“Eu
não me envergonho de corrigir os meus erros e mudar de
opinião,
porque não me envergonho de raciocinar e aprender”.
ALEXANDRE
HERCULANO
É comum dizer-se: “Ano Novo, Vida Nova”! Mas o Ano
Novo traz vícios antigos!
E os vícios antigos que nos acompanham na entrada
no Ano Novo estão plasmados na mensagem de Natal do Primeiro-ministro. Coelho, na
noite do dia 25 de Dezembro 2014, brindou os portugueses com uma inenarrável
mensagem natalícia, a exemplo do que já tinha feito nos anos anteriores por
esta mesma altura, pois consubstanciou o seu discurso alicerçado em
“aldrabices”. Não bastou a arte da sonegação da verdade na campanha eleitoral
de 2011. Passos Coelho continua igual a si próprio: imbuído de um autismo
atroz; alguém que não vê, ou não quer ver a realidade; alguém que quis ser
poder para destruir toda a classe média de um País?
Passos Coelho mostrou ter um
topete especial ao afirmar que: «Em 2015, haverá uma
recuperação assinalável do poder de compra de muitos Portugueses. A começar
pelos funcionários públicos e pensionistas». Transformar esta meia verdade como
um acto de acção do seu governo é próprio de quem se julga imune a tudo e a
todos, pois, como todos sabemos, a melhoria dos rendimentos dos funcionários
públicos e dos pensionistas não se deve à acção do governo de Passos Coelho, mas,
isso sim, às decisões do Tribunal Constitucional que obrigou o governo a repor
os cortes salariais.
Mas não ouvimos na mensagem de Natal do
Primeiro-ministro uma única palavra sobre as conclusões de um estudo, publicado
no passado pretérito mês de Novembro, que nos indica que mais de duas mil
famílias portuguesas com filhos passam fome. O mesmo estudo revela que 12% das
famílias estão numa situação de «insegurança alimentar», o que pode implicar
fome.
A mesma investigação aponta que «em alguns casos
não comeram por vezes o suficiente (1,1%) ou muitas vezes (1,2%)». Este estudo
foi financiado pelo Fundo Social Europeu e intitulado «Estudo de Caracterização
da Pobreza e Insegurança Alimentar Doméstica das Famílias com Crianças em Idade
Escolar».
O ano de 2014 já finou! E foi um ano pródigo na tomada
de decisões políticas por parte do governo que marcam significativamente o
País, e algumas delas deixam marcas negativas para o futuro próximo, mas das
quais Passos Coelho também se absteve de falar na mensagem natalícia.
A maioria que nos governa celebrou, a 17 de Maio, o
fim do protectorado da troika. Gritaram que Portugal conquistou a sua
soberania, tal qual em 1640. Foi a festa da libertação? Houve gente ligada à
maioria que não se coibiu de afirmar que o «País está melhor». No entanto,
esqueceram-se de dizer que as pessoas estavam pior. Mas governar em prol das
pessoas não entra no dicionário desta maioria que nos governa.
Contudo, não obstante o estralejar de foguetes e a
paragem do relógio do Portas, o INE veio dizer, no seu relatório, que, em 2012
– os dados de 2013 serão ainda mais negativos!? -, 18,7% da população
portuguesa estava em risco de pobreza. Comparado com o ano de 2009, onde essa
percentagem se cifrava em 17,9%. A diferença parece curta, mas o certo é que
esta divergência se deve à quebra dos rendimentos das famílias, o que as conduziu
à diminuição do limiar de pobreza, e artificialmente deu origem ao valor em que
se considera que se entra no limiar de pobreza, o que fez com que muitas
famílias deixassem de ser estatisticamente mais pobres, mesmo que a sua
situação não tivesse sofrido qualquer alteração.
No entanto, se ligarmos a linha de pobreza a
valores de 2009, o risco de pobreza em 2012 é de 24,8%, o que representa um
significativo aumento deste indicador nos últimos anos. Também em 2012, 25,5%
da população vivia em situação de privação material (em 2009 era 22,5%) e 10,4%
encontrava-se em situação de pobreza consistente (em 2009 era de 8,5%). Também
diz o INE que a taxa de intensidade da pobreza cresceu de 22,7%, em 2009, para
27,3%, em 2012, mas também adianta que a «verdadeira mudança ocorreu a partir
de 2011, pois, até aí, apesar da crise já em curso, conseguiu controlar-se o
aumento da pobreza».
