quarta-feira, 8 de julho de 2015

OS CONSELHEIROS, OS FIDALGOS E OS CONDES

A sociedade portuguesa é igual ao que era há 150 anos;

assim como o comportamento dos políticos !

Tenho como vício estudar e analisar o comportamento da sociedade portuguesa, na componente social e política.
Para poder alicerçar a minha opinião sobre a estagnação, evolução ou regressão do comportamento dos portugueses recorro à (re)leitura das obras de dois escritores clássicos portugueses que nos legaram uma extensa obra a retratar a sociedade portuguesa na última metade do século XIX, refiro-me a Eça de Queiroz e a Camilo Castelo Branco.
Eça de Queiroz deixou-nos um rico espólio escrito num retrato crítico à sociedade portuguesa do final do século XIX.
Hoje, ao comparar o nosso comportamento como sociedade e na intervenção individual, posso dizer, sem correr o risco de ser exagerado, que estamos exactamente iguais ao que éramos nos finais do século XIX: Uma sociedade de hipócritas, falsos, revanchistas, egoístas, subservientes, corruptos, intriguistas, invejosos, falsos moralistas e preocupados com as aparências.
Portanto, continuamos a ser uma sociedade pejada de “conselheiros Acácios”, aquela figura que Eça de Queiroz nos descreve no romance “O Primo Basílio”. O conselheiro Acácio era um aposentado do cargo de director-geral do Ministério do reino e que recebeu o título de conselheiro por carta régia. Os seus actos eram sempre medidos, mas não passava de um hipócrita, ridículo e convencido. Perante a sociedade, o Conselheiro Acácio era um moralista, defensor fervoroso da sã moral e dos bons costumes. O que fazia dele, aos olhos da sociedade, como um público paladino da família e defensor das virtudes cristãs. Todavia, este homem é o digno representante do falso moralismo e apego às aparências, pois se em público fazia questão de se expressar com citações morais, “em privado lia os poemas eróticos de Bocage”, e, apesar de ser um solteirão, escondia o seu concubinato com a empregada, a Adelaide, que, por sua vez, o encornava com um caixeiro. É um sujeito pomposo, formalista e arvorado em intelectual, é uma das personagens mais relevantes e famosas do acervo queirosiano, sendo responsável pelos «adjectivos “acaciano” e “conselheiral”, que são usados quando se pretende apontar o falso padrão moral de alguém».
Por isso, é quase impossível que nós nos dias de hoje não nos cruzemos e lidemos com figuras que nos lembrem o Conselheiro Acácio, pois eles existem às carradas no nosso meio.
Eça presenteou-nos com as mais soberbas denúncias de vícios de carácter, não só na capital, mas também na província, tal o cardápio de misérias humanas que nos apresenta – mesquinhez, vaidade, hipocrisia, cobardia e muitos mais. O livro “Uma Campanha Alegre”, representa o que de mais asqueroso existe na sociedade e no mundo da política, é um exemplo. Mas Eça de Queiroz, em toda a sua obra, descreve-nos personagens, umas mais fingidas, outras mais gananciosas, também gabarolas, cobardes, e que ainda hoje encontramos todos os dias.
Em “A Ilustre Casa de Ramirez”, Eça criou a figura de Gonçalo Mendes Ramirez, um hesitante, um fraco e de carácter débil, que vivia obcecado em honrar a tradição familiar e a ambição política, tendo a vontade e o desejo de alcandorar a um cargo público. A este último chegou, mas teve de se humilhar aos favores de André Cavaleiro, o governador civil, seu amigo de infância que depois se tornou inimigo, que o fidalgo tanto criticava e mostrava publicamente o ódio que tinha por ele, que foi quem lhe proporcionou a eleição para deputado, bem como a atribuição do título de marquês de Treixedo. Depois de o lançar na política tornou-se amante da irmã do fidalgo. Envergonhado, o ilustre fidalgo parte para África, onde permanece quatro anos. O retrato do fidalgo da torre de Santa Ireneia apresenta-nos um homem generoso e humano, mas também cobarde e torpe. Desconfiava de si mesmo, o que o acobardava e o encolhia, a fuga para África é o exemplo do Portugal do tempo de Eça – mas também de hoje -, um país dilacerado entre um passado glorioso e a miséria presente. 
