocam, a nota sai e a ameaça é velada. Do género: ou pagas, e com juros, ou vai já para penhora.
O tal gestor, que destruiu a maior empresa de telecomunicações da pátria, questionado sobre movimentações de dinheiro, apenas respondia: não me lembro, não sei, não tive conhecimento. Nada, nadica de nada, do que aconteceu teve a ver com ele. Aliás, não se recorda de nada.
E por aqui ficamos!
Há dias, o arvorado mor erguido pelo partido e votado pelo povo, confrontado com uma falta de pagamento à Segurança Social, também repetiu que não sabia, não se lembra, não foi notificado e ignorava essa obrigação.

Contudo, se no que diz respeito ao melhor gestor do mundo a virose que o atacou prejudicou seriamente uma empresa privada; já no que concerne ao político chefe do governo do país, o ataque que sofreu desse inqualificável e maléfico vírus da memória, o caso já se torna mais complexo, pois tal figura não se cansou de apregoar a moralidade e, à laia de espadachim, desferiu com a sua espada, qual zorro, qual quê, o sinal de caloteiro e sem moral ao comum cidadão, que muitas vezes tinha de optar por comer ou pagar ao fisco e à Segurança Social.