A
saúde é um bem que deveria ser de todos,
e
acessível a todos!
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as últimas semanas têm vindo a
pública notícias e acontecimentos que trazem à colação a precariedade dos
cuidados de Saúde em Portugal, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O SNS foi uma das maiores
conquistas trazidas pela Revolução de Abril de 1974! Com este Serviço, a
população portuguesa, desde as grandes cidades às aldeias mais remotas deste
Portugal com vista para o Atlântico, viu melhorar a sua qualidade de vida, pois
o acesso aos cuidados mais básicos de Saúde era garantido por um serviço
público de proximidade. Sendo exemplar a extraordinária redução da taxa de
mortalidade infantil. Portugal, graças ao SNS, deixou de ser um dos países da
Europa com a maior taxa de mortalidade infantil para se tornar no país da
Europa com a mais baixa taxa de mortalidade infantil. E isto é impagável!
Não queremos ser líricos e pensar
que no SNS tudo eram maravilhas. Nada disso!
Todavia, o facto de haver necessidade
de algumas alterações de pormenor, mormente na componente do controlo da
despesa em casos específicos e não na generalidade, não era motivo para que o
governo actual promovesse o maior ataque ao SNS, tudo fazendo para desmantelar
esta preciosa prestação de serviços médicos público à população. Desde a
imposição de orçamentos rígidos que impediram os hospitais de funcionar com
normalidade; à gestão do pessoal médico, de enfermagem e auxiliar, entregando a
sua contratação a empresas de trabalho temporário e impedindo as administrações
hospitalares de contratar pessoal e cortar na compra de medicamentos
necessários e imprescindíveis para o tratamento e a cura dos doentes;
terminando com a desqualificação dos hospitais, provocando a perda de valências
em muitos, que deu origem a que as populações tivessem de ir para localidades
mais distantes para consultas externas de especialidade, para serviços de
urgência e para outros cuidados de saúde, tudo serviu para denegrir o SNS.
Sob a capa do argumento do memorando
da troika, o governo de Passos Coelho e do contabilista Paulo Macedo, procedeu
a cortes drásticos no Orçamento da Saúde. Com o estrangulamento financeiro aos
hospitais e tornando mais caro o acesso à saúde à população, este governo
iniciou a purga necessária para desmantelar o SNS. E estão a consegui-lo! Os
governantes mentiram aos portugueses, pois sempre argumentaram que estavam a
cumprir o acordado com a troika. Mas a
mentira tem “perna curta”, e Passos Coelho e Paulo Macedo foram desmentidos por
um relatório da OCDE que diz que «Portugal cortou na Saúde o dobro do que tinha
negociado com a troika». Como se pode verificar, não foi a troika nem o
memorando herdado que obrigou o governo a tomar as medidas contra o SNS. Foi,
isso sim, uma intenção ideológica deste governo em desmantelar o SNS.
No entanto, estamos perante um
governo em completo desnorte, sem rumo, e que a proximidade das eleições lhes
tolhe o raciocínio e seca os pucos nerónios que lhes resta.
Não bastava todo o caos nos
serviços de urgência, onde as pessoas tiveram que esperar, em alguns casos, 23
horas para serem atendidas no Serviço de Urgência. O caos estava montado!
Ninguém assumia responsabilidades, todos empurram de um lado para o outro. Os
directores de Serviços em alguns hospitais demitiram-se em bloco, alegando
falta de condições de trabalho.
Perante este caos estabelecido,
morreram 8 pessoas nas urgências hospitalares à espera de serem atendidos pelos
médicos. Os internamentos tornaram-se um caos. A falta de pessoal médico e de enfermagem
dá origem a que os cuidados médicos prestados aos doentes possam não ser os
melhores. Perante este cenário, tenho quase a certeza que há muita gente a
morrer antes do tempo.
Depois do caos nas urgências, eis
que um novo caso surge na comunicação social e que demonstra a insensibilidade
humana que este governo tem. Falo do caso dos doentes com Hepatite C! É
inconcebível que uma pessoa morra por falta de um medicamento que o governo não
que comprar por o achar caro.
