domingo, 16 de agosto de 2015

AS FALÁCIAS SOBRE A BANCARROTA*

A Coligação de Direita e gente intelectualmente desonesta repete
até à náusea a mentira de que o PS é responsável pela bancarrota,
tentando transformar a mentira em verdade.

Temos assistido em Portugal a uma tentativa falaciosa de imputar ao PS a responsabilidade pela vinda, por três vezes, do FMI para Portugal, e de que o Partido Socialista foi o responsável pelas três bancarrotas que dizem ter ocorrido em Portugal nos últimos 40 anos. Gente aldrabona e sem vergonha na cara, mente desbragadamente, tenta reescrever a história, procurando fazer com que uma mentira repetida muitas vezes se transforme numa verdade.
Contudo, o Partido Socialista não foi o responsável pelas tais bancarrotas do País que a Coligação da Direita (PàF) tem tentado imputar ao PS. O PS viu-se obrigado a pedir ajuda externa quando chegou ao governo, nas duas primeiras vezes – 1977 e 1983 -, e na terceira porque viu a oposição em bloco chumbar na Assembleia da República – 2011 – o PEC4, programa aprovado pelas instituições internacionais que entendiam ser esse programa suficiente para que Portugal ultrapassasse a crise em que se viu envolvido fruto da grave crise financeira na conjuntura internacional que surgiu em 2008.
1 – Em 1977, o I Governo Constitucional, eleito em 1976, chefiado por Mário Soares e apoiado pelo PSD, que tinha Mota Pinto como ministro, teve necessidade de pedir apoio ao FMI devido à situação económica, financeira e social do país, com o défice da balança corrente portuguesa a atingir os 10,3% do PIB.
Portugal tinha acabado de sair de uma instabilidade política após o 25 de Abril de 1974, com os consecutivos governos provisórios e o chamado PREC, que culminou com o 25 de Novembro de 1975. Neste espaço temporal, o país teve necessidade de se modernizar; melhorar as condições de vida dos portugueses; teve o regresso de centenas de milhares de retornados vindos das colónias ultramarinas; assistiu à fuga de capitais de Portugal; viveu as nacionalizações e a Reforma Agrária; a instabilidade política fez parte do dia-a-dia nacional.
Em consequência de todas estas convulsões, o país estava de rastos económica, financeira e socialmente. A taxa de desemprego era superior a 7%; os bens eram racionados; a inflação crescia em catadupa; o escudo desvalorizava cada vez mais; a conflitualidade política era enorme. Para poder ultrapassar tudo isto, o governo do PS, com o apoio do PSD, teve necessidade de pedir ajuda ao FMI, entidade a que tinha aderido em 1960. Nessa altura, como hoje, o FMI trouxe na bagagem graves pacotes de austeridade, como a redução dos salários e a subida de impostos.
O acordo com o FMI foi concluído em Maio de 1978, já com o II Governo Constitucional, desta vez com Mário Soares liderando uma coligação PS/CDS (sendo, na altura, Ministro das Finanças, Victor Constâncio). O programa de ajustamento estrutural, 1978-1979, continha as medidas tradicionais de contracção da procura interna, ao mesmo tempo que se estimulava e especializava subsectores da economia portuguesa, para servir as necessidades das cadeias de produção e distribuição dos grandes grupos industriais multinacionais e suas estratégias de localização produtiva.
A história não pode ser mudada nem apagada conforme as conveniências. Por isso, é falsa a narrativa de querer imputar ao PS a responsabilidade da criação de uma bancarrota e a necessidade da entrada do FMI em Portugal em 1978. Mais, a coligação de direita (PàF) deveria ter vergonha ao falar de 1977, pois enquanto o PS lutava sozinho contra a extrema-esquerda que queria fazer de Portugal a Cuba da Europa, o PSD e o CDS fugiu para Espanha e Brasil, acompanhado da fuga de capitais.
2 – A 2.ª vez que o FMI foi chamado a Portugal foi em 1983. Tal como da primeira vez, foi o PS que chegou ao governo. Com Mário Soares como Primeiro-ministro à frente de um governo do Bloco Central, com o PPD/PSD de Mota Pinto.
