quarta-feira, 3 de setembro de 2014

ESTRANHO CONCEITO DE ACÇÃO SOCIAL



Malaquias, um empresário de sucesso, e a sua esposa, Quinhas, arquitecta que trabalha directamente com um dos mais famosos gabinetes de arquitectura do mundo, estavam em férias nas paradisíacas e quentes praias das Caraíbas, acompanhados pelo seu filho Barnabé, de 8 anos, mais a babá que acompanhou o casal para cuidar do pequeno Barnabé, quando o conhecido empresário tem conhecimento, via internet, ao ler as notícias através do seu Tablet de última geração, de que a Câmara da sua terra aprovou por unanimidade a atribuição de livros grátis a todos os alunos do 1.º Ciclo do seu concelho. O marido comentou de imediato esta notícia com a esposa. Quinhas, logo elucidou que já tinha encomendado na papelaria os livros escolares para o Barnabé, aluno que ia frequentar o 3.º ano.
O Casal Malaquias é muito conhecido na urbe e não se coíbe de mostrar os seus carros de alta cilindrada, topo de gama de uma marca alemã, que cada um dos membros conduz. Também é conhecido que o casal reside numa sumptuosa moradia de sua propriedade e que para além da babá contratada para tomar conta do Barnabézinho o casal também tem uma empregada doméstica interna, que cozinha e zela por todo o arranjo e asseio da casa e é a responsável por todas as compras para a alimentação da família. Contratado também está um jardineiro que lhes trata do imponente jardim e cuida da grande piscina.  
Terminadas as férias e regressados à urbe, a Quinhas foi à papelaria levantar os livros escolares que tinha encomendado para o Barnabé. Procedeu ao respectivo pagamento e solicitou um recibo. Prontamente e amavelmente concedido pelo dono da dita papelaria. Munida do recibo, a arquitecta deslocou-se à Câmara Municipal a fim de solicitar o respectivo reembolso dos valores pagos na aquisição dos livros.
No atendimento, a Quinhas foi efusivamente saudada pelas funcionárias, dado ser pessoa conhecida, e lá começou por dizer ao que vinha. Entretanto, chega a Marcolina, acompanhada do seu filho, também de 8 anos, registado e baptizado com o nome de Marcolino – uma homenagem à mãe.
Eram três as funcionárias que se encontravam no atendimento. Não havia mais ninguém para ser atendido, para além da Quinhas e da Marcolina. A Quinhas sentou-se na cadeira em frente à funcionária que a atendia e logo as outras duas funcionárias deixaram o seu posto e juntaram-se à colega no mesmo ponto para ouvirem as últimas contadas pela Quinhas. Resta acrescentar que a Marcolina mais o seu filho começaram por ser completamente ignorados!
Então a conhecida arquitecta informa que vem receber o reembolso do pagamento dos livros escolares do seu filho, Barnabé, que por sinal estava acompanhado pela babá a receber aulas particulares de inglês. Muito simpática a funcionária recolhe o recibo entregue pela Quinhas. Enquanto isso, esta lá vai contando que tinha acabado de chegar de férias das Caraíbas. Uma maravilha amigas, uma beleza. Dizia alto e bom som, pois a Quinhas gostava de falar alto para que todos ouvissem. Sentada numa cadeira está a Marcolina, muito calada. Ao seu lado, sentado noutra cadeira, lá estava quieto e hirto o Marcolino.
A Quinhas lá ia dizendo para as funcionárias, todas submissas e de boca aberta:
- Esta mala e estes sapatos Chanel, bem como este vestido da Massimo Dutti, comprei-os nas lojas em Londres, num fim-de-semana em que fui lá com o Malaquias.
E a Marcolina lá estava, sentada, calada e quieta. Vestia uma saia preta, uma blusa às flores e um casaco de malha que tinha ido buscar, assim como os chinelos já rompidos que tinha nos pés, à loja social da Cruz Vermelha da terra. Aliás, as sobras, depois de alguém ter retirado a melhor roupa e o melhor calçado na primeira escolha antes da exposição ao público. O pequeno Marcolino calçava uns ténis já gastos e a romper, bem como vestia umas calças já roçadas e uma camisola de malha deformada que a Marcolina lhe tinha trazido também da loja social.
A arquitecta Quinhas lá recebeu a guia para ir à tesouraria receber a verba respeitante ao pagamento dos livros do Barnabé. Ao fim de quase uma hora, Quinhas levantou-se da cadeira e as funcionárias lá regressaram ao seu posto de trabalho. Ao mesmo tempo a funcionária que atendeu a Quinhas levantou-se do lugar e saiu do seu posto de trabalho. Quem sabe não terá tido uma vontade enorme e inesperada de despejar a bexiga ou algo mais.
Já sentadas nas suas cadeiras, as funcionárias parece ignorarem a presença da Marcolina, viúva, com uma reforma de 100,00 € por morte do seu António, trabalhadora à jorna nas limpezas e na agricultura, quando havia, que lá continuava na sua humildade e simplicidade a aguardar a sua vez para o atendimento.
Ao fim de algum tempo, uma das almas caridosas, já que a outra nunca mais voltava, resolveu chamar a senha da Marcolina. Marcolina lá se dirigiu para o guiché de atendimento e puxou pelo recibo da compra dos livros escolares para o Marcolino, dizendo que vinha ver se era verdade o que a vizinha, a D. Glorinha, lhe tinha dito que a Câmara agora pagava os livros da escola para o seu filho, dizendo:
- Sabe menina, eu sou viúva e vivo da pequena reforminha do meu António, que Deus o tenha, e sobrevivo à custa do meu trabalho de jornaleira nas limpezas e no campo, quando há. Por isso peço o favor à Câmara para me reembolsar o valor que eu paguei pelos livros para o meu filhinho, eu fico muito agradecida ao senhor presidente.
A funcionária foi tratando da emissão da guia enquanto a Marcolina desfiava o seu rosário de contas da sua vida. Logo que terminou a sua tarefa, a funcionário entregou a guia de pagamento à Marcolina e informou-a que se deveria dirigir à tesouraria para receber a respectiva verba.
Perante este quadro, qual o conceito de acção social que está implícito na decisão da autarquia? Será que deverá ser considerada acção social o tratamento igual de quem tem poder de compra completamente diferente e oposto? Será qua a família Malaquias merece que lhe sejam pagos os livros do filho da mesma forma que são pagos os livros do filho da Marcolina? É claro que não!
A Acção Social não pode ser tratada de forma demagógica e populista! Há quem precise da ajuda pública e quem não precise. Antes o abono de família era pago a todas as famílias por igual independentemente do seu rendimento financeiro. Hoje, e muito bem, essa prestação social foi dividida por escalões e aqueles que maiores rendimentos têm não recebem. O que está correcto.
Agora, que conceito tem uma Câmara Municipal sobre Acção Social que paga livros escolares a uma família com rendimentos elevados da mesma forma que os paga a uma família que vive abaixo do limiar da pobreza? Pura demagogia! É vergonhoso.
O Socialismo Democrático e a Social-Democracia baseiam-se na redistribuição da riqueza, por isso é que aqueles que menos têm devem ser mais ajudados. Essa é a realidade que defendo, a equidade.