sexta-feira, 24 de julho de 2015

A VERBORREIA DO BENJAMIM*

É escola no nosso burgo em clima de festa
 expelir verbosidade saloia.

O presidente da autarquia, Benjamim Pereira, aprendeu bem nos livros da demagogia verbal e populismo saloio, quando em clima de festa e frente a uma plateia subserviente, a lançar uns dislates discursivos que levam no engodo muito boa gente.
Com púlpito e microfone à frente, Benjamim, qual artista na arte da declamação, lá vai recitando as frases que decorou e fazem parte da sua cartilha. É certo que o “disco” já está gasto de tanto falar em investimento em Esposende. Anda a repetir a lengalenga há quase dois anos.
A primeira verbalização disparatada é a de que «Esposende está com uma dinâmica de investimento ímpar» e «em Esposende, o dinheiro é investido com critério».
Perante tal dislate, importa, objectivamente, desconstruir este palavrório ardiloso, pois a enaltecida dinâmica de «investimento impar» não se vislumbra, pelo que importa, acima de tudo, analisar o conceito de “investimento público” e não alterar a semântica conceptual no sentido propositado de adulterar a realidade dos factos.
Portanto, é essencial que se diga que o tal “investimento impar” propalado por Benjamim Pereira nada tem a ver com a dinâmica da sua gestão camarária.
Primeiro: Obras do Programa Polis Litoral Norte – Este é um programa criado pelo anterior governo que visa, no essencial, promover a recuperação do litoral Norte, e do qual também fazem parte as Câmaras de Caminha e de Viana do Castelo, assim como o governo central que detém a maioria do capital social na empresa criada para o efeito.
Entretanto, no início da sua legislatura, o actual governo PSD/CDS, pela voz da ministra do Ambiente da altura, Assunção Cristas, cancelou a execução do programa e pretendia, mesmo, deixar cair o projecto.
O mesmo fez a Câmara Municipal de Esposende, em reunião de Câmara de 13 de Setembro de 2012, aprovando, com o voto favorável de Benjamim Pereira, na altura vice-presidente, uma proposta que tinha como objectivo a saída da Câmara de Esposende do Programa da Polis Litoral Norte, propondo que o governo comprasse a quota do Município por pouco mais de um milhão de euros – isto depois de concluída a 2.ª fase da zona ribeirinha de Esposende. Nessa reunião de Câmara, o vereador do PS votou contra. Também o PS Esposende tornou pública a sua posição de não concordar com o abandono de tal programa, dado que havia ainda obras a concluir.
O certo é que pela pressão do PS Esposende e pelos dois outros municípios que fazem parte do capital social, o presidente da Câmara da altura, João Cepa, não levou à Assembleia Municipal a proposta para ser ratificada, argumentando falaciosamente que a posição tomada na Câmara era no sentido de pressionar o governo. Balelas costumeiras.
Hoje verificamos, mas ainda bem que há eleições Legislativas, que o governo “descobriu” o dinheiro que não queria aplicar no programa e as obras seguem, o que tanto orgulho tem dado a Benjamim Pereira, e demonstra a razão do PS Esposende em se opor à saída da Polis Litoral Norte.
