segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A CONFIANÇA*

A confiança é o principal pilar da vivência em sociedade;
a Justiça, a Política e a Banca deveriam ser o exemplo.

Na nossa vivência social somos, diariamente, confrontados com o vocábulo: CONFIANÇA.
É a confiança nas entidades públicas e privadas, nas empresas, nos amigos, na família e em todos os cidadãos que nos faz viver em sociedade. Todos dependemos uns dos outros, e essa dependência só pode ser completa se houver Confiança.
Uma sociedade só será forte se os seus membros tiverem confiança nas instituições que gerem as suas vidas e daquelas de quem dependem, pessoal e profissionalmente. É por isso que, não obstante toda a tecnologia, é primordial para o bom desempenho de uma sociedade que haja uma confiança forte entre pessoas e instituições.
Em tudo na vida é necessário ter-se confiança. Todavia, há três entidades que, na minha opinião, são o principal pilar da confiança da sociedade: a Justiça, a Política e a Banca.
1 – A Justiça: é consabido que uma sociedade não pode viver sem o bom funcionamento da Justiça. Por isso, a Justiça é um Órgão de Soberania, independente e onde os seus actores desempenham um papel de elevada importância social, pois é deles que depende o bom funcionamento do Estado de direito.
Só com uma Justiça que dê confiança às pessoas poderemos considerar que vivemos numa sociedade justa na defesa dos interesses individuais e colectivos.
Contudo, a Justiça não poderá oferecer à sociedade percepções de que o seu funcionamento não será o melhor, ou que o seu desempenho não seja o mais justo e democrático na igualdade de tratamento, seja quem for os intervenientes.
É por isso que hoje ouvimos da boca do cidadão comum as invectivas de que a Justiça só funciona para uns e protege outros. Que a Justiça é lesta a condenar um pobre que rouba um polvo e um shampoo; mas que é lenta a investigar e a julgar os poderosos. A sociedade não entende porque se prendem uns para investigação e, por outro lado, deixa-se em liberdade outros que são indiciados de crimes idênticos. A sociedade não entende como a Justiça manda arquivar investigações de possível corrupção quando sobre o mesmo assunto noutros países houve condenações por se provar a existência de corrupção.
E quando há na sociedade motivos para que se possa desconfiar do bom funcionamento da Justiça, essa sociedade começa a ficar doente.
2 – A Política: a Política é a ciência de governação das Nações. Contudo, os candidatos passaram a utilizar a campanha como um fim, e não como um meio para alcançar a vitória. Hoje, o cidadão comum vê-se mais envolvido pela política espectáculo do que pela vontade dos candidatos em anunciar e explicar as suas intenções e o seu programa eleitoral. Os políticos não se cansam de fazer promessas; anunciam tudo o que seja agradável aos ouvidos dos cidadãos; não têm pejo a dizer tudo e o seu contrário. Prometem sem terem a certeza de cumprir.
A Política deixou de ser uma área de entrega ao bem comum; um espaço de participação de cidadania; um compromisso com a sociedade da gestão do bem comum; um pacto social para ultrapassar as barreiras sociais, as dificuldades económicas; investir na possibilidade da igualdade de acesso a todos os cidadãos independentemente do seu estrato social; um acordo com a sociedade de que o bem comum está sempre acima do interesse individual ou corporativo.
Nos nossos dias os que buscam o poder na política procuram esse lugar como uma profissão, e não como uma entrega, uma dádiva, ou uma missão em defesa dos interesses comuns.
Tem sido apanágio dos líderes políticos e candidatos prometerem tudo quando estão na oposição com o único fito de chegar ao poder. Lá chegados fazem tudo ao contrário do que prometeram. Juraram não cortar salários, o que fizeram quando chegaram ao poder foi cortar salários e o subsídio de Natal; prometeram não aumentar impostos, a primeira medida que tomaram foi aumentar os impostos; gritavam que tinham a solução mágica para a resolução dos problemas financeiros do país que apenas bastava cortar nas gorduras do Estado, chegados ao poder não encontraram gorduras no Estado.