Ao iniciar funções, o governo encontrou o país em bancarrota, fruto da governação da AD (coligação do PPD/PSD - CDS e PPM) que tinha sido eleita em 1979. O chefe do governo era Sá Carneiro, que faleceu em 1980. O ministro das finanças era Cavaco Silva. Com a morte de Sá Carneiro, foi Pinto Balsemão a assumir a chefia do governo, tendo João Salgueiro como ministro das Finanças, que substituiu Cavaco Silva, que sabendo o estado em que tinha as finanças públicas abandonou as funções de ministro das finanças – o tacticismo próprio daquele que diz que não é político?.
Em 1983, os governos da Aliança Democrática (PSD/CDS/PPM) deixavam um défice da balança corrente de 10,5% do PIB. A economia nacional estava mais vulnerável às repercussões do segundo choque petrolífero e da crise da dívida de 1982, assim como mais dependente do capital estrangeiro.
O governo do Bloco Central tomou posse no dia 9 de Junho de 1983 e encontrou o país na bancarrota. Para além disso, o desemprego estava acima de 11% e a dívida externa era galopante, fruto da subida das taxas de juro internacionais.
Perante este cenário económico, financeiro e social, o governo pediu ajuda ao FMI, que emprestou a Portugal 750 milhões de dólares, impondo, mais uma vez, uma cartilha de austeridade, como a imposição de cortes salariais na Função Pública, aumento dos preços, travão no investimento público e cortes nos subsídios de Natal, para além de outras medidas.
Portanto, aqui está a prova de que não foi da responsabilidade do PS a necessidade do pedido de ajuda ao FMI.
3 – A 3.ª vez que Portugal pediu ajuda externa nos últimos 40 anos foi, como é do conhecimento de todos, em 2011, estando no poder o PS, com José Sócrates como Primeiro-ministro.
Este governo do PS, eleito em 2005, conseguiu equilibrar as contas públicos, tendo conseguido reduzir o défice público até 3%, conforme a obrigatoriedade imposta pelos compromissos europeus de adesão à moeda única, o Euro.
Porém, em 2008 rebentou uma grave crise financeira no mundo, originando a falência do banco americano, Lehman Brothers, que provocou uma hecatombe mundial financeira. Em Portugal o BPN teve de ser nacionalizado para evitar a contaminação sistémica com os restantes bancos portugueses.
Foi esta crise financeira a responsável pelo grave desequilíbrio das contas públicas portuguesas, tendo em conta que o estado e as empresas públicas, bem como a banca e as empresas privadas estava muito endividadas e expostas aos mercados externos.
Para além de tudo isto, as instituições europeias não tiveram capacidade para criar medidas de defesa aos países economicamente mais débeis, deixando-os, assim, à voracidade dos mercados que encontraram nas dívidas soberanas uma forma de receberem o dinheiro que tinham emprestado.
No entanto, não poderemos esquecer que o 3.º pedido de ajuda externa feito por Portugal foi apenas porque apeteceu a alguém, porque apeteceu ao PSD, porque Portugal era o único que estava a crescer em plena crise. Todos sabemos como a oposição reagiu ao PEC4 e, também, como o PSD e o CDS aplaudiram a entrada da Troika em Portugal.
Por muito que a PàF venha agora sacudir a “água do capote”, o certo é que eles intervieram de forma activa na elaboração do memorando de entendimento.
Estas mentiras sobre os pedidos de ajuda vão “colando” na opinião pública porque o PS ao longo do tempo deixou vingar a narrativa (da direita) de que foi o PS o principal responsável pela vinda da Troika para Portugal, e branqueou o papel chave e primordial do PSD e de Passos Coelho, bem como de Cavaco Silva, nesse processo!
Mais, enquanto os ministros e lideres da direita repetem a ladainha de cada vez que são entrevistados ou apresentam um número, um insucesso, etc., o PS (ainda?) não conseguiu construir uma contra-narrativa, e repetida à exaustão (e de forma tão alinhada como entre a direita) sobre o papel chave e primordial do PSD e de Passos Coelho (e do PR) na vinda da Troika para Portugal. Será que o PS ainda irá a tempo de desmontar mais uma mentira da direita?

*Artigo publicado no Jornal de Notícias de Esposende, n.º 29/2015 – 14 a 20 de Agosto.