domingo, 11 de janeiro de 2015

ANO NOVO, VÍCIOS ANTIGOS*

“Eu não me envergonho de corrigir os meus erros e mudar de
opinião, porque não me envergonho de raciocinar e aprender”.
ALEXANDRE HERCULANO

É comum dizer-se: “Ano Novo, Vida Nova”! Mas o Ano Novo traz vícios antigos!
E os vícios antigos que nos acompanham na entrada no Ano Novo estão plasmados na mensagem de Natal do Primeiro-ministro. Coelho, na noite do dia 25 de Dezembro 2014, brindou os portugueses com uma inenarrável mensagem natalícia, a exemplo do que já tinha feito nos anos anteriores por esta mesma altura, pois consubstanciou o seu discurso alicerçado em “aldrabices”. Não bastou a arte da sonegação da verdade na campanha eleitoral de 2011. Passos Coelho continua igual a si próprio: imbuído de um autismo atroz; alguém que não vê, ou não quer ver a realidade; alguém que quis ser poder para destruir toda a classe média de um País?
Passos Coelho mostrou ter um topete especial ao afirmar que: «Em 2015, haverá uma recuperação assinalável do poder de compra de muitos Portugueses. A começar pelos funcionários públicos e pensionistas». Transformar esta meia verdade como um acto de acção do seu governo é próprio de quem se julga imune a tudo e a todos, pois, como todos sabemos, a melhoria dos rendimentos dos funcionários públicos e dos pensionistas não se deve à acção do governo de Passos Coelho, mas, isso sim, às decisões do Tribunal Constitucional que obrigou o governo a repor os cortes salariais.   
Mas não ouvimos na mensagem de Natal do Primeiro-ministro uma única palavra sobre as conclusões de um estudo, publicado no passado pretérito mês de Novembro, que nos indica que mais de duas mil famílias portuguesas com filhos passam fome. O mesmo estudo revela que 12% das famílias estão numa situação de «insegurança alimentar», o que pode implicar fome.
A mesma investigação aponta que «em alguns casos não comeram por vezes o suficiente (1,1%) ou muitas vezes (1,2%)». Este estudo foi financiado pelo Fundo Social Europeu e intitulado «Estudo de Caracterização da Pobreza e Insegurança Alimentar Doméstica das Famílias com Crianças em Idade Escolar».
O ano de 2014 já finou! E foi um ano pródigo na tomada de decisões políticas por parte do governo que marcam significativamente o País, e algumas delas deixam marcas negativas para o futuro próximo, mas das quais Passos Coelho também se absteve de falar na mensagem natalícia.

