Se porventura algumas dúvidas
houvesse sobre o comportamento de Cavaco Silva no exercício das suas funções de
“suposto” Presidente da República de Portugal, elas foram completamente
dissipadas na mensagem de Ano Novo, no dia 1 de Janeiro.
Cavaco Silva presenteou os
portugueses, neste início de ano, com um discurso próprio do líder de um
partido no governo. Aliás, Cavaco percorreu a mesma retórica discursiva que
tinha sido apresentada por Passos Coelho na mensagem de Natal, de 2014.
Neste discurso, o Presidente da
República demonstrou que nunca deixou de ser um líder partidário. A sua verve
para com as imaginárias melhorias da economia e do desemprego em Portugal são o
exemplo acabado do comportamento de Cavaco Silva enquanto presidente da
República.
No exercício das funções para que
foi eleito pelos portugueses, Cavaco Silva nunca foi o presidente de todos os
portugueses – não foi por acaso que foi o presidente reeleito com a pior
votação jamais obtida pelos seus antecessores e viu a abstenção se cifrar em quase
60%.
O actual presidente da República
é o político em funções há mais anos em Portugal no período de Democracia.
Cavaco Silva caminha para 22 anos de funções políticas – e sempre se anunciou
como não sendo político -, dois anos como ministro das Finanças de AD de Sá
Carneiro; 10 anos como Primeiro-ministro e 10 anos como presidente da
República.
A mensagem de ontem é surreal!
Cavaco, que nunca foi apoiante de consensos, vem falar na necessidade dos
partidos políticos encontrarem consensos. Vem, arrogado em virgem, apelar aos
políticos para que não entrem em promessas eleitorais e em populismos. Ele, o
mestre na arte do populismo e da demagogia, vem dar lições.
Se todos nos lembramos, e a
memória curta em política é um problema, Cavaco Silva foi o primeiro a dar
sinais para que não houvesse consensos políticos em 2011. Quem não se lembra do
discurso de tomada de posse após a sua reeleição como presidente da República?
Que fez e o que disse nesse dia? Nada mais nada menos que assinar a certidão de
óbito ao governo minoritário do PS, com José Sócrates como primeiro-ministro.
Quais foram os apelos que fez? Foi ao consenso? Não! Cavaco, nesse discurso,
comportou-se como o líder do partido da oposição. Não teve pejo em destilar o
seu veneno crítico e odioso contra o governo do PS. Foi nessa noite que Cavaco
deu o sinal de partida para Coelho iniciar a sua saga mentirosa para chegar ao
poder.
Mas não foi só na componente do
apelo aos partidos e aos políticos que Cavaco mostrou a sua inconsequência
neste discurso de Ano Novo, pois Cavaco é daqueles que apelam e apoiam o
pensamento único. Para Cavaco Silva as eleições são um transtorno e não
deveriam existir. Apelou ao consenso, mas esse acordo tem de ser conforme o que
ele e os seus que estão no governo querem. Eles apenas entendem como consenso
aquilo que a oposição assina e que é apenas a visão e a ideologia deles. Não
aceitam, sequer, discutir as ideias e opiniões dos outros.
É que Cavaco Silva teve o topete
de vir falar aos portugueses e avisá-los de que «É essencial participar activamente nas eleições. Só assim
podemos esperar – e até exigir – que os agentes políticos actuem com
responsabilidade, elevação e sentido cívico, colocando o interesse nacional
acima dos interesses partidários». Logo ele vir com este conselho! Enquanto
Primeiro-ministro, Cavaco foi quem menos se comprometeu com os interesses do
País, pois desbaratou as pescas; destruiu a agricultura; desmontou o transporte
ferroviário, apostando nas vias rodoviárias como o motor do desenvolvimento;
foi quem iniciou a saga das privatizações; foi quem alimentou uma horda de
políticos da sua área que utilizaram o poder para os negócios e a finança; foi
com os seus governos que os primeiros fundos comunitários foram desviados e
desbaratados.
