O refluxo gástrico atinge a maioria das pessoas. O combate a essa maleita faz-se com umas simples pastilhas e não com palavreado desconexo e revanchista
1 – Os quase dois meses que nos separam das eleições Legislativas
têm trazido a público um degradante espectáculo sobre a tentativa de denegrir a
Democracia e fazer crer aos mais incautos e aos menos informados que em
Portugal houve uma “fraude eleitoral”, um “assalto ao poder” ou um “atentado
contra a Democracia”. Nada disto que Passos Coelho, Paulo Portas e todos os
seus muchachos têm andado por aí a
apregoar é verdade. Acontece, porém, que foi a Democracia que funcionou! E só
quem não sabe o que é Democracia e quem tenha falta de cultura democrática
poderá expelir estas barbaridades pela boca fora.
Em Democracia não se pode apelar
à tradição! O cumprimento da Constituição da República Portuguesa não é a
tradição! Tradição é apenas uma acção ancestral que se foi enraizando na vida
privada ou colectiva que, sem que houvesse uma orientação escrita, foi
prevalecendo nos costumes sociais e aceite pelas pessoas. Tradição, por
exemplo, é a reunião da família no Natal. Ou a realização de uma festa em honra
de um Santo. Mas as tradições, se por aí quiserem ir, também acabam. Por
exemplo, era tradição fumar dentro dos cafés, dos restaurantes, dos transportes
públicos, dos escritórios, etc. Mas a partir do momento em que foi criada uma
norma que proíbe fumar dentro desses espaços a tradição acabou.
Portanto, seria bom que se
deixasse de apelar à tradição para se criticar a decisão da esquerda
parlamentar em derrubar o governo que, não obstante ter ganho as eleições, não
tinha maioria parlamentar.
2 – O PS, com o apoio parlamentar dos restantes partidos da
esquerda (BE, PCP e PEV), apresentou uma solução de governo maioritário na
Assembleia da República. Esta posição é Democrática, é Constitucional e é
legítima.
No entanto, o
ex-Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, não se coibiu de destilar a sua
verve ressabiada com epítetos grotescos. Passos Coelho, numa intervenção
partidária junto dos seus militantes, apelou a António Costa para desistir da
ideia de um acordo parlamentar de esquerda, que detém a maioria absoluta, e
formar um governo, pois assim seria acusado de “governar como golpistas e fraudulentos”.
Acusando a esquerda de “assalto ao poder, defraudar os eleitores, fraude
eleitoral e golpe político”. Em contrapartida reclamou por uma alteração à
Constituição para ser permitida a marcação de novas eleições, que certamente se
iriam repetindo sucessivamente até que a direita tivesse maioria absoluta…
O refluxo gástrico que afecta
Passos Coelho, Paulo Portas e não só está a tolher o raciocínio aos sujeitos,
trazendo ao de cima a falta de cultura democrática que as ditas personagens nos
tem apresentado. Vamos por partes na desconstrução deste palavrório enganador
para os menos informados.
i)
“golpistas, fraudulentos e defraudar os
eleitores” – Estes adjectivos utilizados por Passos Coelho não podem ser
direccionados para a esquerda parlamentar eleita no passado dia 4 de Outubro,
pois foi respeitada a Democracia e a Constituição. Contudo, o mesmo já não se
poderá dizer de Passos Coelho, em 2011, ao chumbar na Assembleia da República o
PEC4 e fazendo com que, dessa forma, o governo de José Sócrates tivesse caído,
pois golpista foi essa atitude dado que aí vislumbrou uma possibilidade de
chegar ao poder, tendo mesmo cedido à chantagem do PSD de “ter eleições no país
ou no partido”. Fraudulentos, diz Coelho. Todavia, fraude foi aquilo que Coelho
e Portas fizeram durante a campanha eleitoral quando mentiram aos portugueses
que iam devolver 35% da sobretaxa de IRS. Defraudar os eleitores foi utilizar
esse expediente, criando até um simulador para os contribuintes irem conferir. Fraude
eleitoral e golpe político, foi servirem-se de um organismo estatal para
fazerem campanha eleitoral para enganar os eleitores. Isso, sim, é que é de
golpistas.
