Não sou muito dado a notas
necrológicas nem a textos panegíricos. Por feitio não teço elogios públicos a
ninguém, a não ser alguém muito especial e que mereça a minha consideração
pessoal.
Portanto, fazendo este registo de
interesses, este texto é escrito com o coração, pois é dedicado a um grande
Amigo e a um Homem Bom.
A letra, de Jorge Fernando, no
fado “A Chuva”, diz-nos: «As coisas
vulgares que há na vida não deixam saudades / Só as lembranças que doem o fazem
sorrir / Há gente que fica na história, da história da gente / E outras de quem
nem o nome lembramos ouvir / São emoções que dão vida, à saudade que trago / Aquelas
que tive contigo que acabei por perder / Há dias que marcam a alma e a vida da
gente / E aquele em que tu me deixaste não posso esquecer…».
De entre a gente que fica na
História, o Bernardino Capitão Abreu, o “Bernardo”, como nós, os amigos, o tratávamos,
é um dos que marca a alma e marca a vida daqueles que com ele conviveram, como
foi o meu caso.
A distância entre a minha casa e
a do Bernardino dista cerca de 800/900 metros. Trabalhamos, em profissões
diferentes, ambos mais de 20 anos na cidade de Viana do Castelo, portanto era
raro o dia em que não nos cruzávamos.
Mas onde a nossa amizade se
enraizou e onde aprendi a admirar a forma de ser e estar do “Bernardo” foi na
política partidária, o que prova que na política também conseguimos granjear
grandes e puras amizades. A dedicação à causa Socialista por parte do Bernardino,
através da actividade partidária, é o exemplo acabado de que nos partidos
políticos não há só interesseiros ou alguém à procura de protagonismo e de
interesses pessoais, nem os partidos políticos são um bando de malfeitores, como
ousam acusar uma grande maioria das pessoas. Nada disso! O “Bernardo” era um
Socialista por convicção e amigo de ajudar. Enveredou pela actividade
partidária como uma forma de exercer cidadania e ajudar os outros. Era puro na
sua envolvência partidária! Nunca quis nada e nunca pediu nada! Nunca exigiu
lugares, nem discutiu o que quer que fosse! A sua disponibilidade para
trabalhar era admirável, era sempre o primeiro a dizer presente. Só o facto de
ter convivido com o “Bernardo”, valeu a pena andar nas lides partidárias.
O “Bernardo” era um homem Solidário,
de paz, de bom senso e amigo do amigo! A qualquer dia ou a qualquer hora estava
sempre disponível para ajudar quem a ele recorria, ou porque tinha uma avaria
eléctrica, ou porque um motor não trabalhava, fosse porque a televisão não
estava a funcionar bem. Feito o alerta, logo ele se munia da sua mala de
ferramenta, e sempre bem-disposto, lá ia desenrascar o amigo. O “Bernardo” era
assim, sempre disponível!
Para além de todas estas boas
características, o “Bernardo” tinha um sentido de humor fino. Era um brilhante
contador de histórias, mormente sobre figuras mais antigas que marcaram a nossa
freguesia de naturalidade. A sua forma de contar essas histórias, faziam-me, e
a todos que o ouviam, inundar os olhos de lágrimas com tanto rir. Que saudades
já tenho das horas de convívio e das suas histórias! Com ele também partiu um
acervo brilhante de histórias de pessoas tão peculiares.
O “Bernardo” era um homem
simples, mas não simplório!; era um homem humilde, mas não se humilhava!; era
um homem culto, mas sempre disponível para ouvir e aprender com os outros! Nos
seus finais de tarde, no Café Cine, em Esposende, lá estava ele no meio do
grupo, sempre respeitador, sem entrar em discussões, e quando tinha alguma
dúvida calava-se, tomava nota, e no dia seguinte trazia a resposta certa. Era
assim o meu Amigo “Bernardo”! Também lá no Café Cine, muitas vezes, lá estava o
“Bernardo” a programar (ou reprogramar) os telemóveis de alguns amigos e a
explicar-lhes o seu funcionamento, eram “consultas” gratuitas que ele oferecia
com boa disposição. Também lá ia ele, sempre que chamado a tal, verificar o
computador de algum. Eu assistia a isto divertido e achava piada às suas
tiradas.
O “Bernardo” era um Homem Bom, um
grande Amigo, um Bom Marido, um Pai extremoso e um Avô babado e extraordinário.
Tinha orgulho nos seus filhos! Mas a alegria nos seus olhos eram os netos!
Sempre me dizia: «”pasinho” vou passar uns dias ao Porto para os meus netos; ou
vou para Braga ao meu neto». Era assim, sempre disponível para ajudar os filhos
e estar com os netos, a sua alegria!
O “Bernardo” faleceu no dia 29 de
Junho, para mim a notícia foi como um murro no estômago. Até hoje ainda não
senti coragem de ir ao Café Cine, ao fim da tarde, onde nos encontrávamos. Peço
desculpa aos amigos de tertúlia dos fins de tarde do Café Cine, mas ainda não
consegui arranjar coragem para lá estar e não encontrar o “Bernardo”.
Esta minha nota também servirá
para memória futura dos seus netos, para eles saberem, pela pena de alguém de
fora da família, que tinham um avô extraordinário e que se devem orgulhar dele.
O “Bernardo” deixa-me saudades,
mas também à sua esposa, aos seus filhos, aos seus pequenos netos, aos seus
irmãos e suas irmãs, e a todos os amigos que com ele conviviam, pois ele era
diferente, era um homem bom, sem rancor.
Adeus, “Bernardo”!
Esposende, 10 de Julho de 2015
Nota: O autor, por opção, escreve com o antigo AO.
*Crónica publicada no Jornal Notícias de Esposende, n.º 25/2015 - 12 a 17 de Julho