As eleições presidenciais confirmaram o poder da
televisão
A negociação do OE 2016 mostra o maléfico papel da
comunicação social
1 – No rescaldo das eleições
presidenciais do passado domingo, dia 24, importa realçar que Marcelo Rebelo de
Sousa foi o vencedor sem margem para dúvidas.
Os eleitores confirmaram nas urnas o que as sondagens sempre apontaram e o
que todos os comentadores políticos e a comunicação social há meses andam a
“vender”. A vitória de Marcelo Rebelo de Sousa à primeira volta.
Contudo, não poderá ser olvidado o facto de semana após semana o professor
ter vindo sempre em perda nas percentagens apresentadas pelas sondagens. No
entanto, o comentariado nacional sempre preferiu fazer tábua rasa deste facto e
continuou alegremente a levar no “andor” o professor Marcelo em procissão até
Belém.
A soma dos votos entrados nas urnas no dia das eleições mostra, claramente,
que a comunicação social tem um poder desmesurado na criação de candidatos e
ditar vencedores. Na noite de domingo foram dois os considerados vencedores do
dia: Marcelo Rebelo de Sousa e Vitorino Silva (Tino de Rans). Isto o que foi
dito por uma grande maioria dos comentadores chamados a opinar sobre os
resultados eleitorais. Também houve quem visse em Marisa Matias uma ganhadora
e, por arrasto, um brilhante feito do Bloco de Esquerda. Por outro lado, o
comentarismo de serviço aproveitou para arrasar o PCP pelo mau resultado do seu
candidato, Edgar Silva, bem como arrastaram para os derrotados Maria de Belém.
Todavia, os mesmos comentadeiros dividiram-se na catalogação do resultado
de Sampaio da Nóvoa. Uns consideraram o resultado do antigo Reitor da
Universidade de Lisboa como uma vitória, atendendo à boa campanha que fez e ao
seu discurso final; outros atentaram que se tratou de uma derrota porque não
conseguiu o objectivo de levar Marcelo a uma segunda volta.
2 – Já no que comporta à classificação atribuída aos partidos pelos
comentaristas encartados convidados pelas televisões e escribas em jornais, foi
um fartote de idiotices ditas e escritas por muitos comentadores que tinham a
obrigação de ser mais sérios e honestos nas suas análises.
Em primeiro lugar não estava em disputa eleições partidárias mas
unipessoais. O vencedor destas presidenciais recebeu votos de eleitores de
todos os quadrantes políticos. Só por este exemplo, onde os eleitores não
transformaram as presidenciais num jogo partidário, mas acima de tudo no jogo
do conhecimento mediático, onde Marcelo era claramente o grande vencedor,
amplificado pelas televisões – especialmente pela TVI que durante 10 anos deu
semanalmente palco a um candidato – que mostraram, e deram razão ao saudoso
Emídio Rangel, de que um canal de televisão consegue “vender” um Presidente da
República. Foi isso o essencial da vitória de Marcelo, a sua exposição
mediática nas televisões. O mesmo valeu a Tino de Rans, pois a sua passagem
pelos Talk Shows da TVI, bem como o destaque concedido ao seu discurso no
congresso do PS com Guterres, aliado à forma como muitos eleitores trataram
jocosamente estas presidenciais, o Vitorino Silva (Tino de Rans), o calceteiro
mais conhecido do país, conforme o apresentam a comunicação social, conseguiu
um resultado espectacular, ultrapassando em muitos concelhos, como o foi no de
Esposende, Maria de Belém.
Dessa forma, é intelectualmente desonesto os comentaristas assumirem estas
presidenciais como uma derrota do PS e de António Costa. A desonestidade é
tanta, que a fúria destes comentadores e o ódio de estimação que expelem contra
o PS e António Costa fê-los entrar em delírio e não enxergarem que o PS não
apoiou nenhum candidato. A partir do momento em que António Guterres não
assumiu a candidatura, o PS não se quis expor nestas presidenciais. Só não
entende quem não quer!
