quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

“FRAUDE”, DE QUEM?

O refluxo gástrico atinge a maioria das pessoas. O combate a essa maleita faz-se com umas simples pastilhas e não com palavreado desconexo e revanchista

1 – Os quase dois meses que nos separam das eleições Legislativas têm trazido a público um degradante espectáculo sobre a tentativa de denegrir a Democracia e fazer crer aos mais incautos e aos menos informados que em Portugal houve uma “fraude eleitoral”, um “assalto ao poder” ou um “atentado contra a Democracia”. Nada disto que Passos Coelho, Paulo Portas e todos os seus muchachos têm andado por aí a apregoar é verdade. Acontece, porém, que foi a Democracia que funcionou! E só quem não sabe o que é Democracia e quem tenha falta de cultura democrática poderá expelir estas barbaridades pela boca fora.
Em Democracia não se pode apelar à tradição! O cumprimento da Constituição da República Portuguesa não é a tradição! Tradição é apenas uma acção ancestral que se foi enraizando na vida privada ou colectiva que, sem que houvesse uma orientação escrita, foi prevalecendo nos costumes sociais e aceite pelas pessoas. Tradição, por exemplo, é a reunião da família no Natal. Ou a realização de uma festa em honra de um Santo. Mas as tradições, se por aí quiserem ir, também acabam. Por exemplo, era tradição fumar dentro dos cafés, dos restaurantes, dos transportes públicos, dos escritórios, etc. Mas a partir do momento em que foi criada uma norma que proíbe fumar dentro desses espaços a tradição acabou.
Portanto, seria bom que se deixasse de apelar à tradição para se criticar a decisão da esquerda parlamentar em derrubar o governo que, não obstante ter ganho as eleições, não tinha maioria parlamentar.
2 – O PS, com o apoio parlamentar dos restantes partidos da esquerda (BE, PCP e PEV), apresentou uma solução de governo maioritário na Assembleia da República. Esta posição é Democrática, é Constitucional e é legítima.
No entanto, o ex-Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, não se coibiu de destilar a sua verve ressabiada com epítetos grotescos. Passos Coelho, numa intervenção partidária junto dos seus militantes, apelou a António Costa para desistir da ideia de um acordo parlamentar de esquerda, que detém a maioria absoluta, e formar um governo, pois assim seria acusado de “governar como golpistas e fraudulentos”. Acusando a esquerda de “assalto ao poder, defraudar os eleitores, fraude eleitoral e golpe político”. Em contrapartida reclamou por uma alteração à Constituição para ser permitida a marcação de novas eleições, que certamente se iriam repetindo sucessivamente até que a direita tivesse maioria absoluta…
O refluxo gástrico que afecta Passos Coelho, Paulo Portas e não só está a tolher o raciocínio aos sujeitos, trazendo ao de cima a falta de cultura democrática que as ditas personagens nos tem apresentado. Vamos por partes na desconstrução deste palavrório enganador para os menos informados.
i)                    “golpistas, fraudulentos e defraudar os eleitores” – Estes adjectivos utilizados por Passos Coelho não podem ser direccionados para a esquerda parlamentar eleita no passado dia 4 de Outubro, pois foi respeitada a Democracia e a Constituição. Contudo, o mesmo já não se poderá dizer de Passos Coelho, em 2011, ao chumbar na Assembleia da República o PEC4 e fazendo com que, dessa forma, o governo de José Sócrates tivesse caído, pois golpista foi essa atitude dado que aí vislumbrou uma possibilidade de chegar ao poder, tendo mesmo cedido à chantagem do PSD de “ter eleições no país ou no partido”. Fraudulentos, diz Coelho. Todavia, fraude foi aquilo que Coelho e Portas fizeram durante a campanha eleitoral quando mentiram aos portugueses que iam devolver 35% da sobretaxa de IRS. Defraudar os eleitores foi utilizar esse expediente, criando até um simulador para os contribuintes irem conferir. Fraude eleitoral e golpe político, foi servirem-se de um organismo estatal para fazerem campanha eleitoral para enganar os eleitores. Isso, sim, é que é de golpistas.
