Os peregrinos caminham em
direcção a Fátima imbuídos da Fé,
e com o coração carregado de
agradecimento à Virgem Maria.
Nestes
dias das primeiras semanas de Maio, se assim o poderemos dizer, todos os
caminhos vão dar a Fátima. Todos os anos, por esta altura, as estradas enchem-se
de peregrinos, que, em grupo, fazem a sua caminhada para cumprir as promessas
feitas a Nossa Senhora de Fátima, que ouviu as suas preces.
Cientes
dos perigos que correm, ao palmilhar centenas de quilómetros, os peregrinos
entregam a sua sorte ao destino de Deus e da Virgem de Fátima. Não obstante
todos os anos acontecerem tragédias nas estradas de destino, que vitimam
peregrinos, como o ocorrido na semana passada, as pessoas não desistem, não se
encolhem, pois cumprir a sua promessa é o seu desígnio final.
O
povo Português, na sua maioria, venera o culto Mariano! É esta Fé que acalenta
a sua vida. É a esperança em Maria que enche a sua crença. É agradecendo a
Maria que o povo preenche o vazio que o dia-a-adia não lhe oferece.
Nesta
caminhada peregrina, cujo objectivo único se centra no Santuário de Fátima, na
Cova da Iria, não há bolhas nos pés; dores nas articulações; pernas inchadas;
corpo dorido; perigos à espreita em cada passada dada no alcatrão ou no paralelo
da estrada que faça vacilar o caminheiro, pois com o seu coração cheio de amor
e esperança para com a Virgem Mãe, o cérebro desliga-se da dor e o corpo
obedece ao coração. Gente determinada em chegar, que não olha ao mau tempo,
faça sol ou chuva; tempo frio ou quente; o objectivo firme é atingir o zénite
da sua devoção para com Maria: cumprir a promessa feita pela dádiva recebida!
Este
ano já me cruzei na estrada com alguns grupos de peregrinos que caminhavam à
noite, principalmente na EN 13. Circulava eu de automóvel em sentido contrário.
Abrandava a marcha, e, ao mesmo tempo que me ia cruzando com eles, procurava,
aproveitando a luz dos faróis, olhar o rosto de cada peregrino, procurar ver as
feições que cada um apresentava. E via no rosto de cada um, não obstante o
esforço físico que a caminhada lhes causava, uma felicidade, uma tranquilidade,
algo que me sensibilizou, até porque me apeteceu olhar mais em pormenor para
aquela gente que sabia que ainda tinha de caminhar mais de duzentos
quilómetros, mas faziam-no com alegria, felicidade e tranquilidade, pois o seu
amor por Maria os levaria até Ela, que os espera na Cova da Iria.
Este
meu cruzar com os grupos de peregrinos fez-me reflectir e levou-me a procurar
olhar mais em profundidade para a forma simples, mas recheada de bondade e de
querer, para o espírito de equipa, para a ajuda ao outro que cada um dos grupos
em caminhada partilhava para atingir o único objectivo que os ligava a todos,
independentemente de que cada um dos membros do grupo peregrinava no
cumprimento de um acto individual, de uma promessa feita na maior da solidão,
num acto de desespero, mas que agora não se importa de partilhar a ajuda, a
alegria, a comunhão com aqueles que, tal como ele/ela, também pretendem atingir
o mesmo desiderato: chegar a Fátima.
Caminhar
de todos os cantos de Portugal em direcção a Fátima é um esforço desumano,
descomunal mesmo. Mas gente de grande Fé apega-se a Maria e pede-lhe ajuda e
conforto, prometendo-lhe, num acto de desespero, prover o maior dos sacrifícios
que poderá infligir ao corpo, caminhar centenas de quilómetros, mesmo que
divididos por etapas diárias, e fazer romarias de joelhos, por vezes com filhos
ao colo. Admiro a abnegação de quem se sacrifica desta forma, de quem não olha
ao sofrimento físico, pois a sua Fé e a sua alegria em ter sentido que a sua
prece foi ouvida e correspondida por Maria vale mais que todos os flagelos físicos.
A
isto assisto quando, também com a minha devoção, visito o Santuário de Fátima.
