sábado, 14 de maio de 2016

ESCOLAS PRIVADAS COM CONTRATOS DE ASSOCIAÇÃO

As últimas semanas têm mostrado o ridículo e a deturpação dos factos e razões

Tem sido um fartar vilanagem de declarações públicas de responsáveis políticos, de dirigentes dos colégios, de pais de alunos que frequentam os colégios privados, de membros da Igreja, de comentadores políticos, etc, sobre a decisão do governo de reavaliar e não renovar os contratos de associação com escolas privadas.
Muita lama tem sido atirada para cima do Ministro da Educação, sendo Passos Coelho aquele que mais insinuações torpes, falta de seriedade e honestidade política lançou para o palco desta discussão.
Contudo, antes de mais, quero afirmar que a discussão lançada para o palco, num acto indecoroso de procurar dividir o ensino público e o privado, de procurar imputar ao governo uma atitude meramente ideológica e de perseguição ao ensino privado, não passa de uma mera falácia e tem contornos que raiam a mentira, a trapaça e a desonestidade intelectual. Não posso ter macieza nas palavras ao abordar este assunto, pois estamos perante um verdadeiro ataque de carácter perpetrado por quem deveria recatar-se em insinuações vis, pois não tem moral para o que quer que seja sobre o assunto em demanda.
No entanto, vamos por partes e esclarecer sobre aquilo que está em causa e a ser discutido.
Afinal, o que são os contratos de associação com as escolas privadas?  São contratos celebrados, nos anos 80 do século passado, entre o Estado, representado pelo Ministério da Educação, e os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo situados em áreas onde não havia escolas públicas que pudessem responder às necessidades, pelo que esses contratos visavam assegurar a gratuitidade do ensino aos alunos que não tenham obtido vaga nas escolas da rede pública.
Os contratos eram assinados com estabelecimentos particulares ou cooperativos quando não existiam estabelecimentos de ensino público numa determinada localidade, ou se os havia os mesmos se encontrassem saturados.
Portanto, os contratos de associação eram assinados para garantir que nenhum aluno ficava impedido de frequentar a escola.
Importa realçar que estes contratos surgiram há mais de trinta anos, ou seja, num contexto completamente diferente daquele que é hoje, relativamente à rede escolar pública que era incomparavelmente menor.
O que fez o governo para podermos assistir a este espectáculo triste que nos tem sido fornecido? Simples e transparente como a água mais pura da nascente, o Ministério da Educação definiu, através do Despacho normativo n.º 1-H/2016, com data de 13 de Abril de 2016, informando que só serão firmados contratos de associação para financiar novas turmas de início de ciclo onde haja carência de oferta pública. E é esta a avaliação que está a ser feita da rede escolar pública e privada actualmente existente na preparação do próximo ano lectivo.
E foi esta norma, propositadamente escondida e entroncada por aqueles que contestam a decisão do governo. Os contratos de associação com as escolas particulares e cooperativas só terminarão no final de cada ciclo do ensino, para os já existentes. Novos contratos só serão lavrados em casos onde esteja devidamente comprovada que a rede da escola pública não consegue dar resposta às necessidades.
É lógico e entendível por quem queira estar minimamente liberto de interesses que não há razão plausível e entendível para o Estado continuar a pagar a escolas particulares e cooperativas para substituir a falta de escolas públicas, quando na localidade há uma rede de escolas públicas que dá resposta às necessidades.
Só a pura demagogia, o populismo e a intenção ideológica de destruição de tudo o que é público é que poderá defender a manutenção destes contratos que oneram os cofres públicos desnecessariamente.
A direita, tão paladina a anunciar o despesismo dos governos de esquerda, teve o topete de cortar, nos últimos quatro anos de governação, nas prestações sociais, no subsídio de desemprego, nos apoios sociais, na ajuda aos mais idosos e financeiramente mais frágeis; ao mesmo tempo que fez uma revisão dos contratos de associação com os colégios particulares aumentando o valor do contrato.
A direita enche a boca a falar em gestão de recursos, mas no que tange aos colégios particulares os mesmos são pródigos na sua generosidade.
De uma vez por todas temos de perceber que o Estado não pode entregar, através dos contratos de associação, 80.500 euros por turma aos colégios particulares e corporativos quando há oferta suficiente da rede escolar pública.
E quer se queira ou não, o que está na peleja é a renda fixa que engorda e sustenta os colégios particulares e cooperativos.
Estamos perante o verdadeiro liberalismo português, que defende que o Estado deve sair de tudo – a educação não deve ser pública, a saúde não deve ser pública, a segurança social não deve ser pública, as empresas não devem ser públicas -, mas defendem que o Estado deve dar dinheiro às empresas privadas, deve pagar aos hospitais privados, não deve sustentar os mais desfavorecidos com o pagamento de prestações sociais, pois há as seguradoras a vender seguros, deve dar a liberdade de escolha na escola e pagar aos colégios, deve pagar aos hospitais privados, etc. É esta a verdadeira realidade do liberalismo típico português que a nossa direita defende.
A direita e os interesses instalados entre os proprietários dos colégios, incluindo a Igreja, que não dá nada a ninguém e anda a fazer peditórios para a Universidade Católica – onde só lá entra quem tiver dinheiro para pagar as altas propinas -, vem intrometer-se na decisão do governo nesta temática dos acordos de associação.
Também se torna ridícula a alegação do direito à liberdade de escolha por parte dos pais para escolherem a escola onde querem que os filhos estudem. Esta é uma falácia que torna ridículo quem a profere.
Ninguém está a impedir a liberdade de escolha. O Estado cumpre o seu papel, por isso criou uma rede de escolas públicas que colocam gratuitamente à disposição dos alunos para a poderem frequentar e aprender. Se porventura alguém entender que não quer os seus filhos na escola que o governo coloca à disposição dos seus filhos para aprenderem e optar por colocar os seus filhos numa escola particular ou cooperativa está a utilizar a sua liberdade de escolha, agora não tem é legitimidade de exigir que o Estado pague aos colégios particulares ou cooperativos, quando esse mesmo Estado coloca à sua disposição uma rede de ensino.
Logo, Passos Coelho tem razão ao dizer que o Ministro da Educação defende “interesses suspeitos”, pois esses interesses que Passos Coelho abomina, são o interesse dos contribuintes; o interesse da Constituição; o interesse do Estado Social e o interesse da Escola Pública, o maior elevador social conquistado pela Democracia.
Nota: O autor escreve com o AO

Crónica publicada no Jornal Notícias de Esposende de 14 de Maio de 2016