segunda-feira, 25 de maio de 2015

A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA*

A violência sempre ocupou o desenvolvimento das civilizações;

A violência desde sempre acompanhou o desenvolvimento das civilizações. A criação dos impérios foi gerada através da violência. Mesmo a religião foi, e ainda é, imposta pela violência. Portugal nasceu à custa da violência; de uma violência, podemos dizer, atroz, pois o filho “bateu” na mãe, dado que foi à custa de uma guerra que D. Afonso Henriques levou a efeito contra a mãe, D. Teresa de Leão, que nasceu Portugal. Podemos dizer que nestes aspectos poderemos estar ante uma violência radical, que verga e domina os opositores.
Sendo certo que a violência não deve ser meio de incentivo, ela é, de facto, a forma mais comummente utilizada para a obtenção de um bem ou de uma determinada posição. Aqui poderemos falar da violência física e da violência psicológica, essa também já muito banalizada.
Com a evolução dos meios tecnológicos e com a facilidade de comunicação através das redes sociais, com facilidade se espalham imagens e comentários a retratar actos de violência, sejam eles individuais, em grupo, na escola, na via pública, em casa, no trabalho e em todos os locais onde haja pelo menos duas pessoas – aqui reporto-me apenas e só à violência contra pessoas. Chegadas as imagens a estes canais, logo se inicia uma autêntica “diarreia” informativa – canais televisivos – e a viralidade que emerge nas redes sociais.
Recentemente vivemos esses espectros com casos ocorridos em Portugal. Desde o assassinato de um bebé às mãos do próprio pai; como o assassinato de um adolescente de 14 anos às mãos de um jovem de 17 anos; assistimos, também, à divulgação - ad nauseam – nos canais de televisão e nas redes sociais, das agressões perpetradas, há cerca de um ano, de algumas raparigas e rapazes a um rapaz; também foi noticiado as agressões de um grupo de rapazes a um adolescente de 12 anos dentro do autocarro que os transportava da escola. Nos dois últimos casos, a turba ululante filmava as cenas com um telemóvel.
Para além dos casos acima descritos, muitos têm sido os exemplos de violência que nos têm sido relatados pela comunicação social, desde o assassinato de ex-mulheres, ex-namoradas, ou mesmo de familiares. Nestes casos podemos dizer que estamos perante transformações do amor em ódio, que terá originado as atitudes de violência extrema exercida pelos algozes sobre as vítimas.
Esta semana tem sido alvo de todas as análises, por parte dos mais variados especialistas(?), as cenas de violência ocorridas em Guimarães, no final do jogo de futebol entre o Vitória local e o Benfica, e os confrontos entre um grupo de adeptos e a polícia aquando das comemorações do título conquistado pelo Benfica, em Lisboa.
No que a este último assunto diz respeito, as imagens que nos transmitem sobre o que se passou, demonstram-nos que estamos perante dois casos completamente diferentes e que merecem a devida atenção, quanto mais não seja porque está envolvida uma das forças de segurança do país, neste caso a PSP.
No caso de Guimarães, é-nos apresentada uma imagem chocante, que nos mostra a atitude reprovável de um polícia, por sinal com patente de oficial e comandante, a agredir barbaramente um pai na presença de dois filhos menores, um com 9 anos de idade, e o avô destes e pai do detido. As imagens mostram que há uma desproporção de meios humanos, pois eram vários os polícias ao redor. O pai está a dar água ao filho, que se teria sentido mal dentro do estádio, e é interpelado pelo polícia graduado. Não sei que palavras trocaram! Não sei que gestos fez o civil! O que se viu foi o graduado da polícia a utilizar uma violência desigual contra o sujeito, molestando fortemente o mesmo à força do bastão. Quando o pai do agredido tenta se intrometer, o polícia aplica-lhe um soco e empurra o idoso. E os filhos a assistir a um acto tão degradante. O mais pequeno, vê-se, ficou assustado e em pânico ao assistir a tal violência. Valeu a forma civilizada com um outro polícia, armado de escudo, bastão e capacete de protecção, que recolheu a criança, retirando-a do local e abraçando-a para que não continuasse a assistir a tão bárbaro comportamento de um polícia com responsabilidades, e que talvez fosse o seu chefe.
Neste caso em concreto, o polícia tem grandes responsabilidades, pois, por muito que o civil lhe tivesse dito, ou mesmo lhe tivesse cuspido – é certo que cuspir em alguém é o que de mais degradante se pode fazer a um ser humano -, o graduado tinha por obrigação, para isso são treinados, de não reagir da forma violenta como o fez, mas, isso sim, usar apenas a força necessária para manietar o eventual agressor, até porque ao seu lado estavam mais polícias e o homem estava sozinho com o pai e com os dois filhos menores.
O comportamento da autoridade é o sinal demonstrativo de que se está a banalizar a violência! E essa banalização em detrimento da utilização da força necessária e proporcional retira margem de defesa à autoridade. Não pode ser a autoridade a dar o primeiro sinal da banalização da violência, pois essa é a acendalha necessária para o despoletar da brutalidade.
No entanto, já o que se passou em Lisboa, concretamente no Marquês de Pombal, a situação se torna diferente e, não obstante o muito que possa ser dito e escrito, aí a polícia cumpriu o seu papel, procurar conter uma chusma de meliantes que começaram a provocar desacatos. A actuação policial foi conforme a situação, por muito que queiram dizer o contrário, pois era necessário travar a escandecência de uma turba ululante que já estava, certamente, anestesiada pelo álcool consumido.
Portanto, vivendo nós numa civilização eticamente bem formada e esclarecida, supomos, temos por obrigação de adequar o comportamento às circunstâncias, e as actuações ao meio envolvente.
As multidões não se podem transformar em autómatos que reagem à voz de um chefe, tal como um polícia não pode, nem deve, actuar de forma diferente daquela que não seja a de último recurso. Mais, os crimes das multidões resultam sempre após uma sugestão de um poderoso do grupo, actuando os restantes convencidos de que estão a obedecer a um dever.
Logo, as multidões e os polícias em grupo não podem ceder à vontade de um poderoso. Terão sempre de primeiro medir as consequências do acto. Esse é o primeiro passo para não se banalizar a violência.
*Artigo publicado no jornal Notícias de Esposende n.º 20/2015, de 23 a 29 de Maio de 2015.