domingo, 27 de dezembro de 2015

“BANIFOU-SE”

Um governo que opta ostensivamente por cortar na saúde pública e apoiar a Banca sem exigência de obrigações é um governo sem vergonha

Esta semana foi-nos presenteada com duas notícias que chocam qualquer cidadão bem formado, mas também mesmo aqueles que no peito têm uma pedra no lugar do coração.
Uma sociedade que assiste no seu país a dois acontecimentos trágicos ocorridos no mesmo fim-de-semana terá, obrigatoriamente, de ter um sobressalto cívico e demonstrar à classe política, aos banqueiros e aos médicos que as pessoas têm de ser respeitadas e não se deve brincar com o dinheiro de quem pouco tem e com a saúde do mais comum dos mortais.
1 – No domingo à noite, já perto da madrugada, o Primeiro-ministro, António Costa, veio às televisões anunciar ao país que o Banco Banif tinha sido vendido ao Santander Totta por 150 milhões de euros, acrescentando que este negócio teve de ser feito assim e desta forma porque desde há 3 anos que este Banco tem imparidades e que o Estado português já lá tinha injectado mais de 1.100 mil milhões de euros, sendo o Estado acionista com 60% do valor do Banif. Acrescentando o Primeiro-ministro que o anterior governo, liderado por Passos Coelho, já tinha sido notificado pela Autoridade da Concorrência da União Europeia, em Março deste ano, para resolver o problema do Banif, que já se vinha arrastando há dois anos.
Contudo, o governo anterior nada fez, pois já tinha às costas o problema do Novo Banco e aproximavam-se as eleições. Assim, em nome das eleições, o anterior governo empurrou com a barriga o problema chamado Banif e alardeou alegremente a recuperação económica, a melhoria do défice - garantia a pés juntos que o défice de 2015 seria de 2,7%, coisa nunca antes conquistada no País -, o emprego estava a crescer e a economia a rejuvenescer. Tudo campanha eleitoral baseada numa mentira consciente com o único fito de ludibriar o povo mais incauto e ganhar as eleições, como veio a acontecer, não obstante a perda da maioria e a redução substancial do número de deputados eleitos.
O problema do Banif já deveria ter sido resolvido há um ano, mas o governo preferiu esconder, com o beneplácito do governador do Banco de Portugal - que pelo silêncio e inação recebeu como prémio a recondução no cargo umas semanas antes das eleições -, este grave problema, porque sendo denunciado, atiraria por terra toda a propaganda do governo com a saída limpa do plano de resgate.
O que torna esta mentira do defunto governo ainda mais grave, foi a complacência e a concordância da Troika com este embuste para proclamarem aos sete ventos o êxito do Plano de Resgate da Troika. Esta falcatrua não comprometeu o acto eleitoral da PàF, mas este jogo de sombras não trouxe qualquer benefício, e é lamentável o silêncio cúmplice da União Europeia sobre este tema.
Agora que o problema rebentou nas mãos do actual governo em todo o seu esplendor, fica a dúvida se a solução agora tomada de urgência, e sob pressão e ultimato da Autoridade da Concorrência da União Europeia, não poderia ser mais benéfica para os contribuintes portugueses se tivesse sido resolvido há um ano?.
É um facto que havia eleições à porta e, pelos vistos, era o que mais interessava ao PSD e ao CDS, o mais importante para o defunto governo da coligação de direita. Todavia, da mesma forma que mentiram aos portugueses sobre a fábula da devolução da sobretaxa, também nos enganaram com o problema do Banif.
Perante este rol de mentiras que têm vindo a público, deveremos temer que não surjam mais esqueletos escondidos no armário. E todos temos de ficar apreensivos, pois a “gerigonça” da PàF ainda não saiu do adro.
Hoje sabemos que a “saída limpa foi um resultado pequeno para uma propaganda enorme”.
Mais, entre 2008 e 2014 o Estado português gastou quase 12 mil milhões de euros com ajuda à Banca (BPN, BPP, Novo Banco e Banif, etc.). Estes 12 mil milhões de euros saíram dos bolsos dos contribuintes e de todos os cortes perpetrados pelo governo de Passos e Portas.