Chega desta ladainha da direita de procurar tornar uma acção legítima e Democrática numa “falta de legitimidade”, de “usurpação” e de “assalto ao poder”, pois nada disso que afirmam é verdade. Mas o que demonstra a falta de carácter político é o facto de eles saberem muito bem que a esquerda actuou com toda a legalidade e legitimidade, mas procuram, com o seu ar de “calimero”, do coitadinhos de nós que até ganhamos as eleições mas esses esquerdelhas revolucionários não nos deixam governar, atirar o odioso para cima da esquerda.
3 – Por isso, apenas posso dizer à Direita política, roubando os direitos de autor a António José Seguro: habituem-se!
No Portugal político uma nova realidade nasceu! Quarenta anos depois de se ter erguido um muro que separou os partidos da esquerda, António Costa teve o mérito de o derrubar. António Costa é o novo Primeiro-ministro de Portugal. E, quanto a isso, não pode restar a mais pequena dúvida, pois não foi violada nem vilipendiada qualquer norma do ordenamento jurídico português, bem como a Constituição da República de Portugal.
Já agora, seria bom que a direita, caso queira continuar a trilhar a deriva acusatória da “fraude”, dissesse alguma coisa aos portugueses sobre a mentira – ou fraude – da devolução de 35% da sobretaxa, tão anunciada e feita bandeira na campanha eleitoral. Agora, passadas as eleições, a devolução desceu num ápice de 35% para 9,7%, sendo que agora a devolução é zero. Questionado perante estes factos, Passos Coelho sacudiu as suas culpas, a do seu governo e a da sua coligação. Querem dizer que não sabiam de nada. E um pouco de vergonha na cara não há?
Todavia, também seria um imperativo de sentido de Estado que a direita esclarecesse o povo sobre o Novo Banco. Isto porque Passos Coelho, Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque não deixaram de massacrar a populaça com a lengalenga de que isso não trazia custos para os contribuintes. Contudo, e não obstante durante a campanha eleitoral Passos Coelho ter tido o topete de dizer que o Estado até estava a ganhar dinheiro com os juros que recebia do Novo Banco, o certo é que, passadas as eleições, veio-se a saber que os 4,9 mil milhões de euros que lá tinham sido injectados do erário público, travestido de fundo de resolução, já se tinham esfumado e que o Banco precisa de uma injecção de capital de mais 1,4 mil milhões de euros, para além de ter de ser levada a efeito uma restruturação que se saldará no despedimento de cerca de mil trabalhadores… e tudo isto depois de falharem a venda do mesmo. O que mais virá por aí?
Já agora, também seria interessante que a direita liderada por Passos Coelho nos fizesse um desenho sobre a privatização da TAP, sendo que, sabe-se agora, o risco de incumprimento ou dos prejuízos ficam a cargo do Estado.
4 – Por fim, quero apenas afirmar que nada adulterou a Democracia e os princípios Constitucionais. Na sequência das eleições, Passos Coelho foi indigitado Primeiro-ministro e a direita convidada a formar governo. Tudo como mandam as regras! Chegados com o programa de governo à Assembleia da República, o mesmo foi chumbado pela maioria dos deputados que compõem o Parlamento. Nessa sequência, surgiu o PS e apresentou uma solução governativa com apoio da maioria na Assembleia da República. Tudo legal e transparente como a água!
Antes de começar esta crónica estive a assistir à tomada de posse do XXI governo Constitucional liderado por António Costa. O que me apraz registar sobre o momento, é que o Presidente da República não conseguiu despir a sua camisola partidária e não deixou de meter as suas farpas no novo governo, ameaçando que ainda tinha poderes… Isto tudo depois de não ter tido pejo de demonstrar todo o seu revanchismo, pois Cavaco Silva não se comportou como um estadista – na minha opinião Cavaco nunca foi um estadista – quando deu conhecimento de que António Costa ia ser o Primeiro-ministro de Portugal. Cavaco é rude e vingativo, pois basta atentar no verbo utilizado no comunicado ao dizer “…indicar o Dr. António Costa para Primeiro-Ministro”, quando o que deveria dizer era indigitar. Mas como indigitar e indicar não é a mesma coisa, aqui fica a vingança de Cavaco…

Nota: O autor escreve segundo o antigo AO

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