Em “O Conde de Abranhos”, Eça de Queiroz traz à estampa a figura de Alípio Severo Abranhos, a personagem central da obra que é o símbolo do político imbecil, hipócrita, oportunista e inculto. Este livro, escrito em 1878, é uma sátira à classe política portuguesa, mas que se mantém com uma incrível actualidade. O livro é como uma biografia do Conde de Abranhos, escrita pelo seu fiel secretário, que não passava de um tonto, pois julgando estar a fazer um eloquente elogio de Alípio, mais não fez que desvendar os testemunhos da sua incompetência e oportunismo. Desde cedo que Alípio queria fugir da ruralidade e dos pobres, tratando mesmo mal o próprio pai, pois preferiu deixá-los na miséria para que não o envergonhassem em Lisboa.
Alípio Abranhos tinha um princípio fundamental: “para felicidade dos povos, a ignorância é fundamental. Que o povo acredite, aceite e não questione”. Na Universidade, Alípio tornou-se um delator, um “lambe-botas”, que para conseguir alguns “favores” junto de superiores não teve pejo em denunciar um colega através de uma carta anónima, aliás como o foi pela vida fora como político. Também nessa altura tem um caso com uma criada, que abandona com um filho nos braços. Olhamos para hoje e parece que estamos no tempo do Eça!
A sua primeira eleição foi em Freixo de Espada à Cinta, localidade que ele pensava que se situava no Minho – aliás a exemplo do que hoje também acontece com muitos deputados que não conhecem a região por onde são eleitos -, mas isso não o impediu de engraxar os freixienses até ao máximo do brilho. Contudo, logo que foi eleito e se viu livre deles, o Conde de Abranhos os apelidou de “horda de carrapatos”. No parlamento fez sucesso graças aos seus discursos balofos e sem conteúdo.
No entanto, em pouco tempo, Alípio Abranhos transformou-se noutra figura típica da política portuguesa: “o vira-casacas”, considerando que os partidos são todos iguais, entende que é preferível estar do lado do que ganha. Já no final da carreira política, este imbecil típico da classe política portuguesa foi nomeado, pelo Rei, ministro da Marinha, apenas e só porque tinha uma mulher vistosa, não obstante não perceber nada da Marinha e do Mar.
Também Camilo Castelo Branco, em “A Queda dum Anjo”, escrito em 1866, satiriza, através da caricatura de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado da Agra de Freimes, um fidalgo transmontano, que é o anjo do título, que se desloca da província para Lisboa.
Esta parábola Camiliana, recheada de um fino humor, descreve de maneira caricatural a vida social e política portuguesa, ao narrar a mudança ocorrida com Calisto, um fidalgo austero e conservador, que encarna de maneira satírica o povo português, pois ao ser eleito deputado vai para Lisboa e aí se deixa corromper pelo luxo e pelo prazer que impera na capital.
Ao mesmo tempo que no parlamento planeava lutar pela redução dos impostos, pelo combate ao luxo, e estava sempre em defesa da moral e dos bons costumes, tendo-se tornado conhecido pela linguagem antiga e difícil, tornou-se amante de uma prima distante, nascida no Brasil, entrando assim numa relação reprovada pela sociedade puritana portuguesa, moral que ele defendia nos seus discursos puritanos no Parlamento, mas que não praticava.
Também ele não teve pejo em mudar a sua posição política, pois trocou o partido miguelista (que estava na oposição) pelo partido liberal (que estava no poder). Por sua vez, a esposa de Calisto Elói, ao ver-se desprezada pelo marido, imita-o na devassa da moral e é igualmente corrompida, pois também ela, uma aldeã, sucumbe aos prazeres da modernidade e enrola-se num relacionamento com um primo que não passava de um interesseiro.  
Analisando as características do personagem Calisto, a narração mostra-nos a miséria moral e intelectual do novo panorama político de Lisboa, muito por fruto do liberalismo que produz má-fé e oportunismo. O texto mostra a preocupação exagerada com a forma do discurso nas instâncias políticas, quando o principal deveria ser o assunto em si, a busca de melhorias para a população.
Ontem como hoje, a menor das preocupações dos políticos parece ser com as pessoas!

 Nota: Por opção, o autor escreve com o antigo AO.