A sociedade portuguesa é igual ao que era há 150 anos;
assim como o comportamento dos políticos !
Tenho como vício estudar e
analisar o comportamento da sociedade portuguesa, na componente social e
política.
Para poder alicerçar a minha
opinião sobre a estagnação, evolução ou regressão do comportamento dos
portugueses recorro à (re)leitura das obras de dois escritores clássicos
portugueses que nos legaram uma extensa obra a retratar a sociedade portuguesa
na última metade do século XIX, refiro-me a Eça de Queiroz e a Camilo Castelo
Branco.
Eça de Queiroz deixou-nos um rico
espólio escrito num retrato crítico à sociedade portuguesa do final do século
XIX.
Hoje, ao comparar o nosso
comportamento como sociedade e na intervenção individual, posso dizer, sem
correr o risco de ser exagerado, que estamos exactamente iguais ao que éramos
nos finais do século XIX: Uma sociedade de hipócritas, falsos, revanchistas,
egoístas, subservientes, corruptos, intriguistas, invejosos, falsos moralistas
e preocupados com as aparências.
Portanto, continuamos a ser uma
sociedade pejada de “conselheiros Acácios”, aquela figura que Eça de Queiroz
nos descreve no romance “O Primo Basílio”. O conselheiro Acácio era um
aposentado do cargo de director-geral do Ministério do reino e que recebeu o
título de conselheiro por carta régia. Os seus actos eram sempre medidos, mas
não passava de um hipócrita, ridículo e convencido. Perante a sociedade, o
Conselheiro Acácio era um moralista, defensor fervoroso da sã moral e dos bons
costumes. O que fazia dele, aos olhos da sociedade, como um público paladino da
família e defensor das virtudes cristãs. Todavia, este homem é o digno
representante do falso moralismo e apego às aparências, pois se em público fazia
questão de se expressar com citações morais, “em privado lia os poemas eróticos
de Bocage”, e, apesar de ser um solteirão, escondia o seu concubinato com a
empregada, a Adelaide, que, por sua vez, o encornava com um caixeiro. É um
sujeito pomposo, formalista e arvorado em intelectual, é uma das personagens
mais relevantes e famosas do acervo queirosiano, sendo responsável pelos «adjectivos
“acaciano” e “conselheiral”, que são usados quando se pretende apontar o falso
padrão moral de alguém».
Por isso, é quase impossível que
nós nos dias de hoje não nos cruzemos e lidemos com figuras que nos lembrem o
Conselheiro Acácio, pois eles existem às carradas no nosso meio.
Eça presenteou-nos com as mais
soberbas denúncias de vícios de carácter, não só na capital, mas também na
província, tal o cardápio de misérias humanas que nos apresenta – mesquinhez,
vaidade, hipocrisia, cobardia e muitos mais. O livro “Uma Campanha Alegre”,
representa o que de mais asqueroso existe na sociedade e no mundo da política,
é um exemplo. Mas Eça de Queiroz, em toda a sua obra, descreve-nos personagens,
umas mais fingidas, outras mais gananciosas, também gabarolas, cobardes, e que ainda
hoje encontramos todos os dias.
Em “A Ilustre Casa de Ramirez”,
Eça criou a figura de Gonçalo Mendes Ramirez, um hesitante, um fraco e de
carácter débil, que vivia obcecado em honrar a tradição familiar e a ambição
política, tendo a vontade e o desejo de alcandorar a um cargo público. A este
último chegou, mas teve de se humilhar aos favores de André Cavaleiro, o
governador civil, seu amigo de infância que depois se tornou inimigo, que o
fidalgo tanto criticava e mostrava publicamente o ódio que tinha por ele, que foi
quem lhe proporcionou a eleição para deputado, bem como a atribuição do título
de marquês de Treixedo. Depois de o lançar na política tornou-se amante da irmã
do fidalgo. Envergonhado, o ilustre fidalgo parte para África, onde permanece
quatro anos. O retrato do fidalgo da torre de Santa Ireneia apresenta-nos um
homem generoso e humano, mas também cobarde e torpe. Desconfiava de si mesmo, o
que o acobardava e o encolhia, a fuga para África é o exemplo do Portugal do
tempo de Eça – mas também de hoje -, um país dilacerado entre um passado
glorioso e a miséria presente.