2 – Neste fim-de-semana negro, enquanto o Primeiro-ministro anunciava ao país a necessidade de vender o Banif para salvar o dinheiro dos depositantes e a economia das ilhas - Madeira e Açores -, que está muito exposta a este Banco, afirmando que os contribuintes portugueses iriam perder muito dinheiro com a venda do Banif, mas que esta era a melhor solução, no Hospital de S. José, em Lisboa, agonizava um jovem, de 29 anos, que na tarde de sexta-feira tinha sofrido o rebentamento de um aneurisma e foi encaminhado de urgência do Hospital de Santarém para aquele hospital lisboeta a fim de ser operado de urgência.
Contudo, o jovem doente entrou no Hospital de S. José e não podia ser operado naquele fim-de-semana, pois não havia equipas de neurocirurgia a trabalhar aos fins-de-semana dado que não houve acordo quanto aos honorários a receber pelos médicos e toda a equipa de enfermagem e radiologia, graças à política de destruição do Serviço Nacional de Saúde executada pelo anterior governo ao longo dos seus 4 anos de governação.
Uma vergonha de país, onde não se pode adoecer ao fim-de-semana e o jovem - e quantos outros já não lhes terá acontecido de terem morrido ao fim-de-semana na cama do hospital por falta de assistência? - teve o azar de o aneurisma ter “escolhido” rebentar num fim-de-semana e teve de estar à espera da segunda-feira para ser operado. Contudo, como a morte não tem fins-de-semana nem anda a discutir honorários, o cidadão português faleceu na segunda-feira de manhã, poucas horas depois de o Primeiro-ministro do nosso país ter anunciado, apenas porque o governo anterior não resolveu devidamente e atempadamente o problema, que os contribuintes portugueses iam ter de suportar com mais de 3 mil milhões de euros de prejuízo do Banif. São estas as ironias do destino!
Dessa forma, o anterior governo, com as suas cegas políticas de cortes no Serviço Nacional de Saúde, obrigou o Hospital de S. José a poupar para socorrer o Banif e o BES, e para o défice, pois dessa forma se agradaria a Bruxelas e aos mercados.
No entanto, falhava naquilo que era de mais importante e era a sua missão: salvar pessoas! Há gente a morrer nos catres dos hospitais porque o dinheiro dos nossos impostos que deveria servir para investir nos cuidados de saúde pública é desviado para salvar Bancos, cujos desmandos de banqueiros e accionistas continuam a passar incólumes.
3 – Não aceito a lengalenga de que tem de ser assim! E de que se assim não for ainda será pior! As nossas prioridades terão de ser outras!
Desde que os doentes passaram a ser tratados como clientes, nunca mais a saúde cumpriu o seu papel e nunca mais os médicos, principalmente estes, enfermeiros e técnicos cumpriram a sua missão de colocar os interesses do doente à frente da sua regalia financeira e afins. Quem trabalha tem todo o direito de ser pago condignamente. Para isso deve lutar, mas por isso não deve deixar de prestar assistência a quem precisa.
Hoje tudo anda à volta da economia monetarista, não da economia como disciplina e componente social. Também há muitos médicos que trocam o seu juramento de Hipócrates pelo de Hipócrita…
As nossas prioridades enquanto comunidade e sociedade evoluída deverá ser a de impedir esta inversão de valores, pelo que não podemos permitir que os cortes nos vencimentos, o aumento de impostos, o crescimento da pobreza, o aumento do desemprego, a saída de 300 mil emigrantes e os casos do BES e do Banif sejam uma fatalidade e uma necessidade, como o defunto governo da PàF sempre nos anunciou. É isso que nos compete mudar e acabar com esta palhaçada!
Os quatro anos de governo do PSD e do CDS foram uma autêntica fraude, pois hoje sabemos que os dois principais desígnios, a redução do défice orçamental e a sustentabilidade da banca, inscritos no memorando de Entendimento com a Troika, não foram cumpridos, e isso representa um falhanço colossal do governo de então e das instituições europeias que foram coniventes com todo o embuste.
Já agora, ao que parece, o caso Banif serviu para o Banco Central Europeu recuperar 2 mil milhões de euros, apresentando para isso uma conta de mais de 3 mil milhões de euros a pagar pelos contribuintes portugueses.

NOTA: O autor escreve com o antigo AO