A maioria da população sente que a pobreza não
aumentou pelo facto de todos em Portugal terem empobrecido. O que a realidade
nos diz é que a maior franja da população portuguesa empobreceu na realidade,
mas uma minoria de portugueses aumentou, ainda mais, a sua fortuna. Essa é a
realidade escondida pela maioria, aquela que afirmou que o País estava melhor,
pois orientou-se apenas e só pelo aumento da riqueza de poucos, ou seja:
daqueles com quem convivem.
Todavia, o governo e a maioria que o sustenta esqueceram-se
de dizer que a pobreza aumentou e que as desigualdades também aumentaram. Para
provar essas desigualdades basta atentarmos que o Coeficiente de Gini (fórmula
que mede a desigualdade na distribuição de rendimentos) passou de 33,7%, em
2009, para 34,2%, em 2012. Também o rácio que define os rendimentos recebidos
pelos 20% da população com maior rendimento e os rendimentos recebidos pelos
20% com menor rendimento aumentou de 5,6% para 6% nos mesmos anos. Também o
rácio dos rendimentos dos 90% mais ricos e os 10% mais pobres cresceu de 9,2%
para 10,7%.
É este o país que está melhor para os nossos
governantes? Mas o certo é que estas diferenças agravaram-se, com toda a
certeza, em 20013, tendo em conta os dados anunciados relativamente à cobrança
de impostos em 2013.
Em 2014, até ao mês de Novembro, o fisco já cobrou
33 500 milhões de euros de impostos, o que representa a cobrança de mais 2 mil
milhões de euros que o cobrado em 2013. Nos últimos 12 meses a receita fiscal
cresceu 6,2%.
Desta verba cobrada de impostos, a fatia do IRS
(imposto cobrado sobre o rendimento do trabalho) cresceu 9%, comparativamente
ao ano anterior, e o IVA aumentou a receita em 7,9%.
Por sua vez, a despesa consolidada da Administração
central aumentou em 0,8%, referindo o governo que se deve à reposição salarial.
Por isso, parece que a tão propalada reforma do Estado, que tanto tem sido
falada pelo governo, apenas se baseou no corte de salários e prestações
sociais.
Portanto, e tendo em conta o disposto no Orçamento
do Estado para 2015, os portugueses não poderão almejar melhorar as suas
condições de vida e ver aumentados os seus rendimentos.
Os impostos continuarão a sugar uma grande parte do
rendimento. Até a “aldrabice” inventada no IRS não vai devolver mais dinheiro
aos contribuintes, pois aquela devolução anunciada no IRS é praticamente
dissolvida com a criação da “fiscalidade verde”, cuja receita vai esbater a tão
famigerada treta da pseudo-reforma do IRS amiga das famílias.
Não custa nada anunciar que os resultados
financeiros do governo ou de uma autarquia “vão orgulhar” os portugueses ou os
munícipes, quando esse resultado está alicerçado na cobrança de impostos e
taxas.
Portanto, estes números contrariam a tese de Passos
Coelho, apresentada na mensagem de Natal, onde afirmou que «no próximo ano já
não há nuvens negras» e acrescentou um pedido aos portugueses para em 2015 não
estragarem o que foi feito.
Esta frase é paradigmática e confirma que Passos
Coelho vive numa realidade virtual e que vive num outro país que não Portugal.
O discurso populista e eleitoralista apresentado por Coelho na mensagem
natalícia, só prova a farsa do «que se lixem as eleições», pois no Natal de
2014 abriu a campanha eleitoral.
Seria bom que se tivesse a humildade de reconhecer os
erros e emendá-los, pois a manutenção do erro pela teimosia fará muito mal ao país.
*Artigo publicado no Jornal Notícias de Esposende, n.º 1/2015, de 10 a
16 de Janeiro 2015.