Contudo, por sua vontade este programa teria terminado em 2012. Mais, o Programa Polis Litoral Norte, por muito que custe aceitar a muita gente, é um projecto do anterior governo do Partido Socialista, que o lançou e desafiou as três autarquias a envolverem-se no Programa. E parece que Benjamim Pereira se tem esquecido de dizer isso. O presidente da Câmara enche a boca a falar dos 14 milhões de investimentos do Programa Polis, dando a sensação que é ele e a Câmara que dirige que fizeram esses investimentos. A Câmara de Esposende entrou para o capital social do programa com pouco mais de 3 milhões de euros. Portanto, graças à visão do governo do Partido Socialista é que o Programa Polis está a investir no litoral de Esposende! É isto que Benjamim Pereira oculta na sua verbosidade.
Segundo: Ampliação das ETAR da cidade de Esposende concretizada pelas Águas do Norte – Esta empresa surgiu com a agregação de várias empresas, dando azo ao desmantelamento da anterior empresa Águas do Noroeste. Esta decisão do actual governo de criar uma grande empresa de gestão da água em alta e das águas residuais é o primeiro passo para se promover a privatização da água. Que eu saiba, Benjamim Pereira não se pronunciou publicamente sobre a posição da Câmara de Esposende no que toca ao desmantelamento da empresa Águas do Noroeste, empresa em que a Câmara é accionista com um capital de 700 mil euros, o que demonstra bem a sua subserviência ao actual governo, esquecendo que o seu papel é defender os interesses dos esposendenses. Já assim foi com a desqualificação do tribunal!
Entendo que Benjamim Pereira ao falar em «investimento» por parte da empresa Águas do Norte está a deturpar o conceito, pois só se poderá compreender como investimento algo que seja benéfico para a população em geral. O que não me parece que seja o caso. Neste caso concreto estaremos mais perante um investimento em proveito da própria empresa, pois pretende reduzir custos de funcionamento, pelo que não deverá ser elogiado pelo presidente da Câmara, mas isso são entendimentos.
Agora o que Benjamim Pereira deveria dizer aos Esposendenses era, na realidade, se vamos ver reduzido o valor da factura da água que mensalmente pagamos graças a esses “investimentos”?, pois na realidade só será investimento tudo aquilo que tem como objecto melhorar a vida das pessoas e reduzir substancialmente os valores a pagar pelos contribuintes. Falta Benjamim Pereira anunciar “Urbi et Orbi” qual vai ser o benefício para os esposendenses na factura da água os ditos “investimentos”.
Terceiro: «Criação do Centro de Negócios» - É sabido que a Câmara de Esposende tem parecido mais uma empresa de organização de eventos e promotor imobiliário do que na realidade uma Câmara Municipal. A compra de terrenos começou por ser anunciada por Benjamim Pereira como intenção de promover a construção de habitação a custos controlados. Agora surge o anúncio de que será para a “Criação do Centro de Negócios”.
Contudo, falta Benjamim Pereira dizer aos esposendenses em que estudos, projectos e pareceres se baseia para promover a construção do dito cujo “Centro de Negócios”. Explique, porque os esposendenses querem saber!
Quarto: Os esposendenses estão à espera de ouvir, do alto dos seus tamancos do poder e de frente para o seu púlpito e microfone, o que tem Benjamim Pereira a dizer, já que nestes aspectos essenciais para a vida concreta das pessoas nada disse, sobre o seguinte:

- Explique porque motivo a Câmara foi submissa e subserviente ao permitir a construção do aberrante mamarracho junto às margens do rio Cávado (estação elevatória em Fão) por parte das Águas do Noroeste que é um atentado à paisagem urbanística e ambiental?;
- Explique o motivo pelo qual a Câmara Municipal de Esposende não se pronunciou publicamente sobre a intenção do actual governo de encerrar dois GIP’S (Gabinetes de apoio aos desempregados) no concelho de Esposende, mais concretamente, pelos critérios previamente estabelecidos e devidamente orientados, os GIP’S de Forjães (ACARF) e o da Junta de Freguesia de Apúlia e Fão? O encerramento destas entidades causa mais transtornos e despesas aos desempregados, que são aqueles que mais prejudicados são;
- Explique aos esposendenses porque decidiu a Câmara aderir apenas a um balcão único e não a mais; e, essencialmente, explicar o motivo pelo qual decidiu que esse balcão único fique dentro do edifício da Câmara e não, por exemplo, na margem Sul do concelho, para servir a população desse lado, isto porque em Esposende já estão sediados os serviços públicos que também prestam a maioria dos serviços oferecidos pelo balcão único, razão pelo qual esse serviço deveria ser descentralizado para maior proximidade com os cidadãos, dado que esse é o papel fundamental das autarquias locais?;
- Explique o que se passa, e qual o seu futuro, com a extensão de Saúde de Apúlia, onde há falta de médicos?;
- Explique o que está a acontecer na Escola de Música de Esposende, tendo em conta a manifestação dos alunos no interior do edifício dos Paços do Concelho?;
Quinto: «O dinheiro é investido com critério» - Qual o critério e quais os parâmetros que Benjamim Pereira e a Câmara entendem:
- Será critério gastar 10 mil euros dos cofres camarários para comparticipar num concerto promovido por uma empresa privada de distribuição, que factura milhões anualmente na sua loja de Esposende e nem um cêntimo paga de impostos no Concelho e no País?;
- Ou seria um bom critério colaborar com tal verba com a Junta de Freguesia de Apúlia e Fão para a aquisição de uma máquina rectroescavadora que tanta falta faz diariamente à autarquia para promover o bem-estar da população e resolver os problemas concretos das pessoas?;
Sexto: Diz Benjamim Pereira «…tudo isto numa conjuntura difícil, com restrições financeiras» - Tal como o seu querido líder do governo central, Benjamim Pereira perdeu a noção do ridículo e não consegue mudar a “cassete”.
Ao dizer tal desmando, o presidente da Câmara está a gozar com os esposendenses, senão vejamos:
- Benjamim Pereira orgulha-se de ter dois milhões de euros numa aplicação financeira no Banco BIC, o banco angolano que recebeu quase de borla o BPN. Será isto conjuntura difícil?
- Só no ano de 2014 a Câmara Municipal de Esposende cobrou de impostos directos aos esposendenses o valor de mais de 6 milhões e quinhentos mil euros. Se isto é ter restrições financeiras, se isto é conjuntura difícil, que dirão as pessoas que se veêm sonegadas dos seus rendimentos?
Os esposendenses esperam que Benjamim Pereira se pronuncie publicamente sobre o verdadeiro problema concreto das pessoas e não de banalidades discursivas.