Nunca o faço em excursão! Muitas vezes em deslocações de Sul para Norte, faço
um desvio e visito a Capela das Aparições. Faço-o isoladamente. Num processo
solitário. Sinto-me só no meio de tanta gente, mas confortado pelo ambiente que
lá se respira. Ir em visita ao Santuário de Fátima deverá ser sempre um acto
isolado, contemplativo, devoto; não em rebanho, não direcionado para um
determinado ponto, não estar subjugado a um plano de viagem: chegar, ouvir a
missa, no final comer o que leva no farnel e depois entrar no autocarro e voltar
para casa. Não! Ir a Fátima, com Fé e Devoção, é uma acção solitária, não uma
excursão, uma festa, para isso deve escolher-se outros locais, não os de culto.
Sabemos
que o culto de Fátima e a sua peregrinação incide essencialmente no dia 13 de
Maio. Este é o ponto alto das celebrações, data da primeira aparição da Virgem
aos Pastorinhos, que celebra o seu centenário daqui por dois anos.
Portanto,
o maior êxodo de peregrinos caminhantes em direcção a Fátima ocorre no dia 13
de Maio. Talvez por isso nunca ninguém se tenha dado ao trabalho de pensar numa
forma alternativa ao caminho utilizado pelos peregrinos, que circulam em
estradas com muito trânsito, muitas delas sem bermas para caminhar, que
percorrem troços de itinerários complementares que levam os automobilistas a
circular com mais velocidade e, por isso, os perigos de acidentes são mais
expostos.
Nos
últimos dias tem-se falado, muito por culpa do acidente que causou a morte a
cinco peregrinos que caminhavam para Fátima e causou mais cinco feridos, entre
os quais três com grande gravidade, em criar caminhos alternativos para os
peregrinos de Fátima, a exemplo do que se faz com os caminhos de Santiago.
Contudo,
os peregrinos que caminham para Fátima não são iguais aos peregrinos que
caminham em direcção a Santiago! Para Santiago os peregrinos já caminham desde
o século IX. Foi a peregrinação mais concorrida da época medieval. Os
peregrinos iam visitar a Catedral de Santiago por ser suposto que lá seja o
túmulo do Apóstolo. Mas também porque as pessoas entendiam que fazer a
peregrinação a Santiago lhes seria concedida indulgência plena a quem a
fizesse. Como nessa época os transportes não existiam, as peregrinações eram
feitas a pé. Daí que haja os trilhos que se denominam de Caminhos de Santiago.
Sem
querer entrar em alguma heresia, posso dizer que a peregrinação a Fátima, a 13
de Maio, é para os católicos, salvo as devidas diferenças em relação ao
entendimento da peregrinação, igual à peregrinação que os Muçulmanos fazem
anualmente a Meca. Sendo que estes entendem que um Muçulmano tem de, pelo menos
uma vez na vida, visitar Meca.
Enquanto
ao longo do ano vemos caminheiros em direcção a Santiago, uns solitários,
outros aos pares ou em grupos pequenos, para Fátima apenas as primeiras semanas
de Maio é o espaço temporal da caminhada. E talvez por isso ainda não tenha
havido o cuidado, o interesse e a preocupação de começarem a ser preparados
caminhos alternativos, trilhos da natureza e albergues para acolher os
peregrinos de Fátima.
Também
hoje há uma diferença muito grande entre os caminhos de Fátima e os caminhos de
Santiago. Actualmente os caminhos de Santiago são percorridos por uma grande
parte dos peregrinos como trajecto histórico, cultural e espiritual, e não como
uma devoção. Ao contrário dos peregrinos que caminham para Fátima que o fazem
com Devoção, com Fé e com o sentimento de ter de cumprir a promessa feita à
Virgem de Fátima pelas graças concedidas.
Mas,
já agora, porque não também os municípios que são atravessados pelos caminhos
de Fátima começarem a pensar em criar caminhos alternativos, agradáveis para a
caminhada, com ofertas de paisagens deslumbrantes e natureza que ajude os
caminheiros a amenizar a sua viagem, bem como os albergues para os peregrinos
de Fátima? Certamente que se existissem essas condições, os peregrinos
cumpririam as suas promessas ao longo do ano. E todos ganhavam!
*Publicado no Jornal
Notícias de Esposende, n.º 18/2015, 9 a 15 de Maio de 2015.