As últimas semanas têm mostrado o ridículo e a deturpação dos factos e razões
Tem sido um fartar vilanagem de
declarações públicas de responsáveis políticos, de dirigentes dos colégios, de
pais de alunos que frequentam os colégios privados, de membros da Igreja, de
comentadores políticos, etc, sobre a decisão do governo de reavaliar e não
renovar os contratos de associação com escolas privadas.
Muita lama tem sido atirada para
cima do Ministro da Educação, sendo Passos Coelho aquele que mais insinuações
torpes, falta de seriedade e honestidade política lançou para o palco desta
discussão.
Contudo, antes de mais, quero
afirmar que a discussão lançada para o palco, num acto indecoroso de procurar
dividir o ensino público e o privado, de procurar imputar ao governo uma
atitude meramente ideológica e de perseguição ao ensino privado, não passa de
uma mera falácia e tem contornos que raiam a mentira, a trapaça e a
desonestidade intelectual. Não posso ter macieza nas palavras ao abordar este
assunto, pois estamos perante um verdadeiro ataque de carácter perpetrado por
quem deveria recatar-se em insinuações vis, pois não tem moral para o que quer
que seja sobre o assunto em demanda.
No entanto, vamos por partes e
esclarecer sobre aquilo que está em causa e a ser discutido.
Afinal, o que são os contratos de
associação com as escolas privadas? São
contratos celebrados, nos anos 80 do século passado, entre o Estado,
representado pelo Ministério da Educação, e os estabelecimentos de ensino
particular e cooperativo situados em áreas onde não havia escolas públicas que
pudessem responder às necessidades, pelo que esses contratos visavam assegurar
a gratuitidade do ensino aos alunos que não tenham obtido vaga nas escolas da
rede pública.
Os contratos eram assinados com
estabelecimentos particulares ou cooperativos quando não existiam
estabelecimentos de ensino público numa determinada localidade, ou se os havia
os mesmos se encontrassem saturados.
Portanto, os contratos de
associação eram assinados para garantir que nenhum aluno ficava impedido de
frequentar a escola.
Importa realçar que estes contratos
surgiram há mais de trinta anos, ou seja, num contexto completamente diferente
daquele que é hoje, relativamente à rede escolar pública que era
incomparavelmente menor.
O que fez o governo para podermos
assistir a este espectáculo triste que nos tem sido fornecido? Simples e
transparente como a água mais pura da nascente, o Ministério da Educação
definiu, através do Despacho normativo n.º 1-H/2016, com data de 13 de Abril de
2016, informando que só serão firmados contratos de associação para financiar novas turmas de início de
ciclo onde haja carência de oferta pública. E é esta a avaliação que está a
ser feita da rede escolar pública e privada actualmente existente na preparação
do próximo ano lectivo.
E foi esta norma,
propositadamente escondida e entroncada por aqueles que contestam a decisão do
governo. Os contratos de associação com as escolas particulares e cooperativas
só terminarão no final de cada ciclo do ensino, para os já existentes. Novos
contratos só serão lavrados em casos onde esteja devidamente comprovada que a
rede da escola pública não consegue dar resposta às necessidades.
É lógico e entendível por quem
queira estar minimamente liberto de interesses que não há razão plausível e
entendível para o Estado continuar a pagar a escolas particulares e
cooperativas para substituir a falta de escolas públicas, quando na localidade
há uma rede de escolas públicas que dá resposta às necessidades.
Só a pura demagogia, o populismo
e a intenção ideológica de destruição de tudo o que é público é que poderá
defender a manutenção destes contratos que oneram os cofres públicos
desnecessariamente.
A direita, tão paladina a
anunciar o despesismo dos governos de esquerda, teve o topete de cortar, nos
últimos quatro anos de governação, nas prestações sociais, no subsídio de
desemprego, nos apoios sociais, na ajuda aos mais idosos e financeiramente mais
frágeis; ao mesmo tempo que fez uma revisão dos contratos de associação com os
colégios particulares aumentando o valor do contrato.
A direita enche a boca a falar em
gestão de recursos, mas no que tange aos colégios particulares os mesmos são
pródigos na sua generosidade.
De uma vez por todas temos de
perceber que o Estado não pode entregar, através dos contratos de associação,
80.500 euros por turma aos colégios particulares e corporativos quando há
oferta suficiente da rede escolar pública.
E quer se queira ou não, o que
está na peleja é a renda fixa que engorda e sustenta os colégios particulares e
cooperativos.
Estamos perante o verdadeiro
liberalismo português, que defende que o Estado deve sair de tudo – a educação
não deve ser pública, a saúde não deve ser pública, a segurança social não deve
ser pública, as empresas não devem ser públicas -, mas defendem que o Estado
deve dar dinheiro às empresas privadas, deve pagar aos hospitais privados, não
deve sustentar os mais desfavorecidos com o pagamento de prestações sociais,
pois há as seguradoras a vender seguros, deve dar a liberdade de escolha na
escola e pagar aos colégios, deve pagar aos hospitais privados, etc. É esta a
verdadeira realidade do liberalismo típico português que a nossa direita
defende.
A direita e os interesses
instalados entre os proprietários dos colégios, incluindo a Igreja, que não dá
nada a ninguém e anda a fazer peditórios para a Universidade Católica – onde só
lá entra quem tiver dinheiro para pagar as altas propinas -, vem intrometer-se
na decisão do governo nesta temática dos acordos de associação.
Também se torna ridícula a
alegação do direito à liberdade de escolha por parte dos pais para escolherem a
escola onde querem que os filhos estudem. Esta é uma falácia que torna ridículo
quem a profere.
Ninguém está a impedir a
liberdade de escolha. O Estado cumpre o seu papel, por isso criou uma rede de
escolas públicas que colocam gratuitamente à disposição dos alunos para a
poderem frequentar e aprender. Se porventura alguém entender que não quer os
seus filhos na escola que o governo coloca à disposição dos seus filhos para
aprenderem e optar por colocar os seus filhos numa escola particular ou
cooperativa está a utilizar a sua liberdade de escolha, agora não tem é
legitimidade de exigir que o Estado pague aos colégios particulares ou
cooperativos, quando esse mesmo Estado coloca à sua disposição uma rede de
ensino.
Logo, Passos Coelho tem razão ao
dizer que o Ministro da Educação defende “interesses suspeitos”, pois esses
interesses que Passos Coelho abomina, são o interesse dos contribuintes; o
interesse da Constituição; o interesse do Estado Social e o interesse da Escola
Pública, o maior elevador social conquistado pela Democracia.
Nota: O autor escreve com o AO
Crónica publicada no
Jornal Notícias de Esposende de 14 de Maio de 2016