Nota: O autor escreve com o antigo AO.


*Artigo publicado no Jornal Notícias de Esposende, n.º 26/2015 – 19 a 25/Julho.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

A ROUBALHEIRA LEGALIZADA

Em 2008, o mundo entrou numa crise financeira comparável apenas à ocorrida em 1929. E por detrás de toda esta crise, que tem levado à ruina social milhões de europeus, estão os bancos. Esse mundo obscuro da finança capturou o mundo político em toda a sua verdadeira acepção e acorrentou políticos, legisladores e tecnocratas das instituições europeias e internacionais, que se habituaram a ir à manjedoura da finança encher o bornal, para defenderem os interesses do mundo da banca.
Os políticos, por interesses meramente individuais e, em alguns casos, corporativos, deixaram-se enredar na teia montada pela alta finança. E, assim, o mundo financeiro passou a deter as rédeas do mundo.
Sendo assim, não restam dúvidas de que a banca – comercial e especulativa – trataram de atar aos seus interesses os políticos, sejam do poder executivo, seja do legislativo, coarctando-lhes a liberdade e obrigando-os a vergarem-se perante os mandos do capital especulativo. Foi semeado um pasto onde todos os especuladores se podem lambuzar, deixando meramente uns restos do pasto para os petulantes subservientes que se ajoelham perante um mero prato de lentilhas.
A banca entrou numa espiral de loucura e de falências sem comparação nos últimos sete anos. Por isso, logo trataram de impor aos políticos vergados aos seus interesses a aprovação de legislação que promovesse a legalização da roubalheira que a banca promove junto dos pobres clientes. É do conhecimento geral que praticamente todas as pessoas têm a necessidade de ter uma conta aberta num banco, seja para receber o salário, um subsídio, a reforma, etc.
A banca descobriu como se poderia financiar, sem custos, de forma encapotada, e, vai daí, exige aos políticos, que se encontram de joelhos perante este sorvedouro de interesses, que promovam a legalização desse financiamento através da aprovação da cobrança de despesas de manutenção das contas, inventadas pelos bancos.
Dessa forma, os bancos começam a “saquear” as contas dos pobres miseráveis que recebem o seu salário, a sua reforma, o seu subsídio, pois decidiram impor um tecto alto como limite ao valor a ter depositado na conta à ordem ou em aplicações.
Não há pudor, ética e vergonha no mundo da alta finança. Por isso, um reformado que recebe 156,00€/mês de reforma vê a Caixa Geral de Depósitos retirar da sua conta, como despesas de manutenção, o valor de 10,40€, acrescido do valor de imposto de selo que reverte para os cofres do Estado.
Outro exemplo é vergonhosamente dado pelo Millennium bcp, que tem o topete de roubar 5,20€/mês, mais o valor de imposto de selo que reverte para o Estado, a uma conta que tem à ordem cerca de 5 mil euros, mas pouco movimentada por necessidade.
Portanto, como é possível que o governo permita este abuso dos bancos? A existência de uma conta bancária para as pessoas é uma necessidade.
Agora, é por demais aberrante a legalização desta roubalheira, pois andam os que pouco dinheiro têm a ser espoliados para sustentar a manigância da banca e os desmandos dos conselhos de administração e a encher o bandulho em dividendos para uma trupe que nada produz.

