É
difícil entender os cofres cheios e
o Rating
da República em “lixo”.
Há dias, a Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, numa acção
partidária, anunciou que Portugal tinha os «cofres cheios». Adiantou a ministra
de que essa almofada serviria para que Portugal pudesse resistir por alguns
meses sem ir aos mercados caso surgisse uma crise financeira internacional.
Passos Coelho e todos os acólitos opinadores ratificaram a versão ministerial e
aplaudiram, em ululantes intervenções, a lógica dos cofres cheios.
Só que não quiseram referir que esse enchimento dos cofres foi feito à
custa de mais dívida; à custa de pedir mais dinheiro emprestado, originando
mais despesa com o pagamento de juros.
Estas declarações da ministra causaram polémica, tendo em conta o
passado do País, mormente nos 48 anos da ditadura de Salazar, onde este se
orgulhava de ter os cofres cheios de ouro. Só que, em contrapartida, os
portugueses passavam fome, tinham de emigrar para melhorar a sua condição de
vida, não havia escola pública, a saúde pública não existia, a mortalidade
infantil era elevadíssima, praticamente não existiam infraestruturas básicas
(água e saneamento) fora dos grandes centros. Os cofres estavam cheios, mas os
portugueses estavam cheios de fome e miséria!
Não sei se por ignorância da ministra; se por não medir as
consequências de tal frase; ou se o fez mesmo propositadamente e consciente do
que dizia e das consequências que daí poderiam advir, o certo é que não me cabe
aqui curar a concupiscência da ministra no exacto momento em que teceu loas ao
facto de ter conseguido encher os cofres em quase quatro anos.
O que me importa cuidar e analisar é se o estoicismo aplicado pelo
governo nos últimos quatro anos, e, ao que parece, muita satisfação lhe está a
dar, e à maioria que o suporta, foi a razão que, graças às medidas governativas,
tornou possível encher os cofres.
Todavia, e contrariamente ao que o governo pretende fazer crer, a
circunstância de encher os cofres não pode ser apodada de excelência e mérito
na arte da governação, pois, não obstante os «cofres cheios», a situação do
País não mudou, e muito menos a dos portugueses.
Portanto, traçando uma linha condutora de análise factual e objectiva,
importa reflectir sobre a forma e o conteúdo dos “cofres cheios”. Será que os
cofres se encheram graças às medidas aplicadas pelo governo na sua acção? Será
que o corte nas despesas foram a pedra angular que transformou Portugal num
País de bancarrota num país com excedente financeiro? Será que foram os cortes
na Educação, na Saúde e na Segurança Social que encheram os cofres? Não me
parece que tenha sido alguma destas medidas que fez com que o País melhorasse e
passasse de bancarrota a “podre” de rico.
Não! Não foi qualquer medida que nos últimos quatro anos destruíram o
tecido económico; mandaram para a emigração quase 400 mil portugueses e
portuguesas; aumentaram descomunalmente o desemprego; reduziram os serviços
prestados na Saúde Pública; provocaram o caos na Educação; causaram um
descalabro na Justiça; que fizeram com que o dinheiro fosse depositado nos
cofres. Nada disso! Os cofres encheram à custa de mais dívida! Essa é a
realidade! Portugal, aproveitando a queda dos juros, endividou-se ainda mais
nos últimos quatro anos. Quando este governo tomou posse a dívida pública era
de 94% do PIB; hoje a dívida pública está em 130% do PIB. Devemos mais dinheiro
e estamos mais pobres. Essa é a verdade!
Quem não se lembra de em 2010/2011 termos diariamente notícias sobre as
agências de Rating que cortavam a cotação da República Portuguesa? Naquela
altura as agências de notação financeira eram o oráculo dos partidos da
oposição (PSD, CDS/PP, PCP e BE), dos comentadores económicos e políticos que
enxameiam as televisões e que gritavam a plenos pulmões: a Standard &
Poor’s reduziu o rating de Portugal para bbb-; a Fitch reduziu para ccc-; a
Moody’s reduziu o rating para “lixo”. No dia seguinte, a mesma vozearia vinha
lamentar-se de que todas as agências passaram o Rating de Portugal para “lixo”,
que era tempo do governo pedir ajuda externa, bla´, blá, bla´. Foi assim meses
a fio!
Nos últimos quatro anos a conjuntura internacional alterou-se por
completo. O Banco Central Europeu (BCE) assumiu a responsabilidade pela dívida
soberana dos países. Foi o sinal adequado para que os juros da dívida caíssem
de forma descomunal. A própria Comissão Europeia passou a olhar de outra forma
a crise, pois já tinha cumprido o papel a que se propôs no início da difícil
conjuntura: salvar os bancos alemães, franceses, ingleses e norte americanos
que estavam expostos à crise das dívidas soberanas dos países do Sul, por isso
o dinheiro da troika veio para resgatar esses bancos. Feita essa salvação, só
restava às instituições europeias espartilhar os povos dos países sob resgate e
esmifrar todos os direitos conquistados ao longo de anos de luta: corte na
Educação, na Saúde, na Justiça e nos Apoios Sociais.
Para cumprir tal desiderato só necessitavam de ter um governo que fosse
submisso a todas as artes de sodomizar o seu povo. Em Portugal a troika
encontrou um governo à altura e disposto a prestar esse papel.
Contrariamente ao que anunciam os governantes e acólitos, o País está
bem pior que há quatro anos! Mas o país está diferente? Sim, está muito
diferente!
A diferença nota-se nas privatizações que este governo fez. Vendeu tudo
o que dava lucro aos chineses, aos franceses, aos angolanos, aos alemães e aos
brasileiros. O governo arrecadou com as privatizações cerca de nove mil milhões
de euros. Cortou nos apoios sociais – Fundo de Desemprego, RSI e Complemento
Solidário para Idosos -; cortou na Educação; cortou desmesuradamente na Saúde
Pública – portugueses morrem numa maca nas urgências à espera de assistência
médica -; encareceu e provocou o caos na Justiça; terminou o investimento
público.
Contudo, não obstante todos estes cortes em matérias essenciais para o
povo português e o desmesurado, enorme, segundo as palavras de Victor Gaspar,
aumento de impostos o País não melhorou. Ou melhor dizendo: o País não saiu do
“lixo”!
O que se torna caricato é que nos últimos quatro anos deixou de se
ouvir falar das agências de notação financeira em Portugal. O certo é que a
Standard & Poor’s, a Fitch e a Moody’s saíram do léxico político do governo
e da comunicação social. Deixou de haver interesse em Portugal sobre o que
diziam tais agências sobre o Rating da República Portuguesa. Nada, ninguém quis
ou se interessa por saber!
No entanto, apesar de todos os encómios lançados sobre a governação
pelos “papagaios” a soldo do governo e por uma comunicação social submissa e
facciosa, ninguém hoje fala sobre o Rating da República Portuguesa.
Pois bem, apesar de toda a fantasia em redor dos cofres cheios e da
política governativa, o certo é que o Rating da República Portuguesa continua a
ser considerado “lixo” por todas as agências de notação financeira.
Como o governo, erradamente, gosta muito de comparar a gestão das
finanças públicas à gestão financeira de uma família, apenas posso dizer que
Portugal com os cofres cheios está exactamente da mesma forma que aquela
família que tem os cofres cheios e chove dentro de casa porque tem buracos no
telhado.
É assim que Portugal está: cofres cheios, mas cheio de buracos!
*Artigo publicado no Jornal
Notícias de Esposende, Ano IV, n.º 12/2015 – 28/Março a 3/Abril