Em “O Conde de Abranhos”, Eça de
Queiroz traz à estampa a figura de Alípio Severo Abranhos, a personagem central
da obra que é o símbolo do político imbecil, hipócrita, oportunista e inculto.
Este livro, escrito em 1878, é uma sátira à classe política portuguesa, mas que
se mantém com uma incrível actualidade. O livro é como uma biografia do Conde
de Abranhos, escrita pelo seu fiel secretário, que não passava de um tonto,
pois julgando estar a fazer um eloquente elogio de Alípio, mais não fez que
desvendar os testemunhos da sua incompetência e oportunismo. Desde cedo que
Alípio queria fugir da ruralidade e dos pobres, tratando mesmo mal o próprio
pai, pois preferiu deixá-los na miséria para que não o envergonhassem em
Lisboa.
Alípio Abranhos tinha um
princípio fundamental: “para felicidade dos povos, a ignorância é fundamental.
Que o povo acredite, aceite e não questione”. Na Universidade, Alípio tornou-se
um delator, um “lambe-botas”, que para conseguir alguns “favores” junto de
superiores não teve pejo em denunciar um colega através de uma carta anónima, aliás
como o foi pela vida fora como político. Também nessa altura tem um caso com
uma criada, que abandona com um filho nos braços. Olhamos para hoje e parece
que estamos no tempo do Eça!
A sua primeira eleição foi em
Freixo de Espada à Cinta, localidade que ele pensava que se situava no Minho –
aliás a exemplo do que hoje também acontece com muitos deputados que não
conhecem a região por onde são eleitos -, mas isso não o impediu de engraxar os
freixienses até ao máximo do brilho. Contudo, logo que foi eleito e se viu
livre deles, o Conde de Abranhos os apelidou de “horda de carrapatos”. No
parlamento fez sucesso graças aos seus discursos balofos e sem conteúdo.
No entanto, em pouco tempo, Alípio
Abranhos transformou-se noutra figura típica da política portuguesa: “o
vira-casacas”, considerando que os partidos são todos iguais, entende que é
preferível estar do lado do que ganha. Já no final da carreira política, este
imbecil típico da classe política portuguesa foi nomeado, pelo Rei, ministro da
Marinha, apenas e só porque tinha uma mulher vistosa, não obstante não perceber
nada da Marinha e do Mar.
Também Camilo Castelo Branco, em
“A Queda dum Anjo”, escrito em 1866, satiriza, através da caricatura de Calisto
Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado da Agra de Freimes, um fidalgo
transmontano, que é o anjo do título, que se desloca da província para Lisboa.
Esta parábola Camiliana, recheada
de um fino humor, descreve de maneira caricatural a vida social e política
portuguesa, ao narrar a mudança ocorrida com Calisto, um fidalgo austero e
conservador, que encarna de maneira satírica o povo português, pois ao ser
eleito deputado vai para Lisboa e aí se deixa corromper pelo luxo e pelo prazer
que impera na capital.
Ao mesmo tempo que no parlamento
planeava lutar pela redução dos impostos, pelo combate ao luxo, e estava sempre
em defesa da moral e dos bons costumes, tendo-se tornado conhecido pela
linguagem antiga e difícil, tornou-se amante de uma prima distante, nascida no
Brasil, entrando assim numa relação reprovada pela sociedade puritana
portuguesa, moral que ele defendia nos seus discursos puritanos no Parlamento,
mas que não praticava.
Também ele não teve pejo em mudar
a sua posição política, pois trocou o partido miguelista (que estava na
oposição) pelo partido liberal (que estava no poder). Por sua vez, a esposa de
Calisto Elói, ao ver-se desprezada pelo marido, imita-o na devassa da moral e é
igualmente corrompida, pois também ela, uma aldeã, sucumbe aos prazeres da
modernidade e enrola-se num relacionamento com um primo que não passava de um
interesseiro.
Analisando as características do
personagem Calisto, a narração mostra-nos a miséria moral e intelectual do novo
panorama político de Lisboa, muito por fruto do liberalismo que produz má-fé e
oportunismo. O texto mostra a preocupação exagerada com a forma do discurso nas
instâncias políticas, quando o principal deveria ser o assunto em si, a busca
de melhorias para a população.
Ontem como hoje, a menor das
preocupações dos políticos parece ser com as pessoas!
Nota:
Por opção, o autor escreve com o antigo AO.