Haja coragem política de enfrentar este lóbi da banca que é funesto para os pobres portugueses!

terça-feira, 14 de julho de 2015

ADEUS, “BERNARDO”!*

Não sou muito dado a notas necrológicas nem a textos panegíricos. Por feitio não teço elogios públicos a ninguém, a não ser alguém muito especial e que mereça a minha consideração pessoal.
Portanto, fazendo este registo de interesses, este texto é escrito com o coração, pois é dedicado a um grande Amigo e a um Homem Bom.
A letra, de Jorge Fernando, no fado “A Chuva”, diz-nos: «As coisas vulgares que há na vida não deixam saudades / Só as lembranças que doem o fazem sorrir / Há gente que fica na história, da história da gente / E outras de quem nem o nome lembramos ouvir / São emoções que dão vida, à saudade que trago / Aquelas que tive contigo que acabei por perder / Há dias que marcam a alma e a vida da gente / E aquele em que tu me deixaste não posso esquecer…».
De entre a gente que fica na História, o Bernardino Capitão Abreu, o “Bernardo”, como nós, os amigos, o tratávamos, é um dos que marca a alma e marca a vida daqueles que com ele conviveram, como foi o meu caso.
A distância entre a minha casa e a do Bernardino dista cerca de 800/900 metros. Trabalhamos, em profissões diferentes, ambos mais de 20 anos na cidade de Viana do Castelo, portanto era raro o dia em que não nos cruzávamos.
Mas onde a nossa amizade se enraizou e onde aprendi a admirar a forma de ser e estar do “Bernardo” foi na política partidária, o que prova que na política também conseguimos granjear grandes e puras amizades. A dedicação à causa Socialista por parte do Bernardino, através da actividade partidária, é o exemplo acabado de que nos partidos políticos não há só interesseiros ou alguém à procura de protagonismo e de interesses pessoais, nem os partidos políticos são um bando de malfeitores, como ousam acusar uma grande maioria das pessoas. Nada disso! O “Bernardo” era um Socialista por convicção e amigo de ajudar. Enveredou pela actividade partidária como uma forma de exercer cidadania e ajudar os outros. Era puro na sua envolvência partidária! Nunca quis nada e nunca pediu nada! Nunca exigiu lugares, nem discutiu o que quer que fosse! A sua disponibilidade para trabalhar era admirável, era sempre o primeiro a dizer presente. Só o facto de ter convivido com o “Bernardo”, valeu a pena andar nas lides partidárias.
O “Bernardo” era um homem Solidário, de paz, de bom senso e amigo do amigo! A qualquer dia ou a qualquer hora estava sempre disponível para ajudar quem a ele recorria, ou porque tinha uma avaria eléctrica, ou porque um motor não trabalhava, fosse porque a televisão não estava a funcionar bem. Feito o alerta, logo ele se munia da sua mala de ferramenta, e sempre bem-disposto, lá ia desenrascar o amigo. O “Bernardo” era assim, sempre disponível!
Para além de todas estas boas características, o “Bernardo” tinha um sentido de humor fino. Era um brilhante contador de histórias, mormente sobre figuras mais antigas que marcaram a nossa freguesia de naturalidade. A sua forma de contar essas histórias, faziam-me, e a todos que o ouviam, inundar os olhos de lágrimas com tanto rir. Que saudades já tenho das horas de convívio e das suas histórias! Com ele também partiu um acervo brilhante de histórias de pessoas tão peculiares.
O “Bernardo” era um homem simples, mas não simplório!; era um homem humilde, mas não se humilhava!; era um homem culto, mas sempre disponível para ouvir e aprender com os outros! Nos seus finais de tarde, no Café Cine, em Esposende, lá estava ele no meio do grupo, sempre respeitador, sem entrar em discussões, e quando tinha alguma dúvida calava-se, tomava nota, e no dia seguinte trazia a resposta certa. Era assim o meu Amigo “Bernardo”! Também lá no Café Cine, muitas vezes, lá estava o “Bernardo” a programar (ou reprogramar) os telemóveis de alguns amigos e a explicar-lhes o seu funcionamento, eram “consultas” gratuitas que ele oferecia com boa disposição. Também lá ia ele, sempre que chamado a tal, verificar o computador de algum. Eu assistia a isto divertido e achava piada às suas tiradas.
O “Bernardo” era um Homem Bom, um grande Amigo, um Bom Marido, um Pai extremoso e um Avô babado e extraordinário. Tinha orgulho nos seus filhos! Mas a alegria nos seus olhos eram os netos! Sempre me dizia: «”pasinho” vou passar uns dias ao Porto para os meus netos; ou vou para Braga ao meu neto». Era assim, sempre disponível para ajudar os filhos e estar com os netos, a sua alegria!
O “Bernardo” faleceu no dia 29 de Junho, para mim a notícia foi como um murro no estômago. Até hoje ainda não senti coragem de ir ao Café Cine, ao fim da tarde, onde nos encontrávamos. Peço desculpa aos amigos de tertúlia dos fins de tarde do Café Cine, mas ainda não consegui arranjar coragem para lá estar e não encontrar o “Bernardo”.
Esta minha nota também servirá para memória futura dos seus netos, para eles saberem, pela pena de alguém de fora da família, que tinham um avô extraordinário e que se devem orgulhar dele.
O “Bernardo” deixa-me saudades, mas também à sua esposa, aos seus filhos, aos seus pequenos netos, aos seus irmãos e suas irmãs, e a todos os amigos que com ele conviviam, pois ele era diferente, era um homem bom, sem rancor.
Adeus, “Bernardo”!
Esposende, 10 de Julho de 2015

Nota: O autor, por opção, escreve com o antigo AO.

*Crónica publicada no Jornal Notícias de Esposende, n.º 25/2015 - 12 a 17 de Julho


quarta-feira, 8 de julho de 2015

OS CONSELHEIROS, OS FIDALGOS E OS CONDES

A sociedade portuguesa é igual ao que era há 150 anos;

assim como o comportamento dos políticos !