Mas Cavaco, nesta sua alocução ao povo, omitiu propositadamente
o caso BES/GES; preferiu não falar dos problemas da saúde pública, da educação
e da justiça; olvidou a forma como o segredo de justiça estará a ser violado
constantemente; preferiu passar uma esponja sobre a forma circense como foi
promovida a detenção de Sócrates, à saída de um avião e com a televisão à
espera. A isso, Cavaco disse nada!
Também optou pela contorção no que diz respeito às condições
sociais em que vive uma grande parte dos portugueses. Preferiu não falar do
facto de uma em cada três crianças em Portugal viver na pobreza. O Cavaco que
se apresentou aos portugueses na noite de ontem, 1, é o Cavaco verdadeiro.
Mostrou o que era e ao que vinha.
Cavaco também não falou sobre um estudo que diz que 55% da
população não confia na Banca e que 84% acredita que o comportamento ético dos
presidentes dos bancos e dos seus respectivos conselhos de administração é
suspeito e que o sistema bancário é opaco e que nenhuma informação sobre as más
práticas bancárias é disponibilizada aos clientes.
Era falso aquele Cavaco que, em nome dos interesses do seu
partido e pelo ódio de estimação que nutre pelo PS e por Sócrates, veio
solenemente falar, na mensagem de Ano Novo de 2008, sobre os residentes em
Portugal que nesse ano «se encontravam em “risco de pobreza ou exclusão social”» e que superava
os 2 milhões e 750 mil”».
Por seu lado, ontem, quando este número quase duplicou, nem
uma palavra saiu daquela boca. Também afastado está o tempo em que verberou,
ainda no tempo do anterior governo, que era «altura dos Portugueses despertarem
da letargia em que têm vivido e perceberem claramente que só uma grande
mobilização da sociedade civil permitirá garantir um rumo de futuro».
Mas neste ano Novo de 2015, Cavaco Silva fez tábua rasa de
tudo o que de negro paira sobre a Classe Média portuguesa e os mais
necessitados. Nada disse sobre o aumento de impostos para este ano, pois o
governo conta receber, conforme o inscrito no Orçamento do Estado para 2015,
promulgado sem quaisquer reservas por Cavaco Silva, no último dia do ano de
2014, mais 2.066 mil milhões de euros em impostos directos e indirectos do que
em 2014.
Na mensagem de Ano Novo do presidente da República não se
ouviu uma palavra de conforto para aquelas famílias que entraram em
insolvência; para aqueles que vivem o drama do desemprego. Nada saiu da boca de
Cavaco sobre o problema da dívida externa de Portugal, nem tampouco dos juros
que temos de pagar sobre a dívida, cujo montante é igual ao que Portugal gasta
com o Ministério da Saúde.
Em vez de alertar para que a Europa de uma vez por todas ter
de entender que esta política de austeridade não leva a lado nenhum e que a
dívida pública portuguesa terá de ser reestruturada, pois ela é impagável,
Cavaco preferiu calar e aceitar as regras impostas pelos credores usurários e
por uma Europa sem rumo. Entendeu subscrever o que pensa Passos Coelho, Paulo
Portas e Maria Luís Albuquerque de que a dívida portuguesa é sustentável.
Nada disse e nada quis dizer Cavaco sobre os males que afectam
os portugueses e Portugal. Apenas quis entrar na campanha eleitoral do governo.
E dar o seu apoio ao dito do primeiro-ministro, no dia de Natal, que afirmou: «Os
portugueses não terão nuvens negras no horizonte. Temos o futuro aberto diante
de nós».
Ontem, o senhor presidente da República repetiu a mesma
lengalenga de que há sinais de esperança no futuro se seguirmos a mesma
política de austeridade.
Nada mais falso e esta mensagem de Cavaco, aliada à de Passos
Coelho, apenas demonstram que estas duas personagens que nos cabem em sorte não
vivem no mesmo País em que vivem 99% dos portugueses.