A maioria que nos governa celebrou, a 17 de Maio, o fim do protectorado da troika. Gritaram que Portugal conquistou a sua soberania, tal qual em 1640. Foi a festa da libertação? Houve gente ligada à maioria que não se coibiu de afirmar que o «País está melhor». No entanto, esqueceram-se de dizer que as pessoas estavam pior. Mas governar em prol das pessoas não entra no dicionário desta maioria que nos governa.
Contudo, não obstante o estralejar de foguetes e a paragem do relógio do Portas, o INE veio dizer, no seu relatório, que, em 2012 – os dados de 2013 serão ainda mais negativos!? -, 18,7% da população portuguesa estava em risco de pobreza. Comparado com o ano de 2009, onde essa percentagem se cifrava em 17,9%. A diferença parece curta, mas o certo é que esta divergência se deve à quebra dos rendimentos das famílias, o que as conduziu à diminuição do limiar de pobreza, e artificialmente deu origem ao valor em que se considera que se entra no limiar de pobreza, o que fez com que muitas famílias deixassem de ser estatisticamente mais pobres, mesmo que a sua situação não tivesse sofrido qualquer alteração.
No entanto, se ligarmos a linha de pobreza a valores de 2009, o risco de pobreza em 2012 é de 24,8%, o que representa um significativo aumento deste indicador nos últimos anos. Também em 2012, 25,5% da população vivia em situação de privação material (em 2009 era 22,5%) e 10,4% encontrava-se em situação de pobreza consistente (em 2009 era de 8,5%). Também diz o INE que a taxa de intensidade da pobreza cresceu de 22,7%, em 2009, para 27,3%, em 2012, mas também adianta que a «verdadeira mudança ocorreu a partir de 2011, pois, até aí, apesar da crise já em curso, conseguiu controlar-se o aumento da pobreza».
A maioria da população sente que a pobreza não aumentou pelo facto de todos em Portugal terem empobrecido. O que a realidade nos diz é que a maior franja da população portuguesa empobreceu na realidade, mas uma minoria de portugueses aumentou, ainda mais, a sua fortuna. Essa é a realidade escondida pela maioria, aquela que afirmou que o País estava melhor, pois orientou-se apenas e só pelo aumento da riqueza de poucos, ou seja: daqueles com quem convivem.
Todavia, o governo e a maioria que o sustenta esqueceram-se de dizer que a pobreza aumentou e que as desigualdades também aumentaram. Para provar essas desigualdades basta atentarmos que o Coeficiente de Gini (fórmula que mede a desigualdade na distribuição de rendimentos) passou de 33,7%, em 2009, para 34,2%, em 2012. Também o rácio que define os rendimentos recebidos pelos 20% da população com maior rendimento e os rendimentos recebidos pelos 20% com menor rendimento aumentou de 5,6% para 6% nos mesmos anos. Também o rácio dos rendimentos dos 90% mais ricos e os 10% mais pobres cresceu de 9,2% para 10,7%.
É este o país que está melhor para os nossos governantes? Mas o certo é que estas diferenças agravaram-se, com toda a certeza, em 20013, tendo em conta os dados anunciados relativamente à cobrança de impostos em 2013.
Em 2014, até ao mês de Novembro, o fisco já cobrou 33 500 milhões de euros de impostos, o que representa a cobrança de mais 2 mil milhões de euros que o cobrado em 2013. Nos últimos 12 meses a receita fiscal cresceu 6,2%.
Desta verba cobrada de impostos, a fatia do IRS (imposto cobrado sobre o rendimento do trabalho) cresceu 9%, comparativamente ao ano anterior, e o IVA aumentou a receita em 7,9%.
Por sua vez, a despesa consolidada da Administração central aumentou em 0,8%, referindo o governo que se deve à reposição salarial. Por isso, parece que a tão propalada reforma do Estado, que tanto tem sido falada pelo governo, apenas se baseou no corte de salários e prestações sociais.
Portanto, e tendo em conta o disposto no Orçamento do Estado para 2015, os portugueses não poderão almejar melhorar as suas condições de vida e ver aumentados os seus rendimentos.
Os impostos continuarão a sugar uma grande parte do rendimento. Até a “aldrabice” inventada no IRS não vai devolver mais dinheiro aos contribuintes, pois aquela devolução anunciada no IRS é praticamente dissolvida com a criação da “fiscalidade verde”, cuja receita vai esbater a tão famigerada treta da pseudo-reforma do IRS amiga das famílias.
Não custa nada anunciar que os resultados financeiros do governo ou de uma autarquia “vão orgulhar” os portugueses ou os munícipes, quando esse resultado está alicerçado na cobrança de impostos e taxas.
Portanto, estes números contrariam a tese de Passos Coelho, apresentada na mensagem de Natal, onde afirmou que «no próximo ano já não há nuvens negras» e acrescentou um pedido aos portugueses para em 2015 não estragarem o que foi feito.
Esta frase é paradigmática e confirma que Passos Coelho vive numa realidade virtual e que vive num outro país que não Portugal. O discurso populista e eleitoralista apresentado por Coelho na mensagem natalícia, só prova a farsa do «que se lixem as eleições», pois no Natal de 2014 abriu a campanha eleitoral.
Seria bom que se tivesse a humildade de reconhecer os erros e emendá-los, pois a manutenção do erro pela teimosia fará muito mal ao país.


*Artigo publicado no Jornal Notícias de Esposende, n.º 1/2015, de 10 a 16 de Janeiro 2015.