Tenho como vício estudar e analisar o comportamento da sociedade portuguesa, na componente social e política.
Para poder alicerçar a minha opinião sobre a estagnação, evolução ou regressão do comportamento dos portugueses recorro à (re)leitura das obras de dois escritores clássicos portugueses que nos legaram uma extensa obra a retratar a sociedade portuguesa na última metade do século XIX, refiro-me a Eça de Queiroz e a Camilo Castelo Branco.
Eça de Queiroz deixou-nos um rico espólio escrito num retrato crítico à sociedade portuguesa do final do século XIX.
Hoje, ao comparar o nosso comportamento como sociedade e na intervenção individual, posso dizer, sem correr o risco de ser exagerado, que estamos exactamente iguais ao que éramos nos finais do século XIX: Uma sociedade de hipócritas, falsos, revanchistas, egoístas, subservientes, corruptos, intriguistas, invejosos, falsos moralistas e preocupados com as aparências.
Portanto, continuamos a ser uma sociedade pejada de “conselheiros Acácios”, aquela figura que Eça de Queiroz nos descreve no romance “O Primo Basílio”. O conselheiro Acácio era um aposentado do cargo de director-geral do Ministério do reino e que recebeu o título de conselheiro por carta régia. Os seus actos eram sempre medidos, mas não passava de um hipócrita, ridículo e convencido. Perante a sociedade, o Conselheiro Acácio era um moralista, defensor fervoroso da sã moral e dos bons costumes. O que fazia dele, aos olhos da sociedade, como um público paladino da família e defensor das virtudes cristãs. Todavia, este homem é o digno representante do falso moralismo e apego às aparências, pois se em público fazia questão de se expressar com citações morais, “em privado lia os poemas eróticos de Bocage”, e, apesar de ser um solteirão, escondia o seu concubinato com a empregada, a Adelaide, que, por sua vez, o encornava com um caixeiro. É um sujeito pomposo, formalista e arvorado em intelectual, é uma das personagens mais relevantes e famosas do acervo queirosiano, sendo responsável pelos «adjectivos “acaciano” e “conselheiral”, que são usados quando se pretende apontar o falso padrão moral de alguém».
Por isso, é quase impossível que nós nos dias de hoje não nos cruzemos e lidemos com figuras que nos lembrem o Conselheiro Acácio, pois eles existem às carradas no nosso meio.
Eça presenteou-nos com as mais soberbas denúncias de vícios de carácter, não só na capital, mas também na província, tal o cardápio de misérias humanas que nos apresenta – mesquinhez, vaidade, hipocrisia, cobardia e muitos mais. O livro “Uma Campanha Alegre”, representa o que de mais asqueroso existe na sociedade e no mundo da política, é um exemplo. Mas Eça de Queiroz, em toda a sua obra, descreve-nos personagens, umas mais fingidas, outras mais gananciosas, também gabarolas, cobardes, e que ainda hoje encontramos todos os dias.
Em “A Ilustre Casa de Ramirez”, Eça criou a figura de Gonçalo Mendes Ramirez, um hesitante, um fraco e de carácter débil, que vivia obcecado em honrar a tradição familiar e a ambição política, tendo a vontade e o desejo de alcandorar a um cargo público. A este último chegou, mas teve de se humilhar aos favores de André Cavaleiro, o governador civil, seu amigo de infância que depois se tornou inimigo, que o fidalgo tanto criticava e mostrava publicamente o ódio que tinha por ele, que foi quem lhe proporcionou a eleição para deputado, bem como a atribuição do título de marquês de Treixedo. Depois de o lançar na política tornou-se amante da irmã do fidalgo. Envergonhado, o ilustre fidalgo parte para África, onde permanece quatro anos. O retrato do fidalgo da torre de Santa Ireneia apresenta-nos um homem generoso e humano, mas também cobarde e torpe. Desconfiava de si mesmo, o que o acobardava e o encolhia, a fuga para África é o exemplo do Portugal do tempo de Eça – mas também de hoje -, um país dilacerado entre um passado glorioso e a miséria presente. 