Hoje, a política não tem credibilidade aos olhos do cidadão comum porque os políticos perderam a vergonha, não têm carácter nem honra, e mentem com facilidade. O memorando da troika era o seu programa de governo e iria para além da troika, confrontado com isso diz que o memorando da troika tinha as contas erradas e não tinha sido ele a fazê-las. Mandou os professores emigrar para Angola, confrontado com essas afirmações afirmou que nunca mandou ninguém emigrar e que isso era um mito urbano. Pede a reeleição em Outubro próximo, mas esconde dos portugueses as medidas com que se comprometeu com a União Europeia de cortar 600 milhões de euros nas reformas e pensões.
Quando os políticos enveredam pela arte da mentira, estiolam a confiança que os cidadãos tinham na política e nos políticos. Um país onde os cidadãos não têm confiança na política é uma sociedade em desagregação, onde as mais básicas normas de carácter estão feridas de morte.
Quando se perde a confiança na política, a sociedade está doente e deixa de intervir no sentido de procurar, com as ferramentas que a Democracia lhe concede, construir um País melhor e uma sociedade mais justa e igualitária.
3 – A Banca: para além da Justiça e da Política, a Banca é um dos pilares de sustentação do bom funcionamento de uma sociedade.
É através da Banca que os cidadãos podem aplicar o seu dinheiro; podem pedir empréstimos para as suas necessidades; é onde as empresas recorrem para se financiar e poderem exercer a sua actividade.
Sendo a Banca uma entidade de extrema importância no funcionamento da sociedade em todos os seus sentidos, a mesma terá de ter um exemplar grau de fidúcia perante a sociedade.
Contudo, hoje, os cidadãos não têm confiança na Banca. A sociedade olha para os desmandos provocados pela Banca e não confia nas entidades bancárias. Os exemplos do BPN, do BPP, do Millennium bcp e, essencialmente, a decisão do governo com o BES, levam a sociedade a não confiar nessas entidades.
O que se está a passar com os lesados do BES é o exemplo acabado de que a sociedade perdeu a confiança nos bancos, no governo e nos reguladores.
O mundo financeiro requer um conhecimento profundo da sua linguagem. E todos sabemos que a maioria dos cidadãos não domina essa linguagem. E por esse motivo os clientes depositam a sua confiança no banco e nos trabalhadores das entidades bancárias que escolhem para poderem aplicar as suas poupanças ou recorrer ao crédito bancário.
Portanto, quando a sociedade convive com a Banca, está a lidar de boa-fé e tem confiança nessa entidade. Quando as coisas começam a correr mal, a sociedade deixa de confiar e os problemas começam a surgir.
O mais caricato de tudo é o exemplo dos lesados do BES. Estes clientes do BES confiaram no banco, confiaram nos funcionários e depois assistiram a uma decisão do governo, dando a cara por isso o governador do Banco de Portugal, de encerrar o BES e criar uma nova entidade bancária que não assumiu os investimentos no papel comercial que os clientes fizeram no grupo BES/GES.
Ora, pergunta-se o que andaram a fazer os reguladores – Banco de Portugal e CMVM – , será que nunca souberam da forma como o BES estava a vender o papel comercial do grupo? Acho impossível! Como entidade reguladora, por que motivo não intervieram quando o grupo BES/GES começou a vender aos balcões do BES o papel comercial do grupo?
Os lesados do BES, como todos os cidadãos, perderam toda a confiança na Banca e nos reguladores, para além de todo o papel desempenhado pelo governo, que no caso do BES foi a mão por detrás do arbusto.
Só a título de exemplo, os contribuintes portugueses suportaram perto de 10 mil milhões de euros para salvar a banca portuguesa, e os contribuintes europeus pagaram mais de 590 mil milhões de euros para tapar os buracos dos bancos.
A perda de confiança da sociedade na Justiça, na Política e na Banca é sinal de uma sociedade doente e desmantelada.


*Crónica publicada no Jornal Notícias de Esposende, n.º 31/2015 – 27 Agosto a 2 de Setembro.