Depois os mesmos comentadores têm o topete de considerarem como vencedores
o PSD e o CDS só pelo facto de terem recomendado o voto em Marcelo. Ao mesmo
tempo que enalteciam a vitória do professor por ter feito campanha sem a
máquina de um partido e tê-la feita sozinho e ter-se demarcado do PSD e do CDS
e jurar apoio ao governo socialista e Marcelo a afastar do seu lado as figuras
recentes do PSD e do CDS. Há comentadeiros que não têm mesmo vergonha na cara…
mas é o que temos!
Sem retirar os méritos de Marcelo, no que comporta à sua forma de lidar com
as pessoas, ao seu modo de ser a roçar o populismo e o demagógico, o certo é
que não conhecemos de Marcelo um documento escrito que ilustre o seu pensamento
político, a sua visão sobre o modo e a forma de Portugal estar na política
interna e externa. Não encontramos nenhum pensamento em Marcelo, a não ser dizer
tudo e o seu contrário e não dizer o que pensa. Marcelo foi um Presidente da República
formatado e “vendido” pela televisão durante 15 anos (primeiro na RTP e depois
na TVI), semana após semana. Nada mais que isso!
Não falo por mim, pois daqui a 10 anos, se por cá ainda andar, eu quero é paz
e sossego, mas desafio a TVI a oferecer ao Tino de Rans o lugar de Marcelo para
que semanalmente possa dizer a “missa” dominical à noite, e daqui a 10 anos
será eleito presidente da República. Foi este o sinal que os eleitores
portugueses nos deram no passado domingo…
3 – O governo português está a negociar o Orçamento do Estado (OE) para
2016 com Bruxelas. O governo pretende, conforme o prometido, virar a página da
austeridade e oferecer aos portugueses mais rendimento e melhores condições de
vida. É isso que o governo está a procurar cumprir!
Do lado de Bruxelas, os burocratas da Comissão Europeia dizem-se e
desdizem-se sobre o OE e querem mais austeridade, querem sugar ainda mais o
povo português. Os mesmos burocratas que acham que não se deve baixar a guarda
da austeridade foram os mesmos que impuseram ao governo português a
obrigatoriedade de perder mais de 3 mil milhões de euros com o Banif.
Entretanto, enquanto Mário Centeno ia negociando com Bruxelas, por cá os
comentaristas políticos e os partidos da oposição, saudosistas da austeridade, já
proclamavam, num rasgar de vestes, que Bruxelas não aceita o OE, que Bruxelas
tinha dúvidas sobre o OE e mais um rol de disparates. Alguns vociferavam que
Bruxelas já tinha chumbado o OE. Outros aventaram tenebrosas previsões de que a
redução das 35 horas e a reposição dos salários era um erro, que o governo foi
laxista ao avançar com o alívio da austeridade.
Este catastrofismo apregoado por comentadeiros sem coluna vertebral foi
também partilhado por deputados da oposição, que num pranto e ranger de dentes,
numa verbalização esganiçada, vieram lançar um labéu e desgraça sobre o povo
português, pois o que o governo queria impor no OE para 2016 não era realista –
ser realista era a cultura, conforme se ouviu da voz de comentadores e
deputados e se podia ler saído da pena de jornalistas -, que o anterior governo
cultivava, realismo que todos nós conhecemos e que a devolução dos 35% da
sobretaxa do IRS comprova?.
Toda esta gente está deprimida e com saudades da austeridade, pois essa sim
era virtuosa e garantia as boas graças com Bruxelas e sustentava o nosso
futuro.
Enquanto por cá assistíamos a toda esta histeria de uma comunicação social
que continua a viver no passado e a oposição de direita a dançar o “samba do crioulo
maluco”, o correspondente da RTP em Bruxelas anunciou que o envio de cartas por
parte da Comissão Europeia enquanto se está a negociar o OE é uma prática
corrente e habitual e que também a anterior ministra das Finanças, Maria Luís
Albuquerque, também as recebeu. Por isso o que assistimos é à má-fé de muitos
jornalistas e comentadeiros, assim como da oposição.
No entanto, o mesmo correspondente afirmou que Bruxelas apenas dá um
parecer ao orçamento, pois quem aprova ou rejeita orçamentos dos Estados-membros
é o Eurogrupo (reunião dos ministros das finanças) e que esse só lá para Março
é que vai olhar para o Orçamento português.
Mais seriedade informativa pede-se à comunicação social!
Nota: O autor escreve segundo o antigo AO.