Em “O Conde de Abranhos”, Eça de Queiroz traz à estampa a figura de Alípio Severo Abranhos, a personagem central da obra que é o símbolo do político imbecil, hipócrita, oportunista e inculto. Este livro, escrito em 1878, é uma sátira à classe política portuguesa, mas que se mantém com uma incrível actualidade. O livro é como uma biografia do Conde de Abranhos, escrita pelo seu fiel secretário, que não passava de um tonto, pois julgando estar a fazer um eloquente elogio de Alípio, mais não fez que desvendar os testemunhos da sua incompetência e oportunismo. Desde cedo que Alípio queria fugir da ruralidade e dos pobres, tratando mesmo mal o próprio pai, pois preferiu deixá-los na miséria para que não o envergonhassem em Lisboa.
Alípio Abranhos tinha um princípio fundamental: “para felicidade dos povos, a ignorância é fundamental. Que o povo acredite, aceite e não questione”. Na Universidade, Alípio tornou-se um delator, um “lambe-botas”, que para conseguir alguns “favores” junto de superiores não teve pejo em denunciar um colega através de uma carta anónima, aliás como o foi pela vida fora como político. Também nessa altura tem um caso com uma criada, que abandona com um filho nos braços. Olhamos para hoje e parece que estamos no tempo do Eça!
A sua primeira eleição foi em Freixo de Espada à Cinta, localidade que ele pensava que se situava no Minho – aliás a exemplo do que hoje também acontece com muitos deputados que não conhecem a região por onde são eleitos -, mas isso não o impediu de engraxar os freixienses até ao máximo do brilho. Contudo, logo que foi eleito e se viu livre deles, o Conde de Abranhos os apelidou de “horda de carrapatos”. No parlamento fez sucesso graças aos seus discursos balofos e sem conteúdo.
No entanto, em pouco tempo, Alípio Abranhos transformou-se noutra figura típica da política portuguesa: “o vira-casacas”, considerando que os partidos são todos iguais, entende que é preferível estar do lado do que ganha. Já no final da carreira política, este imbecil típico da classe política portuguesa foi nomeado, pelo Rei, ministro da Marinha, apenas e só porque tinha uma mulher vistosa, não obstante não perceber nada da Marinha e do Mar.
Também Camilo Castelo Branco, em “A Queda dum Anjo”, escrito em 1866, satiriza, através da caricatura de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado da Agra de Freimes, um fidalgo transmontano, que é o anjo do título, que se desloca da província para Lisboa.
Esta parábola Camiliana, recheada de um fino humor, descreve de maneira caricatural a vida social e política portuguesa, ao narrar a mudança ocorrida com Calisto, um fidalgo austero e conservador, que encarna de maneira satírica o povo português, pois ao ser eleito deputado vai para Lisboa e aí se deixa corromper pelo luxo e pelo prazer que impera na capital.
Ao mesmo tempo que no parlamento planeava lutar pela redução dos impostos, pelo combate ao luxo, e estava sempre em defesa da moral e dos bons costumes, tendo-se tornado conhecido pela linguagem antiga e difícil, tornou-se amante de uma prima distante, nascida no Brasil, entrando assim numa relação reprovada pela sociedade puritana portuguesa, moral que ele defendia nos seus discursos puritanos no Parlamento, mas que não praticava.
Também ele não teve pejo em mudar a sua posição política, pois trocou o partido miguelista (que estava na oposição) pelo partido liberal (que estava no poder). Por sua vez, a esposa de Calisto Elói, ao ver-se desprezada pelo marido, imita-o na devassa da moral e é igualmente corrompida, pois também ela, uma aldeã, sucumbe aos prazeres da modernidade e enrola-se num relacionamento com um primo que não passava de um interesseiro.  
Analisando as características do personagem Calisto, a narração mostra-nos a miséria moral e intelectual do novo panorama político de Lisboa, muito por fruto do liberalismo que produz má-fé e oportunismo. O texto mostra a preocupação exagerada com a forma do discurso nas instâncias políticas, quando o principal deveria ser o assunto em si, a busca de melhorias para a população.
Ontem como hoje, a menor das preocupações dos políticos parece ser com as pessoas!