Chega desta ladainha da direita
de procurar tornar uma acção legítima e Democrática numa “falta de
legitimidade”, de “usurpação” e de “assalto ao poder”, pois nada disso que
afirmam é verdade. Mas o que demonstra a falta de carácter político é o facto
de eles saberem muito bem que a esquerda actuou com toda a legalidade e
legitimidade, mas procuram, com o seu ar de “calimero”, do coitadinhos de nós
que até ganhamos as eleições mas esses esquerdelhas revolucionários não nos
deixam governar, atirar o odioso para cima da esquerda.
3 – Por isso, apenas posso dizer à Direita política, roubando os
direitos de autor a António José Seguro: habituem-se!
No Portugal político uma nova
realidade nasceu! Quarenta anos depois de se ter erguido um muro que separou os
partidos da esquerda, António Costa teve o mérito de o derrubar. António Costa
é o novo Primeiro-ministro de Portugal. E, quanto a isso, não pode restar a
mais pequena dúvida, pois não foi violada nem vilipendiada qualquer norma do
ordenamento jurídico português, bem como a Constituição da República de
Portugal.
Já agora, seria bom que a direita,
caso queira continuar a trilhar a deriva acusatória da “fraude”, dissesse
alguma coisa aos portugueses sobre a mentira – ou fraude – da devolução de 35%
da sobretaxa, tão anunciada e feita bandeira na campanha eleitoral. Agora,
passadas as eleições, a devolução desceu num ápice de 35% para 9,7%, sendo que
agora a devolução é zero. Questionado perante estes factos, Passos Coelho
sacudiu as suas culpas, a do seu governo e a da sua coligação. Querem dizer que
não sabiam de nada. E um pouco de vergonha na cara não há?
Todavia, também seria um
imperativo de sentido de Estado que a direita esclarecesse o povo sobre o Novo
Banco. Isto porque Passos Coelho, Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque não
deixaram de massacrar a populaça com a lengalenga de que isso não trazia custos
para os contribuintes. Contudo, e não obstante durante a campanha eleitoral
Passos Coelho ter tido o topete de dizer que o Estado até estava a ganhar
dinheiro com os juros que recebia do Novo Banco, o certo é que, passadas as
eleições, veio-se a saber que os 4,9 mil milhões de euros que lá tinham sido
injectados do erário público, travestido de fundo de resolução, já se tinham
esfumado e que o Banco precisa de uma injecção de capital de mais 1,4 mil
milhões de euros, para além de ter de ser levada a efeito uma restruturação que
se saldará no despedimento de cerca de mil trabalhadores… e tudo isto depois de
falharem a venda do mesmo. O que mais virá por aí?
Já agora, também seria
interessante que a direita liderada por Passos Coelho nos fizesse um desenho
sobre a privatização da TAP, sendo que, sabe-se agora, o risco de incumprimento
ou dos prejuízos ficam a cargo do Estado.
4 – Por fim, quero apenas afirmar que nada adulterou a
Democracia e os princípios Constitucionais. Na sequência das eleições, Passos
Coelho foi indigitado Primeiro-ministro e a direita convidada a formar governo.
Tudo como mandam as regras! Chegados com o programa de governo à Assembleia da
República, o mesmo foi chumbado pela maioria dos deputados que compõem o
Parlamento. Nessa sequência, surgiu o PS e apresentou uma solução governativa
com apoio da maioria na Assembleia da República. Tudo legal e transparente como
a água!
Antes de começar esta crónica estive
a assistir à tomada de posse do XXI governo Constitucional liderado por António
Costa. O que me apraz registar sobre o momento, é que o Presidente da República
não conseguiu despir a sua camisola partidária e não deixou de meter as suas
farpas no novo governo, ameaçando que ainda tinha poderes… Isto tudo depois de
não ter tido pejo de demonstrar todo o seu revanchismo, pois Cavaco Silva não
se comportou como um estadista – na minha opinião Cavaco nunca foi um estadista
– quando deu conhecimento de que António Costa ia ser o Primeiro-ministro de
Portugal. Cavaco é rude e vingativo, pois basta atentar no verbo utilizado no
comunicado ao dizer “…indicar o Dr. António Costa para Primeiro-Ministro”,
quando o que deveria dizer era indigitar. Mas como indigitar e indicar não é a
mesma coisa, aqui fica a vingança de Cavaco…
Nota: O autor escreve segundo o antigo AO
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