Os doentes com Hepatite C estão à
espera que o governo decida comprar um medicamento que em 90% dos casos lhes
traz a cura. Mas o governo não está preocupado com a cura e salvar da morte
estes doentes. A preocupação do governo é financeira. O governo entende, pela
voz do Ministro da Saúde e do Primeiro-ministro, que o medicamento é muito caro
e que a empresa farmacêutica tem de reduzir o preço. Falamos de um medicamento
novo que custa cerca de 41 mil euros. Será que a vida de uma pessoa não vale
mais de 41 mil euros? Se fosse Paulo Macedo ou Passos Coelho, ou alguém da sua
“entourage” familiar e política eles perdiam tempo a ratear o preço como se
estivessem numa feira? Certamente que não!
Uma mulher de 51 anos, que sofria
de Hepatite C, acabou por morrer sem que o governo decidisse comprar o
medicamento que a salvava da morte. Esta doente passou o último ano em
constantes tratamentos e internamentos. Quanto custou esta senhora ao SNS no
último ano com os tratamentos e os internamentos? Talvez mais que os 41 mil
euros que custa o medicamento que a poderia salvar. Mas o governo preferiu
andar na feira a regatear o preço e a fazer um “braço-de-ferro” com a empresa
farmacêutica que produziu e comercializa o medicamento.
Muitos doentes esperam que o
governo lhes disponibilize esse medicamento que os pode salvar. Um dos doentes,
por carta dirigida ao ministro Paulo Macedo, já se disponibilizou a pagar
metade do valor do medicamento. Do ministro nem resposta obteve! Esta semana, o
mesmo doente, na audiência parlamentar ao Ministro da Saúde na Assembleia da
República, suplicou a Paulo Macedo que não o «deixe morrer». Perante este
pedido lancinante de quem vê que se pode curar mas por um capricho do governo
do seu país corre o risco de morrer antes do tempo, o que fez um deputado do
PSD que estava nessa audiência, Miguel Santos, interveio, e em vez de
demonstrar solidariedade pelos doentes, vociferou contra os mesmos, apelidando
de “circo” o que ali estava a acontecer. Esta é a exemplar forma como o governo
e a maioria trata os portugueses.
Como todos nos lembramos, Passos Coelho não se cansou de afirmar que
iria cumprir escrupulosamente o programa da troika, que apelidou do seu
programa de governo e que iria para além da troika, “custe o que custar”, vindo
agora, confrontado com o problema dos doentes com Hepatite C que «deve-se fazer
tudo para salvar vidas, mas não custe o que custar». E acrescentou «Pagar uma
fortuna para aceder ao medicamento não nos parece uma coisa equilibrada».
Este governo parece seguir a lógica de deixar morrer os doentes graves
e os idosos para poupar nas reformas? Passos Coelho tem a desfaçatez de nos
dizer que temos de empobrecer “custe o que custar”, pois custe o que custar
temos de pagar a dívida e os juros. Este governo que se quer fazer duro a
negociar a descida do preço do medicamento que pode salvar a vida dos doentes,
é o mesmo que não tem a coragem de negociar a descida do valor dos juros da
dívida que estamos a pagar!
Só de juros da dívida pagamos por
ano tanto como o que gastamos com o Serviço Nacional de Saúde – oito mil
milhões de euros. Temos um governo forte com os fracos e fraco com os fortes!
Só nos resta esperar pelas eleições e correr com eles, mas até lá ainda vão
fazer o mal e a caramunha.
Resta, por fim, acrescentar que
em Portugal os tumores matam 70 pessoas por dia, e 10 000 novos doentes por ano
são recebidos no IPO do Porto.
É urgente que as políticas para a
saúde comecem a orientar-se para a prevenção, pois só assim haverá menos mortes
e menos despesa no tratamento.
*Artigo publicado no Jornal Notícias de Esposende, n.º 5/2015 – 7 a 13
de Fevereiro.