 Nota: Por opção, o autor escreve com o antigo AO.

sábado, 4 de julho de 2015

“ANDA UM ESPECTRO SOBRE A EUROPA”

Marx e Engels iniciavam o seu “Manifesto do Partido Comunista” com a frase que dá título a esta crónica.
O espectro de que os autores falavam era o Comunismo – adiantando que “todos os poderes da velha Europa se aliaram para uma santa caçada a este espectro”.
Também hoje, 143 anos depois desta frase, os poderes da Europa e do capitalismo financeiro se aliam para espalhar o espectro da actualidade: o Medo!
Na Europa da União Monetária à deriva, com líderes que não querem, pelo seu facciosismo e narcisismo, reconhecer que as políticas aplicadas à zona euro de há cinco anos para cá falharam redondamente, estão apostados em implementar o espectro do medo sobre a população europeia em geral e na grega em particular.
Desafiados pelo governo grego, que organizou um referendo para que os gregos, de forma democrática e livre, dissessem que futuro queriam para si próprios e para a Grécia. O pedido era apenas e só que os gregos dissessem SIM ou NÃO às medidas de austeridade que as instituições europeias querem continuar a impor e que o governo grego se recusa a aplicar na dose exigida.
Perante este desafio do governo grego, logo os mercados e os líderes europeus iniciaram a sua saga da imposição do medo. Tal é a sua voracidade, que não têm pejo de ameaçar o povo grego, caso o NÃO saia vencedor deste referendo, da desgraça financeira. Até por cá ouvimos os dislates pronunciados pelos coveiros deste país, como Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas, Durão Barroso e os mais variados comentadores avençados da comunicação social, tal como as costumeiras vuvuzelas que se habituaram a destilar o seu ódio aos gregos, procurando, ao mesmo tempo, ameaçar os portugueses de que se ousarem votar num novo governo, em Setembro/Outubro, calhará aos portugueses o mesmo caminho dos gregos. Esta é a mais reles chantagem que poderá ser feita a um povo que tem sido fustigado por uma grande austeridade que tem afundado cada vez mais o país, ao contrário da doutrina que os pregadores da coligação de direita anunciam.
Para além deste espectro do “medo” que é espalhado pelos líderes europeus e pelas instituições, também a lógica do pensamento único é o alfa e o ómega do discurso europeu. Para fazerem vingar a sua posição, esta gente não tem pejo em destruir pessoas; em degradar vidas; em desmantelar famílias; em afundar países. Pois apenas têm um fito: provar que não falharam e que só o caminho que eles impõem é o correcto. Dizem, sem vergonha, que não há outro caminho. Por isso procuram destruir quem ouse os enfrentar e dizer que há outro caminho menos doloroso para o povo.
Na Europa corre o espectro da supremacia. Apruma-se a lógica de dois mundos dentro da Europa. Procura-se a divisão entre os ociosos do Sul e os trabalhadores do Norte; promove-se a cisão entre os Católicos do Sul e os Protestantes do Norte.
Dessa forma, os líderes do Norte demonstram bem a sua inveja pelos povos do Sul: invejam o sol, as praias, a gastronomia, o clima, a afabilidade. Por isso não param de apodar de preguiçosos os povos do Sul. Os invejosos do Norte confundem o que vêem em tempo de férias!
É este espectro do medo e do pensamento único que está a destruir o conceito de solidariedade e de coesão que foram os pilares da construção da Europa nos resquícios da II Guerra Mundial. Não podemos esquecer que a II Guerra Mundial nasceu da loucura de Hitler em querer ser o dono da Europa, mas também do medo imposto ao povo alemão.